Resident Evil - Code: Veronica é considerado por muitos fãs como um dos melhores jogos da saga de horror de sobrevivência da Capcom. O título se consagra facilmente entre diversas listas de favoritos, seja na temática da era clássica de Resident Evil, ou ainda, um apanhado dos melhores games do Sega Dreamcast.

Isso porque o quarto jogo da franquia  em ordem de lançamento, não de numeração  foi lançado primeiro no último console da Sega, em 3 de fevereiro de 2000. O game chegou tímido, fazendo pouco barulho na indústria - muito por conta de sua exclusividade -, apesar de seu conteúdo ser de alta qualidade.

Eis que 20 depois, o game protagoniza debates acalorados internet afora, onde a comunidade coloca em cheque sua importância em detrimento de um “remake”. Afinal, depois das reimaginações de Resident Evil 2 (2019) e Resident Evil 3 (2020), o próximo da lista seria, em teoria, Code: Veronica, certo?

... Certo?

Bom, talvez.

Sem número, mas relevante

Como já destrinchado por aqui no The Enemy em artigos e vídeos anteriores, Resident Evil - Code: Veronica foi concebido inicialmente para ser o terceiro jogo numerado da série. Contudo, vale apontar que ainda antes disso, houve uma tentativa de port de Resident Evil 2 (1998) para Sega Saturn.

O projeto não deu certo, pois Shinji Mikami, o criador e (na época) supervisor da franquia constatou que o game perderia muita qualidade no processo de port. Por isso, foi sugerido que criasse algo diferente para a Sega.

Foi assim que Code: Veronica nasceu, sendo uma continuação direta do segundo game, com uma narrativa que daria sequência aos eventos de Raccoon City em RE2, novamente sob a perspectiva de Claire Redfield.

Por questões contratuais com a Sony, porém, o que hoje conhecemos como Resident Evil 3: Nemesis (1999)  como o próprio título bem sugere acabou se tornando o terceiro game numerado da franquia.

Por que? A questão é que a Capcom havia “prometido”, por assim dizer, que desenvolveria 3 jogos da série para o PlayStation. Por conta disso, não haveria como o terceiro jogo numerado ser lançado em outro videogame naquela época.

A trilogia original de Resident Evil, portanto, nasceu no primeiro PlayStation, mas depois foi lançada em outras plataformas. De toda forma, com os três jogos clássicos estabelecidos Code: Veronica foi, digamos, assim “rotulado” a princípio como um spin-off, sendo então “rebaixado”  no sentido de não “ganhar” um número no título, já que ele termos de cânone, ele é tão importante quanto seus antecessores.

Quanto às vendas, o quarto game da série também vendeu pouco quando estreou no Dreamcast, se comparado com os demais jogos. Felizmente, a Capcom soube dar a volta por cima, lançando uma versão atualizada de Code: Veronica tanto para o console da Sega quanto para o PlayStation 2. Posteriormente, o game também chegou a outras plataformas.

Intitulada Resident Evil - Code: Veronica X, esta versão revisada tinha novas cutscenes que expandiam a história do game  o que poderia ser considerado como um dos primeiros casos de DLC da franquia? Talvez, apesar de as versões Director’s Cut e Dual Shock de Resident Evil (1996) serem, de uma certa forma, algo do gênero.

Um milagre da terceirização

A existência de Code: Veronica é quase um milagre em termos de produção. Afinal, na época a Capcom estava comprometida com o desenvolvimento de RE3 e sua entrega dentro do curtíssimo prazo (de um ano) para a Sony. Por conta disso, muitos dos recursos e das pessoas da produtora estavam ocupadas.

Imagem de Resident Evil - Code: Veronica
Capcom/Reprodução

Para entregar o quarto jogo da saga em tempo hábil no Dreamcast, a Capcom terceirizou quase toda a produção de Code: Veronica. Além da Capcom Production Studio 4 cuidando da direção de arte e do design dos personagens, a Flagship, o estúdio independente fundado pela produtora, também esteve envolvida na direção e na ambientalização do game sob supervisão de Yoshiki Okamoto (que mais tarde, veio a trabalhar na adaptação live-action Resident Evil - O Hóspede Maldito e em sua sequência, Resident Evil: Apocalypse).

A XAX Entertainment, por sua vez, auxiliou nos cenários, e a Nextech ficou a cargo do desenvolvimento técnico. Por fim, a própria Sega também ajudou, enviando alguns de seus desenvolvedores para auxiliar a Capcom com a programação e com a estabilização de quadros por segundo.

