Por anos, Bully 2 foi fonte de perguntas, rumores e dúvidas por parte da mídia e de fãs dos jogos da Rockstar Games, questionado os motivos pelos quais, mais de 15 anos depois, uma sequência das desventuras de Jimmy Hopkins nunca viu a luz do dia.

Em 2019, o site VGC havia reportado que uma sequência de Bully já esteve em desenvolvimento entre por volta de 2010 e 2013. Agora, a Game Informer publicou uma reportagem se aprofundando sobre o conturbado projeto, sendo que muitas de suas ideias e tecnologias acabaram servindo outros jogos da companhia.

Bully 2 teve seu desenvolvimento conduzido majoritariamente pelo estúdio Rockstar New England, originalmente uma produtora independente conhecida como Mad Doc Software, adquirida pouco após desenvolver Bully: Scholarship Edition para PC e Xbox 360.

De acordo com a reportagem, nenhum motivo específico foi dado para porque a desenvolvedora recém-adquirida ficou responsável pela sequência, mas entrevistados suspeitam que a ideia era de que a nova equipe provasse seu valor na estrutura interna da Rockstar.

"Isso é algo bem comum do - vou me referir a eles como 'Nova York' - o escritório de Nova York meio que pede de qualquer novo estúdio da Rockstar, para quem prove que valeu o investimento", explicou um ex-desenvolvedor do projeto.

Bully: Scholarship Edition
Rockstar Games/Divulgação

Inicialmente, os veteranos da Mad Doc viram a aquisição com bons olhos, especialmente devido ao prestígio ligado com a Rockstar Games e seus jogos.

"Foi tipo 'Ei, a Rockstar!'", declarou o artista de 3D Tim Samuels. "Quero dizer, esses caras eram AAA. Eles são o número 1, no topo [...] Nós só seguimos em frente e começamos a trabalhar."

"[...] você diz 'Eu trabalho na Rockstar' e as pessoas ficavam maravilhadas com isso", diz outro antigo desenvolvedor. "Era bom ter algum prestígio pelo trabalho. Sabe? Estava animado em trabalhar em qualquer coisa que tivessem, porque a maior parte dos games que eles soltaram eram impressionantes."

Logo, porém, ficou claro que a equipe teria que se adaptar à cultura de crunch extremo dentro da Rockstar, que ainda não havia sido tão amplamente reportado como em 2010 no primeiro Red Dead Redemption, ou ainda mais criticado e relatado em 2018 com Red Dead Redemption 2.

Bully: Scholarship Edition
Rockstar Games/Divulgação

"Não me entenda mal - durante a desenvolvimento de Empire Earth 3 havia crunch [na Mad Doc], mas lidavam de forma melhor", explica um dos entrevistados. "Havia dias para compensar. Ninguém estava com um chicote por cima das nossas cabeças."

"Um dos primeiros sinais de perigo foi quando alguém falou sobre horários e fins de semana e coisas do tipo", continuou o desenvolvedor. "A resposta de Jeronimo [Barrera, então vice-presidente de desenvolvimento da Rockstar Games] foi algo no nível de 'Bom, eu não trabalho todos os fins de semana'. Ele disse algo como 'Por exemplo, não estou trabalhando neste sábado'. A ênfase na palavra 'todo' e depois 'neste' tiveram um efeito um pouco perturbador."

Para se provar nesse novo ambiente, a Rockstar New England aparentemente planejava algo bem ambicioso para o mundo de Bully 2, trazendo não necessariamente o mundo aberto mais expansivo - fontes da reportagem indicam que o mapa poderia o tamanho de GTA: Vice City, ou até três vezes a dimensão do primeiro Bully -, mas com uma densidade significativa, sendo possível entrar em todas as casas e prédios do jogo.

"Se você visse, você poderia entrar", explica um ex-desenvolvedor.

"[O jogador] não ia dirigir um carro para lugar nenhum, por isso o espaço total de jogo [e] terreno definitivamente seria menor", diz outra pessoa envolvida com o projeto. "Em geral por ser uma criança - ele não vai estar dirigindo - e também porque queríamos esses sistemas muito complexos. Tipo, se você pode entrar em qualquer prédio, isso requer muito trabalho. Nós preferíamos não ter um mundo gigantesco; talvez diminuir um pouco para garantir que tenhamos todas essas coisas significativas lá dentro."

