O escritor Andrzej Sapkowski, criador de The Witcher, tem uma relação complicada com os games da CD Projekt e com jogos em geral: em mais de uma ocasião, o autor afirmou não se interessar por jogos e não jogar RPGs.

Mas, no passado, ele foi um grande divulgador do hobby na Polônia, e até criou seu próprio jogo, The Eye of Yrrhedes, em 1995.

Não faz muito tempo, Sapkowski afirmou que não poderia comparar os games de The Witcher com os livros ou a série da Netflix, pois ele nunca jogou nenhum. Isso parece ser verdade, ainda mais com a cizânia entre o autor e a produtora polonesa, com quem ele passou anos em batalhas legais e financeiras.

Games, talvez. Mas e RPGs de mesa?

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No passado, Sapkowski falou sobre sua relação com os RPGs de mesa, ainda tentando manter um certo distanciamento. A verdade é que The Witcher é cheio de pequenas referências e inspirações vindas de Dungeons & Dragons: enquanto bardos carismáticos e outras 'classes de personagem' são comuns em toda a literatura fantástica, halflings são uma variação dos hobbits de Tolkien criadas especificamente para o RPG mais famoso do mundo  que não podia usar os pequeninos de O Senhor dos Anéis por questões de direitos autorais.

Além dos halflings, outros detalhes da mitologia de The Witcher denotam a inspiração em Dungeons & Dragons: os dragões cromáticos, os doppelgangers de pele azulada, o convívio entre humanos, anões, gnomos, meio-elfos e outras espécies em sociedade. Não há problema nenhum com essas inspirações, pois Sapkowski pega as ideias de D&D e as adapta para seu cenário, invertendo expectativas e dando personalidade própria ao seu próprio mundo, como ao colocar os elfos como guerrilheiros terroristas nas florestas, uma visão bem diferente do típico elfo sábio e pacífico de Tolkien e D&D.

Quando questionado por fãs sobre como a magia em The Witcher funciona, ele foi curto e grosso: "Eu não faço a menor ideia, porque eu escrevo romances e não jogos de RPG. A história nunca pediu que Yennefer tivesse atributos, então eu nunca tive que me preocupar com isso".

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Wizards of the Coast/Reprodução

O escritor sempre tentou ser cauteloso com o tema. Certa vez, ele disse que "não joga RPGs e não tem tempo para isso". Hoje em dia, talvez. A vida adulta é assim, complicada, e todo mundo que tenta reunir 4 amigos para jogar num final de semana conhece essa dor.

Mas na faculdade, ele tinha bastante contato com os jogos.

Em outra entrevista, em 2001, o autor de The Witcher contou que "jogava 'Steve Jackson' com os amigos', um RPG simples que usa dados comuns", provavelmente em referência ao livrinho RPG: Aventuras Fantásticas, que adaptava as regras dos livros-jogos Fighting Fantasy de Steve Jackson e Ian Livingstone o mesmo Ian Livingstone da Crystal Dynamics e Tomb Raider, diga-se de passagem , para jogar em grupo, ou talvez sua versão mais avançada, Dungeoneer.

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Ele também disse que "conhecia AD&D, D&D e Warhammer, mas não os jogos mais recentes. Tinha um bando em Lodz [na Universidade de Lodz, onde Sapkowski estudou] que jogava muito AD&D. Eu tive contato com eles e aí decidi escrever um livro para as pessoas que não tinham como ir para a América e pagar centenas de dólares por um".

As sessões de jogo na faculdade deixaram lembranças em Sapkowski. Como na vez em que ele explicou que "é difícil convencer as pessoas de que meus livros não são Advanced Dungeons & Dragons e que eu não tenho um caderno com detalhes da história de cada personagem. Que eu não tenho uma ficha com o nome do herói (...) claro, se alguém quiser refazer meu livro para jogos de RPG, ele tem o direito de dar características especiais aos personagens: a cor dos cabelos, dos olhos ou o que ele quiser, mas eu não tenho mais interesse nisso".

O Olho de Yrrhedes

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Sim, em um momento da sua carreira como escritor, o criador de The Witcher esteve interessado em RPGs de mesa.

Quão interessado? O bastante para criar o seu próprio jogo. Intitulado Oko Yrrhedesa, ou The Eye of Yrrhedes, em inglês, o jogo foi publicado em 1995, em um módulo de 300 páginas.

"O Olho de Yrrhedes é um jogo fictício projetado para aqueles que até agora não tinham contato com esse tipo de entretenimento. Role-playing game é uma combinação de teatro, encontros e literatura. Os jogadores atuam como grandes personagens e participam de aventuras em terras imaginárias. O líder do jogo (chamado de "Game Master", ou GM) está constantemente criando realidade, e os participantes decidem suas próprias ações. Esse é um jogo de imaginação", diz a sinopse do RPG.

O livro inclui o sistema de regras, listas de magias, duas aventuras prontas e várias dicas para jogadores e para o GM. O sistema era simples e rápido de aprender, sem a necessidade de consultar muitas tabelas  uma herança dos dias jogando "Steve Jackson", sem dúvida.

Não só isso, o jogo traz muitos detalhes que os fãs de The Witcher conseguem identificar e relacionar, como citações diretas à Visema, Yennefer (com atributos e tudo, veja só) e o dragão vermelho Ocvist, que também aparece no livro A Espada do Destino.

Quando a relação azedou?

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CD Projekt RED/Divulgação

O distanciamento de Sapkowski do mundo dos jogos começou com a decisão ruim que o autor tomou quando vendeu os direitos dos games de The Witcher para a CD Projekt no começo dos anos 2000.

Na época, o escritor optou por um pagamento único ao invés de uma porcentagem das vendas. Ele não acreditava que a franquia teria muito sucesso nesta indústria - aposta que se provou bem errada, especialmente após todo o clamor ao redor de The Witcher 3: The Wild Hunt.

O ressentimento do sucesso dos jogos ser maior do que o dos livros também é algo bem comum nas suas declarações: "Eu escrevi a primeira história de Witcher 30 anos atrás. Quando eu vou aos encontros com autores, não tem ninguém na plateia perto da minha idade. Eu tenho 69 e tem crianças por todo lado. Como é que eles vão saber que meus livros não são ligados aos games? Que eu não estou escrevendo livros baseados nos jogos? Eles não sabem e a CDPR esconde a origem dos games, está escrito em letras tão miúdas que você precisa de um microscópio para ver".

Porém, quem sabe agora que o autor e a CD Projekt entraram em um novo acordo, Sapkowski faça as pazes com os jogos que o influenciaram no passado.