Far Cry 6 foi o primeiro jogo da série a me deixar genuinamente animado antes do lançamento. Minha relação com a franquia não era tão íntima nos títulos anteriores, embora eu tenha aprendido a apreciar, tardiamente, figuras como Vaas. O vilão que deu origem à ideia de que os vilões da série eram sempre um ponto importante.

Antón Castillo e Diego em Far Cry 6.

Contudo, vamos refletir sobre essa afirmação de maneira objetiva. Primeiro, veio Vaas, um vilão de Far Cry 3 que se tornou garoto propaganda do jogo. No jogo seguinte, tivemos Pagan Min, que até tinha alguns méritos, mas já não marcava da mesma forma. No quinto jogo numerado da série, o primeiro que joguei, Joseph Seed foi o grande antagonista, mas continuava abaixo até de Min.

Afinal, como El Presidente se encaixa nessa lista?

Giancarlo Esposito é Antón Castillo

Corpo machucado em Far Cry 6.

Antón Castillo seria meu segundo favorito considerando todos os nomes citados até aqui. A atuação de Giancarlo Esposito segue tão boa quanto as pessoas podem imaginar — afinal, esse arquétipo de personagem mau e autoconfiante é algo com que ele está familiarizado desde Breaking Bad. Inclusive, espero que a Ubisoft siga com essa tendência de convidar atores famosos para os jogos. Nesse caso, encaixou perfeitamente.

O visual de Antón nas cenas cinematográficas, assim como o dos demais personagens principais, é simplesmente maravilhoso. Há sutilezas nas expressões dos heróis e antagonistas um tanto inesperadas para um jogo que é tão absurdamente grande. Em experiências de escala menos ampla, como The Last of Us Part II, ainda vemos personagens muito mais realistas, obviamente. Entretanto, Far Cry 6 ainda impressiona tanto por como se preocupa com a apresentação dos componentes humanos da história quanto pelo cuidado artístico observável em toda a ilha de Yara.

Pichação de protesto em Far Cry 6.

Seja nos confins mais aleatórios de El Este ou na mais desenvolvida região de Esperanza, não faltam sinais de que Castillo é um ditador do qual simplesmente não há escapatória. O rosto de El Presidente estampa cartazes em todas as estradas, a voz dele é emitida por rádios nos acampamentos que invadimos e até mesmo pichações de protesto nos lembram de que, apesar das belezas naturais do país fictício, há algo terrível acontecendo com a população.

Cadáveres com indícios evidentes de tortura espalhados por todos os lados. Corpos pendurados de pessoas enforcadas. Discursos sobre um suposto passado glorioso sendo reproduzidos repetidamente. Pessoas arrependidas por um dia terem acreditado no discurso de um líder populista. Muitos desses elementos tendem a ressoar bastante, principalmente, com jogadores brasileiros (e latino-americanos, na verdade) cujas aulas de história não foram completamente desperdiçadas. Ainda que de maneira menos espetaculosa, todos esses elementos fizeram parte também da história do nosso país — e parte deles voltou a fazer parte do nosso cotidiano, infelizmente.

Prédio de Esperanza em Far Cry 6.

Obviamente, devemos levar em conta o seguinte: essa história continua sendo o produto de uma empresa do Hemisfério Norte, onde estão os países imperialistas que financiaram ditaduras na Améria Latina inteira. Logo, a tal luta contra a opressão é abordada da maneira mais caricata possível. As pessoas falam a palavra "libertad" o tempo inteiro, como se fossem crianças brincando em vez de guerrilheiros. É evidente que Far Cry não costuma se levar tão a sério, mas minha tolerância tem um limite, confesso.

A construção de mundo acerta em cheio artisticamente, já que a ideia é chocar os jogadores. Mas os diálogos e arquétipos de personagens, assim como a própria trama, seguem uma linha bastante intuitiva. Não espere por uma abordagem inteligente do tema — tal qual Far Cry 5, Far Cry 6 arranha apenas a superfície de um debate profundo que, se abordado apropriadamente, teria de levar em conta muito mais nuances.

Paraquedas em Far Cry 6.

Conceitualmente, portanto, há acertos e erros. Se, por um lado, Far Cry 6 possui uma premissa válida cuja essência se traduz de maneira muito competente nos componentes visuais de Yara, o desenvolvimento da narrativa segue exatamente o que poderíamos esperar, infelizmente.

Um mundo maravilhoso, mas não tão recheado

Helicóptero em Far Cry 6.

Essencialmente, o ciclo de Far Cry 6 segue a mesma ideia dos jogos anteriores. Jogadores controlam um personagem em primeira pessoa que precisa invadir bases para matar pessoas, roubar itens ou destruir tudo o que encontrar. As justificativas mudam: às vezes, estamos atacando aliados diretos de Castillo. Em outros momentos, estamos atacando lugares em que se produz petróleo ou algo do tipo. Apesar dos múltiplos contextos, o jogo quase sempre se resume a invadir bases e eliminar alvos, seja furtivamente ou tocando o terror.

Para os fãs da fórmula de Far Cry, não há muito o que questionar: esse jogo foi feito para você. Entretanto, jogadores que já se cansaram desse modelo podem sentir uma profunda insatisfação em relação à baixíssima diversidade de objetivos. As ferramentas disponíveis para cumprirmos cada missão são suficientemente diferentes umas das outras, mas o que fazemos, efetivamente, é sempre a mesma coisa.

