No Brasil é praticamente impossível contar a história do PlayStation 2 sem lembrar do Bomba Patch. A versão modificada de Winning Eleven e Pro Evolution Soccer ganhou o país com suas atualizações frequentes, uniformes idênticos aos da vida real e a clássica música tema.

O projeto sobrevive até hoje, disponível mesmo para os consoles mais recentes: o eFootball PES 2020 de PlayStation 4 e PC pode ser modificado por meio de um arquivo de save feito pela equipe original da Geomatrix.

O grande nome por trás do Bomba Patch é Allan Jefferson, formado em Engenharia da Computação e que se responsabiliza por atualizá-lo até hoje. Começando o pack de modificações de maneira bastante simples, ele mal imaginava as proporções que ele iria alcançar.

Uma locadora e o Memory Card

Os jogadores mais saudosistas devem lembrar que, em seus primórdios no primeiro PlayStation, Winning Eleven era um game completamente japonês - incluindo o nome dos jogadores.

Dono de uma locadora de bairro, Allan encontrou um jeito criativo de vencer a concorrência nos campeonatos de futebol virtual: “Na minha locadora, o pessoal jogava com o nome dos jogadores em português, enquanto nas concorrentes era tudo em japonês”.

Enquanto a era das locadoras ia se encerrando, Allan viu outra “ameaça” às sessões de jogatina em seu estabelecimento: as Lan Houses; que vinham crescendo juntamente do Counter-Strike, atraindo cada vez mais a clientela dos games de futebol.

A salvação veio justamente pelos mods... mas dessa vez não foi com Winning Eleven. GTA San Andreas teve versões como Tropa de Elite e Rio de Janeiro feitas pelo próprio Allan, que conseguiu chamar clientes de volta graças à exclusividade do game para PlayStation 2.

Simultaneamente, ele não havia parado de atualizar o Winning Eleven, e percebeu o problema da ausência de times brasileiros. A solução foi levemente rústica, mas satisfatória: “Fiz uma versão em que cada time estrangeiro representava um time brasileiro: Barcelona era o São Paulo, Real Madrid era o Corinthians”, e por aí se seguiu.

O uniforme e o escudo ainda eram dos clubes europeus, mas os jogadores eram todos customizados para representar os atletas brasileiros.

Até então, todas essas modificações eram feitas por Allan de uma maneira extremamente braçal: o menu de edição do Winning Eleven. As edições ficavam salvas em seu Memory Card, até ele perceber que podia otimizar o processo.

Praticidade e surgimento do nome

Quando surgiu o Brazucas [outro mod da época], eu vi que existia a possibilidade de alterar times e fazer isso pelo computador”, ele conta. Estava feito: a locadora de Allan agora poderia sediar campeonatos usando escudos e uniformes de Campeonato Brasileiro.

Ele foi testando as edições aos poucos, aprendendo por meio de fóruns e fechando os times um a um, sempre testando com seus clientes. “Quando fechei os vinte clubes da Série A, a gente fez um campeonato de estreia”, relata.

Com vinte participantes, cada um representando uma equipe, o torneio tinha como grande prêmio uma bomba de chocolate, retirado diretamente da cozinha da mãe de Allan, que era confeiteira.

Nas edições seguintes, ele investiu em outros prêmios mais modernos, como um Discman, mas o nome que estava na boca do povo já era o da Copa Bomba - o que acabou por ser a origem do nome Bomba Patch.

Popularização e financiamento

Com o tempo, o público já ia atrás de comprar o “CD do Bomba”. Em algum momento, a mídia física caiu nas mãos de algum camelô e começou a se espalhar exponencialmente.

Allan, entretanto, não fazia ideia do sucesso do seu produto, e chegou a parar de fazer as atualizações por quase um ano. Ele havia se mudado para o interior da Paraíba por conta dos estudos, e o Bomba Patch ficou para escanteio.

