Resident Evil é uma franquia de jogos da Capcom aclamada por uma legião de fãs. Porém, proporcionalmente ao amor há também uma grande bagagem de expectativas e, depois de tantos anos de erros em tentativas de adaptações audiovisuais, esperanças. E dentre tantos produtos baseados na franquia dos videogames, adentramos em 2022 com o lançamento da série live-action da Netflix.

Quando o primeiro trailer foi divulgado, era impossível não assistí-lo e associá-lo imediatamente ao jogo original. Umbrella, T-Vírus e até Wesker foram algumas das iscas. Ok, era uma proposta diferente, afinal, o trailer já nos apresentava uma trama com um personagem teoricamente já conhecido, porém dessa vez ele é um cientista ao invés de agente da S.T.A.R.S. e com filhas adolescentes.

É exatamente aí que está o pulo do gato (ou nesse caso do zumbi), e eu explico aqui a minha visão do seriado com alguns spoilers (esteja avisado) - e o Diego já deu seu ponto de vista aqui no The Enemy.

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Billie e Jade Wesker adolescentes - Divulgação / Netflix
Billie e Jade Wesker adolescentes - Divulgação / Netflix

Os fãs tendem a comparar um novo produto midiático com o jogo original e rechaçar quando é diferente. Esquecem que é uma inspiração, uma história baseada. Não uma réplica. A graça da nova série Resident Evil da Netflix está justamente aí: assistir sem compromisso e aproveitar os easter eggs no caminho.

Na trama acompanhamos dois períodos temporais. Há o que seria o presente, em um 2022 pós-Covid, onde Albert Wesker é cientista e pai solteiro de duas filhas adolescentes, Jade e Billie (ambas com 14 anos), que acabam de chegar em Raccoon City 2.0.

Esta cidade é extremamente moderna e tecnológica que gira em torno da Umbrella. Em paralelo, há um futuro pós-apocalíptico em 2036 que é dominado por zumbis, conhecidos como zeros, que estão sendo estudados pela então adulta Jade Wesker (Ella Balinska, também intérprete de Frey Holland em Forspoken), uma das filhas de Albert. Esses dois momentos são apresentados alternadamente durante o decorrer dos episódios.

Albert Wesker e Evelyn Marcus - Divulgação / Netflix
Albert Wesker e Evelyn Marcus - Divulgação / Netflix

Logo no primeiro episódio fica difícil não pensar que esta vai ser uma história de origem, tentando recontar tudo o que aconteceu. Mas acredito que a melhor forma de encarar a série é vê-la como uma possível realidade dentro de um multiverso.

Raccoon City original e a mansão Spencer não deixaram de acontecer aqui. Até Lisa Trevor tem seus 5 segundos de tela para dar check no easter egg. A Umbrella foi criada pelo Dr. Marcus e houve sim um problema com o T-Vírus anos atrás, mas a situação foi contida e abafada. 

E aí entramos no que pode ser encarado como a nova camada desse multiverso, onde a filha do doutor, Evelyn Marcus, está agora cuidando do legado da família e focando todos os esforços da empresa em uma nova droga chamada Joy. Com esse produto, a Umbrella pode mudar o mundo acabando com doenças mentais como depressão e ansiedade, se conseguirem estabilizar a fórmula que tem vestígios do T-Vírus.

Esse Wesker não é “O” Wesker, pelo menos não o original. O já conhecido vilão dos jogos até aparece rapidinho, mas é mencionado que ele já morreu em um vulcão (assim como no jogo). A série acompanha mesmo é Albert, um dos clones que ele cria para serem seus cientistas particulares. Isso dá licença poética para ele agir de forma diferente e surgirem algumas situações bizarras, principalmente por parte do tio Bert, que só é apresentado mais à frente na temporada.

Billie e Jade Wesker adolescentes - Divulgação / Netflix
Billie e Jade Wesker adolescentes - Divulgação / Netflix

As adolescentes roubam a cena. Toda a tensão criada após Billie ser mordida por um cão infectado pelo T-Vírus prende o fã na expectativa de ver a jovem se tornar o marco zero. Você descobre todos os sintomas pós-mordida e inicia uma  contagem regressiva contando os segundos para sua transformação em Zumbi. E a tensão só aumenta com a companhia de Jade e seu pai. Esse arco se fecha ainda dentro da temporada e de uma forma incrível. Mas isso é só o começo. 

Essa trama abre as portas para conhecermos os (novos) podres da empresa que, apesar de estar com uma nova nova administração, segue igualmente destrutiva.

Mais que isso, abrir essa porta nos leva também a analisar melhor Wesker. Ele é um vilão nos jogos e tendemos encará-lo como tal a todo momento que ele aparece na na série. O cientista tem sim suas questões, porém dá pra perceber seu amor pelas filhas a todo momento.

O maior pecado da série é a trama no futuro. Tudo que o roteiro investiu na adolescência das jovens Jade e Billie parece ser deixado de lado para mostrar Jade adulta. A complexidade de roteiro desenvolvida no presente é quase inexistente na maior parte do futuro e essa construção acaba soando falsa, lembrando mais um jogo de ação simplista. 

Jade e Billie Wesker adultas - Divulgação / Netflix
Jade e Billie Wesker adultas - Divulgação / Netflix

O ritmo do futuro é frenético. Jade é workaholic e praticamente não descansa. Seja trabalhando para salvar o mundo em busca de uma cura, seja  fugindo para salvar sua vida. Tem ação, correria e urgência de sobrevivência a todo momento. 

Até as interações com outros humanos são bem rasas e dão a impressão de Jade estar falando com NPCs para realizar side quests em um jogo. Para ajudar a engolir, pode ser interessante encarar de forma gamificada imaginando qual seria o próximo passo se aquilo fosse um jogo. Assim, esse roteiro raso fica mais tolerável. Será que esse era o plano?

Também é apresentada a relação conturbada de Jade e Billie já adultas, mas não muito aprofundada. A Netflix ousou deixando várias questões em aberto e ainda buscando hypar o fã para a presença de Ada Wong numa possível segunda temporada. Mas a verdade é que uma segunda temporada ainda é uma grande incerteza, pelo menos até o momento.

A nota da crítica está quase o dobro da do público no Rotten Tomatoes, principal agregador de notas do mundo. A série não é uma obra-prima, longe disso, mas também não é tão ruim assim como foi pintada por tantos fãs. 

Para quem sobreviveu a adaptações tenebrosas como Super Mario Bros., Alone in The Dark e Resident Evil: Bem-Vindo a Raccoon City, dá pra se divertir assistindo essa nova série. Basta olhar pelo ângulo certo.