10 anos de Red Dead Redemption: a conquista do Oeste da Rockstar

Hoje em dia é até difícil de acreditar, mas em 2010 havia rumores de que a Rockstar Games não apostava muito no sucesso de Red Dead Redemption.

Não, é sério. Pelo menos de acordo com o então Joystiq (hoje em dia parte do site Engadget), supostas fontes dentro da própria Rockstar San Diego diziam que o principal objetivo da empresa era simplesmente lançar um jogo, independente de seu número de vendas.

"Será preciso de 4 milhões de vendas com preço total para recuperar os custos de desenvolvimento de Red Dead", disse uma fonte. "A boa notícia é que eles [Rockstar] não estão esperando fazer dinheiro com Red Dead Redemption. A este ponto, o projeto é só para provar que o estúdio de San Diego é capaz de fazer um título AAA de qualidade."

Não que seja preciso dizer 10 anos mais tarde, 15 milhões de cópias, uma sequência ainda mais bem-sucedida comercialmente e um legado como poucos, mas eles subestimaram seu próprio trabalho.

• 7 momentos marcantes do primeiro Red Dead Redemption
• Os Westerns que inspiraram Red Dead Redemption
• Por que o western é tão pouco explorado nos games?

A trágica jornada de John Marston e sua caçada aos antigos membros de sua gangue e o fim do Oeste Selvagem capturou a imaginação da crítica e público, e se mesmo ao fim de 2010 ele já era considerado o destaque de um ano com títulos aclamados - incluindo Mass Effect 2, Super Mario Galaxy 2, Halo: Reach, Assassin's Creed Brotherhood, entre outros -, atualmente ele é visto como um dos melhores jogos da era do PS3 e Xbox 360, e um dos maiores de todos os tempos.

O Western não é exatamente o gênero mais popular do mundo nos games. Embora tenha sua parcela de títulos icônicos, como Sunset Riders, Desperados e Gun.Smoke, ele definitivamente não trazia o mesmo apelo em mídias como o cinema e a TV.

(Poucos anos antes, inclusive, a Activision fez sua própria tentativa mal sucedida de embarcar no gênero com Gun)

Ainda assim, a ideia de criar um jogo de faroeste sempre foi do interesse dos irmãos Sam e Dan Houser, ao ponto de ser uma das grandes razões pela simples existência da Rockstar San Diego, já que foram eles que adquiriram o então Angel Studios e mantiveram seu antigo projeto cancelado com a Capcom: Red Dead Revolver.

Apesar do nome, Redemption não usa muitos elementos do jogo original, e adapta o estilo em mundo aberto pelo qual a desenvolvedora de GTA ganhou fama para a ambientação do Velho Oeste - não à toa, o jogo foi apelidado pelo público e imprensa de "Grand Theft Horses".

E estes elementos se casaram muito bem! Até aquele ponto, o mundo de Red Dead Redemption era um dos mais ricos e bem realizados em todo o histórico da Rockstar, repleto dos mais diferentes biomas e locais especiais que poderiam ser visitados pelo jogador, podendo trazer os mais diferentes tipos de recompensa para quem estiver interessado em explorá-lo.

A Rockstar conseguiu incentivar esta exploração ao rechear o jogo com diversas atividades que levam aos mais diferentes pontos do mapa e suas locações, de busca por tesouros, caça a animais lendários, missões paralelas aos objetivos principais, entre outras atividades e passatempos especiais.

Até mesmo o sistema de combate, geralmente um dos aspectos menos notáveis/mais criticado em jogos da Rockstar, ganhou um peso extra com as armas de fogo mais antigas e com sistema de disparo e recarregamento mais arcaicas, além do sistema de congelamento de tempo, Dead Eye (uma das poucas relíquias de Red Dead Revolver).

Isso sem falar nos ocasionais glitches incríveis e bizarros, como o homem-puma e a mulher-burro.

Mais do que tudo, o jogo não teria o impacto que teve, nem um legado tão duradouro, sem sua excelente narrativa central e John Marston, um dos protagonistas mais engajantes da história da desenvolvedora.

Um dos grandes acertos da Rockstar com Red Dead Redemption foi o de situar o jogo justamente no fim do chamado "Oeste Selvagem". Passando-se em 1911, décadas após o que muitos consideram o auge da expansão e exploração (em vários sentidos) do território da Costa Oeste da América do Norte, o mundo do game - e seu herói - encontra-se em conflito, com a onda do progresso da civilização industrial tomando os aspectos da vida rústica da fronteira, independente da vontade de seus habitantes ou não.

"De uma perspectiva de game design isso nos deu uma grande variedade de ferramentas para brincar", explicou o cofundador da Rockstar, Dan Houser, ao IGN. "Com isso queríamos dar a nós mesmos todos os pontos fortes do Oestes - cavalos e carroças e laços e várias coisas que você não pode fazer em jogo de GTA - mas também o máximo de coisas modernas para usar como trens e explosivos e por aí vai."

"De uma perspectiva de história pareceu mais interessante", continuou. "Fazer uma narrativa clássica de 'estamos conquistando o mundo selvagem' não pareceu muito interessante para a gente. Mas ter esta interface e período de grandes mudanças entre este mundo selvagem e horrendo com ilusão de nobreza evoluindo em uma sociedade moderna pareceu muito mais interessante - mais interessante do que algum colonizador iludido, dominando selvagens na mente dele. Isso parecia excessivamente limitador e não algo é algo com que concordaríamos politicamente."