Curiosamente, as equipes eram bem coordenadas dentro do projeto: Mikami-san pedia aos interessados em combate e armas que focassem apenas no design e programação desses elementos; enquanto que os interessados em ambientes eram enviados para fotografar casas e castelos, de modo a enriquecer as referências de suas pesquisas, tornando toda a experiência visual a mais crível possível.

O resultado de tantas cabeças de diferentes empresas trabalhando juntas, felizmente, ficou além do esperado. Para a época, Code: Veronica era o mais bonito e consistente jogo da franquia, misturando perfeitamente ação e terror, além de trazer temáticas ainda mais sombrias e uma trilha sonora orquestrada memorável. Em contrapartida, sua jogabilidade não trazia inovações absurdas.

Evolução natural?

No que tange a jogabilidade e suas mecânicas, Code: Veronica trazia poucas novidades. Seu estilo era bastante semelhante aos títulos anteriores, com o já clássico controle “tank” e ainda implementava o giro em 180º, que fez sua estreia em RE3.

Ainda assim, o game tinha suas cartas na manga em outros aspectos.

Em Code: Veronica era possível examinar os itens no inventário, rotacionando-os para desvendar seus segredos (como a chave escondida embaixo do vaso, por exemplo). Além disso, a versão de Dreamcast tinha como exclusividade os status dos personagens aparecendo no visor do Visual Memory Unit (VMU), o memory card do console da Sega.

Imagem de Resident Evil - Code: Veronica
Capcom/Reprodução

De maneira semelhante ao que a barra de luz do joystick do PlayStation 4 faz hoje em dia, mostrando o status dos personagens em Resident Evil 7: Biohazard com diferentes cores (verde para bem, amarelo/laranja para cuidado e vermelho para estado crítico); o VMU do Dreamcast exibia o rosto do personagem controlado em pixels e ainda mostrava as ondas cardíacas, da mesma forma que o menu do jogo. 

Outra novidade era a perspectiva dinâmica. Sim, Code: Veronica ainda tinha visão estática, mas isso não se aplicava a 100% do jogo. Aqui, em muitos cenários, a câmera acompanhava os personagens conforme eles se movimentavam. 

Em termos técnicos, o quarto game da saga também impressiona. Foi o primeiro com luminosidade dinâmica (a luz e a sombra acompanhava os objetos dependendo do ângulo), e nas animações in-game os personagens realmente exibiam expressões realistas, além de mexerem a boca durante os diálogos.

Claro, vale apontar que essas melhorias todas são consequências positivas do processo de captura de movimentos (abreviado como mocap) usado nos bastidores do game, com Reuben Langdon emprestando seu corpo e suas ações para Chris Redfield dentro do jogo, por exemplo.

Apesar de não parecer, para a época esses recursos gráficos foram uma tremenda inovação. Até mesmo as mãos dos personagem eram bem desenhadas: era possível enxergar cada um dos dedos. Em muitos outros jogos, os punhos dos bonecos eram todos colados, quase como uma espécie de tijolo, devido à limitação técnica.

E se você acha que a atenção aos detalhes dos zumbis de RE2 (2019) foi uma tremenda novidade, nem imagina que em Code: Veronica, os monstros já tinham recebido um baita tratamento em suas expressões monstruosas: as mandíbulas balançavam, por exemplo, e os olhos das criaturas reviravam. Uau!

Por último, mas não menos importante, vale apontar que Code: Veronica também vinha acompanhado de 2 CDs. Não por menos, afinal, o game era o mais longo da saga até então, com jogatinas intensas repletas de longos (e cansativos) backtrackings.

Imagem de Resident Evil - Code: Veronica
Capcom/Reprodução

Nuances do terror gótico europeu

Code: Veronica também traz na bagagem uma das histórias mais fechadas e cativantes da saga. O game tem início em dezembro de 1998, três meses depois do incidente em Raccoon City. Continuamos controlando Claire, desta vez mais experiente, em sua busca pelo irmão, Chris. Sua investigação a leva até um dos quartéis-generais da Umbrella Corporation, na Europa.

A heroína primeiramente invade a base em uma abertura recheada de ação bastante inspirada pelos longa-metragens de John Woo, segundo Mikami-san em uma entrevista; e que, curiosamente, mais tarde inspirou uma sequência bem similar no segundo filme live-action, protagonizado por Milla Jovovich.

Voltando ao game: todavia, Claire é capturada. Quando acorda, ela está em uma ilha na América do Sul, chamada de Rockfort Island, que serve como base para a Umbrella. O local acabou de ser atacado e o vírus que a corporação produziu se espalhou, transformando todos em mortos-vivos.

