Lançado no Brasil nos primeiros dias de fevereiro de 2020, The Witcher TRPG (sigla para ‘tabletop rpg’, ou ‘rpg de mesa’, em português) é uma adaptação muito fiel dos games da CD Projekt RED para o RPG de mesa.

Escrito por Cody e Lisa Pondsmith, o jogo da R. Talsorian capricha na ambientação, no material de referência e traduz para os dados e fichas de personagem as mecânicas mais características dos games.

E isso é bom e ruim.

As aventuras do RPG de mesa de The Witcher se passam entre os eventos do segundo e terceiro games - Assassin of Kings e Wild Hunt,respectivamente. Nessa época, Geralt, Yennefer, Dandelion e os outros personagens principais da franquia são famosos em todo o continente. O Império de Nilfgaard está expandindo seu território pelo sul e os nortenhos ainda lutam (e perdem) contra o invasor. Monstros vagam pelos campos de batalha repletos de cadáveres, magos e espiões “duelam” em conspirações nas cortes reais e é uma ótima época para caçar monstros, já que ninguém parece ter tempo para lidar com eles.

O que chama a atenção logo de cara é a quantidade de informação que o módulo básico de The Witcher TRPG traz sobre o mundo do jogo, indo muito além do necessário para jogar na época e região proposta. É fácil usar as descrições da história e das diferentes nações e levar sua aventura para a época dos livros (e da série da Netflix) ou para o passado ainda mais distante, durante o pogrom contra os não-humanos - bruxos inclusos -, por exemplo.

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Devir/Divulgação

Ao contrário de outros RPGs de fantasia, The Witcher assume uma certa maturidade de seus jogadores: assim como o material original, o livro de regras aborda temas como sexo e racismo, usa um linguajar chulo em suas descrições - o que casa perfeitamente com a ambientação, mas pode espantar quem está acostumado com D&D e outros jogos mais “família”. É baseado em Sapkowski, não em Tolkien, é bom lembrar.

É um guia extenso, com 336 páginas, e muito bonito: tudo colorido e ricamente ilustrado. A leitura é agradável, exceto pelas muitas tabelas com jeitão de planilha de Excel. Elas são bem importantes na criação de personagem e para consulta durante o jogo, mereciam um tratamento melhor. Chama a atenção também as mecânicas de criação de armas, armaduras e itens alquímicos, que emula o sistema de diagramas e ingredientes bizarros dos games - não sei se é algo que toda mesa vai adotar, mas a busca por materiais, inclusive órgãos internos de monstros específicos - ajuda a dar profundidade para o jogo.

O mesmo vale para a criação de personagem, que envolve rolar vários antecedentes e assim, estabelecer o “background” do aventureiro, as diferentes moedas, tipos de armas e armaduras e mesmo o agressivo sistema de combate, em que é fácil não só morrer (e continuar morto. Não existem magias de Ressurreição aqui) mas perder uma perna ou braço. São mecânicas de jogo que fazem de The Witcher TRPG muito mais apropriado para longas campanhas do que para aventuras curtas de uma única tarde, pois requerem tempo para que seu impacto seja sentido pelos jogadores.

Por falar nos jogadores, The Witcher TRPG traz várias opções de personagem jogáveis. Mesmo que boa parte da fantasia gire em torno dos bruxos - e eles são, sim, os personagens mais exóticos do jogo, que é construído ao redor deles - você pode jogar com bardos, magos , homens de armas, ladrões, sacerdotes, médicos e até classes mais “exóticas”, como um artífice ou um comerciante. Senti falta de mais opções envolvendo raças exóticas, como os doppelgangers dos livros, mas fazer o que, né. É bom que o jogo não gire 100% em torno do “bruxo e seus ajudantes”. Em muitas situações, o caçador de monstros não leva vantagem alguma sobre os colegas, muito pelo contrário. Exceto em lutas contra monstros, em que os bruxos contam com vários benefícios, as outras classes são capazes de se virar muito bem.

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O jogo simula muito bem os sistemas de magia vistos no videogame, tanto com os Sinais dos bruxos quanto as magias mais poderosas das feiticeiras, os poderes da fé e rituais poderosos. Também traz combates bastante letais, ainda que demorados - é preciso computar vários modificadores em cada jogada, desde melhorias nas armas até diferentes peças de armadura, etc - e sem um PC ou console fazendo o trabalho pesado, essa atividade pode tomar mais tempo do que o grupo gostaria.

Não que a resolução de conflitos seja complicada, muito pelo contrário: lutas e testes se resolvem com poucas rolagens de dados, mas o cálculo dos modificadores e a checagem de tabelas e mais tabelas tornam essas tarefas mais demoradas do que deveriam, o que acaba por interromper o ritmo da partida - um escudo do mestre com as principais tabelas do jogo existe, mas ainda não está disponível em português. Combates não devem ser frequentes em The Witcher TRPG, mas mesmo suas poucas rodadas tomam muito tempo na mesa - ótimo para quem gosta de batalhas táticas, com aquele gosto de “wargame”, mas nem tanto para quem prefere uma aventura mais narrativa.

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Devir/Divulgação

O guia traz também um bestiário razoavelmente completo, com vários dos inimigos típicos que costumam aparecer nas aventuras de The Witcher, assim como monstros mais poderosos. Também estão inclusas as fichas de personagem de Geralt, Jaskier/Dandelion, Yennefer e outros NPCs importantes da franquia - que, na época em que o jogo é ambientado, são famosos em todo o continente. Pena ter deixado de fora Ciri e os cavaleiros da Caçada Selvagem, de The Witcher 3. Fica a esperança por uma futura expansão - mas que poderia sim estar presente neste guia básico.

The Witcher TRPG é um jogo que existe para servir a um cenário bem específico de espada e feitiçaria, em que a ambientação de fantasia sombria e tramas envolvendo guerras, espionagem e conspiração se misturam ao imaginário típico de D&D, que permite aos fãs de Geralt e companhia experimentar esse mundo de uma forma diferente da literatura, da TV e mesmo dos videogames - além de servir como uma bela obra de referência.

Nota do crítico