Planos para o projeto contavam com desde mecânicas de escalada particularmente complexas, um sistema de fragmentação de vidro, e um sistema de ação e consequência mais complexo, em que certos NPCs seriam capazes de reconhecer Jimmy após vê-lo fazendo alguma coisa certa ou errada.

"Queríamos muito garantir que as pessoas lembrassem do que você fez, por isso se você fez alguma travessura com seu vizinho, ele se lembraria" explica um desenvolvedor. "Que suas ações tivessem mais significado além do raio de 20 pé e a memória de cinco segundos dos NPCs próximos a você."

Bully: Scholarship Edition
Rockstar Games/Divulgação

O jogo também teria muita inspiração tanto em filmes infanto-juvenis, como Os Goonies, quanto em comédias mais sexuais da época, com Porky's sendo citado como exemplo.

De acordo com fontes, o game chegou a contar com um "vertical slice", uma demonstração funcional dos principais elementos do jogo, com alguns entrevistados relatando o mapeamento do mundo e até a programação de atividades do dia a dia dos NPCs.

"O jogo tinha pelo menos de seis a oito horas jogáveis", diz Marc Anthony Rodriguez, líder de projeto em Bully: Scholarship Edition e antigo analista no QG da Rockstar, em Nova York. "Portanto, totalmente renderizado, totalmente realizado."

"Isso parece certo para o tamanho de vertical slice que projetos da Rockstar tinham por volta dessa época", diz outra fonte.

A Game Informer indica que, em certo momento, entre 50 e 70 pessoas - essencialmente a equipe inteira da Rockstar New England - estavam envolvidas no desenvolvimento do jogo, mas que ainda levaria de dois a três anos para completá-lo.

Infelizmente, de acordo com a reportagem, outros projetos tomaram precedência em relação a esta versão de Bully 2, especificamente Max Payne 3 e o primeiro Red Dead Redemption.

Deste ponto em diante, de acordo com os entrevistados, a rotina no estúdio tornou-se bem menos atrativa, com ciclos de crunch que duravam meses, em que era necessário trabalhar por 12 a 16 horas até nos fins de semana.

Não só isso, a cultura do estúdio original acabou sendo suplantada pela da Rockstar como um todo, que não só encorajava longas horas, como ridicularizava quem saia mais cedo, além das confraternizações comparadas a fraternidades de universidades norte-americanas.

"Há uma idade e um tipo de pessoa que é atraído por isso. A Rockstar, na minha opinião, é bem ciente disso", disse um ex-desenvolvedor.

Isso levou vários dos trabalhadores do estúdio a se demitirem. Outros foram vítimas de uma onda de demissões da empresa.

Bully: Scholarship Edition
Rockstar Games/Divulgação

No fim, com outras responsabilidades, o projeto de Bully 2 parece ter sido simplesmente deixado de lado em favor de outros games no catálogo da Rockstar.

Algumas de suas ideias e conceitos, porém, encontraram novo lar dentro de outros jogos do estúdio, como a tecnologia de fragmentação de vidro em Max Payne 3, e (ao menos de acordo com fontes) o sistema de moralidade em Red Dead Redemption 2, em que as atitudes de Arthur Morgan refletem no nível de honra, e certos NPCs que tem uma memória mais longa sobre seus crimes em potencial.

Oficialmente, a Rockstar nunca confirmou uma versão em desenvolvimento de Bully 2, mas de tempos em tempos figuras dentro da companhia citavam interesse em desenvolver o projeto, como em 2013 com o cofundador Dan Houser (que já não está mais na empresa).

E, com o ritmo de lançamentos da produtora ficando cada vez menor, ao ponto de ainda não termos ideia de quando GTA 6 será realidade, as chances de Bully 2 sair da gaveta é uma incógnita.

"Ia ser muito legal", diz um ex-desenvolvedor sobre o projeto da Rockstar New England. "O que tínhamos era bem impressionante, especialmente considerando o tempo muito curto que tivemos trabalhando nele. [...] Ele certamente seria bem único, bem interessante, certamente bem divertido. Muitas mecânicas legais e interessantes em que estávamos trabalhando ainda não estão em outros jogos."

"Ainda é um conceito, na minha opinião, que vale explorar", diz outro desenvolvedor. "E acho que seria uma oportunidade perdida caso eles a abandonem para sempre."