Todo esse plot, entretanto, é apenas a ponta do iceberg. Afinal, um dos recursos de narrativa que Code: Veronica utiliza muito bem é o de apresentar os elementos de roteiro um a um, executando-os e deixando que o jogador consiga digerir tudo o que for importante, para então mostrar no que exatamente esses elementos se desdobram e quais são suas consequências.

(Parece até óbvio que a narrativa se desenrole assim, mas não é o caso em muitas obras de entretenimento, onde os personagens e acontecimentos são apresentados de uma vez ou em uma ordem confusa - o que não quer dizer que a experiência é ruim, apenas mais complexa de entender. Deixo como exemplo Metal Gear Solid, Bayonetta e Uncharted 2: Among Thieves.)

Em Code: Veronica, as maiores temáticas são a família e o legado. Vemos a narrativa pelos olhos dos irmãos Redfield, mas também entendemos e nos sensibilizamos com a tragédia que abateu a família do coadjuvante Steve Burnside e, principalmente, a loucura e a herança dos gêmeos Alfred e Alexia, os nobres vilões da família Ashford (um dos três nomes fundadores da Umbrella, algo que até então não havia sido explorado na saga).

Imagem de Resident Evil - Code: Veronica
Capcom/Reprodução

O quarto game também tem uma ambientação e direção (artística e narrativa) enraizada no terror gótico europeu, refletido nas arquiteturas dos cenários, nos personagens melodramáticos e nos aspectos sobre o poderio político e militar (alemão); ou ainda no próprio enredo, que segue a psicologia do terror e mostra o fatídico destino de uma linhagem aristocrática e toda a insanidade por trás de sua condenada ascensão. 

Até mesmo a trilha sonora prenuncia a narrativa através de uma canção de ninar, e vai evoluindo dentro da narrativa até chegar ao seu grande clímax: uma suntuosa ópera. Dentro da história são encontradas ainda inspirações notáveis nos trabalhos de Alfred Hitchcock, em especial, Psicose.

Por fim, vale ainda apontar como o roteiro brinca com tropos comuns dos jogos anteriores: Code: Veronica tem pelo menos dois finais dentro da mesma história, ambas com direito a uma explosão em cada parte (na Rockfort Island e depois na Antarctic Base), além do retorno de um personagem que, até então, tinha um destino indefinido - Albert Wesker, que a partir daqui, ascende como o principal antagonista.

E o remake?

Com a onda de Remakes de Resident Evil - e possíveis reimaginações de outras franquias clássicas da produtora, segundo rumores - será que existe espaço para um remake de Code: Veronica? Muitos argumentam que sim, mas o jogo ainda hoje é um tanto deixado de lado - e o principal motivo é a ausência de um número em seu título.

É comum ver os fãs pedindo por um remake de Resident Evil 4, afinal, se RE1, RE2 e RE3 ganharam suas respectivas reimaginações, para essas pessoas o próximo naturalmente seria o quarto game numerado, certo? Mas… e Code: Veronica?

Com toda a sua importância e favoritismo dentro da comunidade, o quarto título em ordem de lançamento certamente merece seu lugar ao Sol também. 

Imagem de Resident Evil - Code: Veronica
Capcom/Reprodução

Muitos dos elementos que ele apresentou reverberam ainda hoje na franquia: em termos técnicos, a perspectiva sobre o ombro de RE4 é uma evolução natural da câmera dinâmica de Code: Veronica; o processo de mocap usado para as animações e expressões dos personagens também foi levado adiante e aprimorado; e a iluminação e sombreamento inteligente de objetos obviamente também melhoraram graças aos avanços da tecnologia.

Ainda vale citar o gerenciamento de objetos no inventário e os status dos personagens mostrados na barra de luz do joystick do PS4 como uma evolução natural do VMU do Dreamcast, como já citado anteriormente neste texto.

E em termos de mitologia, temos também o vírus t-Veronica usado no enredo de Resident Evil 6, além do próprio retorno e antagonismo de Wesker; e as organizações que agem nas sombras em busca de amostras de agentes mutagênicos, como o Hive-Host Capture Force (ou H.C.F.), que tornou a ser mencionado em RE7.

Com todo este legado, é seguro afirmar que Resident Evil - Code: Veronica, sim, também merece seu próprio remake, ao lado de outras reimaginações da Capcom. Agora, se ou quando isso acontecerá, só o tempo dirá...