Visitando a cidade de Guarabira, ele encontrou uma locadora de games e ao entrar se deparou com uma versão do Bomba Patch. Allan conversou com o lojista e se revelou como o criador da modificação, gerando algum espanto misturado com empolgação.

“O cara ficou espantado: ‘Nossa, meu amigo, você tem que continuar fazendo isso. Todo dia vem gente aqui atrás da atualização do Bomba Patch, o pessoal gosta demais’”.

O computador de Allan havia ficado em São Paulo, mas isso não era um problema para o lojista, que disparou “Eu banco seus estudos para você se dedicar ao Bomba Patch”.

Sem internet para poder trabalhar em suas edições, Allan teve de conversar com o padre de uma igreja em sua cidade para conseguir uma conexão. O lugar havia sido atingido por um raio há pouco tempo, afastando os fiéis. Sob a desculpa de ser um para-raio, ele convenceu os responsáveis a instalar a antena: “O sinal conseguiu chegar até mim, e os fiéis voltaram pra igreja”.

Resolvido o impasse da internet, o patrocínio do Patch estava fechado: o dinheiro da loja servia para comprar os livros didáticos, e em troca o game estampava o logotipo do estabelecimento em suas placas de publicidade.

Identidade própria

Entre os inúmeros mods de Winning Eleven e Pro Evolution Soccer que surgiram no Brasil, o Bomba Patch se diferenciou por ter um carisma muito próprio, e um dos elementos que consolidaram o game no ideal do brasileiro certamente é a música tema.

Para quem viveu essa época, é quase impossível esquecer o “Tá ligado? É ruim de aturar!”. O 100% atualizado, inclusive, é um dos slogans do Bomba Patch até hoje.

Como quase tudo na história do mod, o jingle também tem sua própria história curiosa: “Meu primo era candidato a vereador, e eu ia com ele gravar aquelas músicas de política. Era uma fila imensa de vários vereadores gravando suas músicas”, explica Allan.

Ele perguntou ao primo se poderia gravar sua própria música e rapidamente escreveu a letra. Depois de gravar os vocais, ele pediu que fosse inserida uma batida de funk e estava pronto o hit que marcou uma geração.

O mod ainda se destaca por conta de suas capas, que inicialmente não eram feitas por Allan. Isso mudou após artes com apelo sexual começarem a ser utilizadas em camelôs para vender o Bomba Patch e, atualmente, todas as imagens de capa do mod são feitas pela equipe Geomatrix.

Comunidade forte e permanência

Após o sucesso explosivo, Allan se esforçou para que o Bomba Patch ficasse ainda mais enraizado no público brasileiro. Ele criou uma comunidade para compartilhamento de mods e novos elementos no game: “Lá tinha diversos materiais para você criar o seu patch”.

Suponha que eu já tenha feito o estádio do Maracanã, então qualquer outra pessoa não precisava fazer de novo, porque já tava criado”, explica Allan. Ele afirma que a comunidade passou dos 100 estádios criados e acumula mais de 31 narrações.

De certa forma, essa mentalidade chegou a ser oficializada pela Konami em eFootball PES 2020. O menu de edição do game conta com uma legenda bastante chamativa sugerindo que o jogador teste option files no jogo, customizando os times que não estão licenciados para ficarem iguais aos do mundo real.

Com essa oportunidade aberta, o Bomba Patch se mantém presente nas versões de PlayStation 4 e PC de PES 2020. O mod também pode ser encontrado para Xbox 360, PlayStation 3, PSP, Android e, claro, PlayStation 2.

Em outro âmbito, o Bomba Patch também pode entrar como um dos grandes responsáveis pela sobrevivência do PS2 no Brasil. Atualmente, o console ainda é o terceiro mais utilizado no país, e ter um game de futebol que se mantém 100% atualizado certamente é um fator para essa longevidade.

Com a sua 88ª versão já no horizonte, o Bomba Patch ainda promete se manter na ativa por bastante tempo. Se você tiver algum problema com o mod, é melhor ir se acostumando, porque é ruim de aturar.