Juan Cortez em Far Cry 6.

Quer invadir na surdina e abater todos os soldados de Castillo sem ser visto? Ótimo. Equipe uma arma com silenciador e faça como quiser. Prefere chegar com um helicóptero dando tiro em todo o mundo? Justo. Sentiu vontade de roubar um tanque de guerra e chegar pela porta da frente quebrando tudo? Não seja por isso. Contudo, é isso que você vai fazer, sempre: invadir lugares e matar pessoas. Ou roubar, se não quiser matar.

Far Cry 6 é constantemente divisivo. Por um lado, jogadores podem amar as paisagens de Yara, se impressionar com a qualidade das texturas (com destaque para o solo molhado após uma chuva) e gostar da sensação de êxito ao eliminar todos os inimigos sem serem vistos. Por outro, faltam motivos para perseguir os infinitos pontinhos com objetivos do mapa, porque já sabemos o que nos espera. No final das contas, você só cede e vai atrás desses ícones para ganhar nível e conseguir acessar outras áreas nas quais inimigos são fortes.

Tubarão em Far Cry 6.

Inclusive, o meio de transporte mais rápido para ir de um objetivo até o outro seria helicóptero ou avião. Entretanto, para poder pilotar aeronaves livremente em Yara, Dani Rojas precisa destruir defesas antiaéreas. Far Cry 6 não tem torres que precisamos escalar, mas não faltam máquinas que precisamos destruir. Sério, não consigo entender essa decisão. Talvez seja uma questão de fazer com que o jogador se sinta pressionado por Antón também na jogabilidade, mas os Pontos de Controle nas estradas seriam o bastante. Isso é só... Chato.

Quando a única opção que nos resta é dirigir carros ou quadriciclos, além de montar cavalos, tendemos a nos sentir mais irritados do que o normal. Logo, acabamos reparando em alguns problemas: como a maneira totalmente aleatória que a câmera em primeira pessoa gira quando capotamos com o quadriciclo ou o campo de visão irritantemente limitado dentro de veículos fechados. Cavalos foram minha opção terrestre favorita, mas ainda seria melhor poder simplesmente andar de helicóptero à vontade.

Arma enorme em Far Cry 6.

Novidades muito bem-vindas

Existem acampamentos espalhados por Yara que servem como bases nas quais Dani pode dar uma pausa na ação e interagir com NPCs, comprar armas ou construir estabelecimentos. Esse aspecto é genuinamente divertido, já que dá significado à quantidade absurda de materiais que coletamos ao longo da jornada. Redes de abrigo, restaurantes, esconderijos para ladrões. Cada um rende um tipo de vantagem ou itens que passam a estar disponíveis para compra.

Far Cry 6 em primeira pessoa.

Aliás, você se lembra daquela mecânica de enviar assassinos em missões, lá de Assassin's Creed: Brotherhood? Far Cry 6 conta com algo semelhante. No caso, podemos recrutar as pessoas que salvamos dos soldados em Yara e mandar grupos de ladrões para cumprir missões e nos trazer materiais de construção. É um detalhe bem simples, mas, por fazer referência ao meu Assassin's Creed favorito, acabou me conquistando.

Também merecem destaque os fofíssimos Amigos, animais de estimação treinados que seguem Dani Rojas nas missões. Cada um deles possui uma vantagem específica, portanto, é bom estar sempre atento ao que se espera alcançar. Não adianta mandar um cachorro mecânico morder inimigos se você quiser agir na furtividade. Às vezes, um bichinho fofo é exatamente do que precisamos (por mais que seja doloroso ver nossos companheiros apanhando).

Cachorro mecânico em Far Cry 6.

Juntos dos Amigos, os Supremos são outra adição excelente quando falamos em jogabilidade. Há mochilas que disparam mísseis capazes de destruir até tanques de guerra ou ondas eletromagnéticas capazes de desligar todos os equipamentos eletrônicos ao redor do personagem principal. E melhor ainda: muitos desses equipamentos, que incluem tanto mochilas super poderosas quanto armas comuns modificadas (como um disparador de CDs ou uma besta enorme), podem ser comprados com uma moeda diferente da que usamos para comprar equipamentos de corpo. Logo, não é necessário se preocupar tanto assim com grana.

Far Cry 6 se mostrou um jogo indecifrável, no meu caso. Há muitos elementos dignos de elogios, como os ambientes de tirar o fôlego, os Amigos extremamente fofos e uma direção artística absolutamente competente na maneira como traduziu a opressão sofrida por Yara visualmente. Também temos um vilão memorável — não pelo texto, mas pela performance de um ator que sempre brilhou em papéis semelhantes.

Antón encontra Diego.

Ao mesmo tempo, a repetição constante de objetivos, assim como a consequente falta de incentivo para perseguir os excessivos ícones do mundo aberto, limita muito a disposição de quem decide se aventurar por Yara. A premissa é boa, mas a execução merecia mais cuidado.

No final das contas, talvez seja mais fácil resumir da seguinte maneira: se você já é fã de Far Cry e quer viver uma aventura nova, simplesmente, invista sem medo. Caso contrário, talvez seja melhor dedicar o próprio tempo a outros títulos.

Nota do crítico