Marston, um ex-criminoso que deixou esta vida para trás e só quer cuidar de sua mulher e filho, é forçado por agentes do governo a caçar os membros restantes de sua antiga gangue, liderada por Dutch van der Linde.

Sendo ele mesmo uma relíquia de uma outra era, mas disposto a se adaptar aos novos tempos - e com a vida de sua em jogo -, Marston parte em uma jornada em que confronta não só seus antigos "irmãos", como o mundo em mudança, começando em um ambiente mais "faroeste clássico" em Armadillo, atravessando um território do México tomado por uma guerra civil e de volta para uma América mais "moderna" na forma de Blackwater, com seus prédios firmes, postes telefônicos e lâmpadas a gás.

No decorrer desta jornada, Marston conhece um elenco curioso de personagens, de arquétipos clássicos de contos de faroeste até versões mais desconstruídas e complexas, em particular o próprio Dutch (que ganharia ainda mais foco em Red Dead Redemption 2).

A Rockstar é conhecida por seu senso de humor particularmente cínico, mas Red Dead Redemption em particular também traz um tom melancólico, especialmente durante sua parte final, mas que pode ser notado em vários momentos, encontrando pessoas perdidas, sem grandes perspectivas ou com ilusões de grandeza rapidamente destruídas pela realidade.

Alguns personagens parecem terminar bem, ou ao menos em paz de espírito (Bonnie, Landon Ricketts, e - de todas as pessoas - Seth), mas estes casos são poucos.

Tudo isso culmina com a última missão (principal) do jogo, "The Last Enemy That Shall Be Destroyed".

(Eu suponho que a este ponto se você não jogou o jogo até o final não se importe com detalhes de sua conclusão, mas de qualquer forma: SPOILERS)

Após a morte dos membros restantes da gangue de Dutch, John volta para seu rancho, reencontra sua esposa Abigail e seu filho Jack (e Uncle), e tenta retomar sua vida comum, representada por uma série de missões diferentes.

No fim, porém, Edgar Ross, o agente federal responsável pelo sequestro de sua família e por forçá-lo a caçar seus antigos companheiros, tem outros planos, e envia uma tropa inteira de soldados do exército americano para matar Marston.

E ele consegue.

Para torcer a faca, você controla John em seus últimos momentos, usando o Dead Eye para atirar em ao menos alguns dos inimigos antes de ser fuzilado. Ele consegue salvar sua mulher e filho, mas é incapaz de fugir de seu passado - ou, no caso, o mundo o impede de fugir de seu passado -, e seu legado oficial é o de um fora da lei perigoso morto ao resistir à lei e ordem do mundo civilizado.

Em um sentido mais amplo, Ross, como um agente da modernidade e "civilização", é incapaz de julgar Marston além de um mero selvagem, e o descarta de forma brutal e violenta assim que não vê mais valor em mantê-lo vivo.

John sempre se mostrou disposto a se adaptar a um mundo diferente, mas este mundo nunca se mostrou disposto a aceitá-lo - mesmo precisando de seus serviços.

Mesmo o epílogo, em que um Jack mais velho se vinga de Ross ao matá-lo em um duelo, apesar da catarse, é quase inconsequente na grande ordem das coisas, considerando a reputação pública do homem da lei e pelo fato de que, ao assumir o papel de novo protagonista, o filho segue exatamente o caminho que seus pais não queriam para ele.

(Embora a Rockstar tenha ao menos criado uma possibilidade de um final feliz com um easter egg de GTA V na forma de um livro possivelmente escrito por Jack)

É um final bem construído e montado com base em tudo o que foi estabelecido anteriormente, e que utiliza a interatividade da mídia de games de forma extremamente efetiva, seja com a última batalha de John ou o grande duelo de Jack.

Ah, e depois o jogo ganhou uma expansão com zumbis.

Ela é divertida. E, como os Pés-Grandes podem atestar, também repleto de tragédia.

Deve-se ressaltar que todo este trabalho teve um preço: muito antes da controvérsia envolvendo as condições trabalhistas em sua sequência, o projeto teve sua própria denúncia, em uma carta aberta escrita por cônjuges de desenvolvedores da Rockstar San Diego para o site Gamasutra, reclamando da carga de trabalho extensa, o ambiente hostil e a falta de segurança em termos de pagamentos, aumentos e bônus.

A carta chegou a ter repercussão, e aumentou os rumores de que o desenvolvimento do jogo sofria problemas e não gerava grande confiança, mas a Rockstar não sofreu consequências significativas - especialmente comparadas às denúncias similares no desenvolvimento de Red Dead Redemption 2, que gerou diversas matérias especiais em sites como Kotaku e Eurogamer, e parece ter sido um grande fator na saída de Dan Houser do estúdio, assim como a mudança de cultura para a pré-produção do novo GTA.

De qualquer forma, Red Dead Redemption é um feito impressionante, e mesmo uma década depois de seu lançamento mantém-se um jogo como poucos, unindo uma grande narrativa a um mundo aberto especial.