Life is Strange 2 termina com um capítulo que é a síntese do que é positivo em todos os outros capítulos: a relação entre os irmãos Sean e Daniel é a grande protagonista de Wolves, o quinto e último episódio da série, que deve apertar o coração dos jogadores independente do final que escolherem. Antes de começar o Review, fica o aviso de pequenos spoilers dos outro quatro capítulos - nada gigantesco, mas algumas temáticas e revelações são mencionadas.

Recapitulando: os irmãos Diaz precisam fugir de Seattle, sua cidade natal após um terrível acidente envolvendo seu pai e um policial. Ambos passam pela casa de seus avós maternos, por uma fazenda clandestina de maconha e por um culto religioso fanático até chegarem no quinto episódio, onde a ilusão de paz é ameaçada pela polícia no encalço dos garotos.

Acima de tudo, Life is Strange 2 sempre foi um jogo sobre a família. A beleza da relação entre os protagonistas é o que sustenta a lentidão do primeiro capítulo, e o que mais faz falta no segundo e no quarto. Em Wolves, esse laço é levado às últimas consequências, colocando à prova toda a construção de caráter que o jogador realizou durante sua jogatina.

Mais próximos do que nunca, Sean e Daniel estão morando com sua mãe, Karen, em uma espécie de vilarejo nos confins do Arizona. Chamada simplesmente de Away pelos moradores, a comunidade é o maior porto seguro encontrado pelos irmãos até agora; lá, eles criam novas amizades e podem passar um mês sem grandes preocupações.

Ainda assim, as desventuras dos garotos cobram seu preço, e ambos precisam seguir caminho para Puerto Lobos, cidade natal de seu pai e o destino final de sua aventura iniciado no primeiro capítulo.

Questões sociais

A Dontnod, desenvolvedora de Life is Strange, já deixou bem clara seu posicionamento quanto a pautas sociais. O primeiro jogo, afinal de contas, trata abertamente de um relacionamento LGBT. Tell Me Why, seu próximo título, trará um personagem transgênero, e assim em diante.

É óbvio que Life is Strange 2 não é diferente nesse aspecto: de maneira quase que crescente durante os episódios, o game aborda sexualidade, racismo e xenofobia de maneiras que são, ao mesmo tempo, sutis e impactantes. A ascendência latina dos irmãos Diaz é problematizada no quarto e quinto capítulo, e relacionamentos LGBT são abordados de diferentes maneiras em algumas ocasiões.

A aproximação a essas problemáticas se torna extremamente efetiva pois o jogador encarna Sean. Ele é o responsável por todos os passos do personagem, e ser colocado em situações de racismo transmite com fidelidade a impotência e frustração que o protagonista sente.

Corrigindo seu maior erro

Se o laço fraternal dos Diaz é o grande brilho da série, a sombra que tenta ofuscá-la é a construção de Daniel, o irmão mais novo, como personagem. O garoto de 9 anos mantém a atitude de uma criança mal educada em todos os quatro episódios, mesmo passando por situações extremamente difíceis e que deveriam ser grande influência na construção de seu caráter.

A teimosia de não confiar em Sean no quarto episódio é o grande ápice desse problema e, no fim das contas, é o que gera toda a problemática daquele capítulo. Caso o caçula tivesse amadurecido como deveria, o capítulo nem precisaria existir.

A impressão é de que a Dontond precisava de uma maneira conveniente de apresentar Karen, a mãe dos garotos, e o conflito com o culto religioso serve como uma ferramenta para que isso aconteça. Infelizmente, esse recurso não convence tanto, e o episódio Faith tem ares de um quase filler na saga dos irmãos.

Depois de literalmente causar um incêndio por sua atitude de criança mimada, Daniel finalmente tem seu caráter amadurecido em Wolves. A convivência maior em sociedade e até mesmo a maneira com que o garoto lida com um relacionamento LGBT em Away mostram que ele é uma criança totalmente diferente do último episódio.

No final que obtive, esse crescimento do personagem atinge seu ápice de maneira quase épica. As decisões tomadas pelo irmão mais novo no end game parecem totalmente coerentes com aquilo que o ensinei ao longo dos episódios. Ainda assim, a brusquidão com que isso acontece colocam uma pulga atrás da orelha - será que esse processo de amadurecer não poderia ter sido mais suave?

Os finais

É praticamente impossível terminar Life is Strange 2 sem se interessar pelos outros finais que o jogo pode oferecer. Tentando evitar grandes spoilers, limito-me a dizer que os encerramentos para a jornada dos irmãos são construídos até mesmo nas menores escolhas do game, como em diálogos que parecem insignificantes.

Claro, as decisões mais importantes possuem um peso maior, mas até mesmo os resultados delas passam pelo fio condutor das conversas simples que Sean tem com seu irmão e outros personagens.

No fim das contas, esse é o maior mérito da Dontnod na segunda iteração de Life is Strange. A desenvolvedora consegue transmitir de maneira eficiente que as escolhas do jogador realmente tiveram um grande impacto em como a história avança.

Se formos comparar com Man of Medan, outro título baseado em escolhas lançado em 2019, a diferença é nítida: o jogo de terror foca seus desvios narrativos nas decisões mais importantes; a construção do caráter e do relacionamento entre os personagen tem um peso muito menor do que em Life is Strange 2.

Depois de sofrer com dois episódios bastante sem sal e com a longa demora entre suas publicações, Life is Strange 2 termina com o melhor episódio do game. Corrigindo de maneira brusca o seu maior defeito, o grande demérito do jogo é ter demorado tanto para perceber o que poderia melhorar na história de Sean e Daniel Diaz.

Nota do crítico