The Witcher 3: Wild Hunt foi lançado cinco anos atrás, em 19 de maio de 2015, mas a aventura que culminou em seu lançamento começou muito antes, em meados dos anos 1990, quando Marcin Iwinski e Michal Kicinski ainda estavam no colegial, em Varsóvia, na Polônia. Até chegar no sucesso de Wild Hunt, eles tiveram sua cota de sucessos e roubadas, enquanto redefiniam o mercado e a indústria polonesa de videogames.

Diferente do que acontece com muitas companhias da área, a CD Projekt mantém um registro documental de sua história, desde os primeiros dias. Através dele, sabemos que a dupla se conheceu por acaso. Iwinski conta que entrou na sala de aula e havia uma carteira vazia, ao lado de Kicinski. Os dois colegas logo descobriram a paixão em comum por videogames e pelos livros de Andrzej Sapkowski, que eles "consumiam vorazmente" nos anos de escola e da faculdade.

"Nós matavamos aula para jogar e nos tornamos parceiros. Decidimos montar uma empresa. Era um momento de mudanças, quando os primeiros lançamentos em CD-ROM estavam ficando populares", conta Iwinski no site da CD Projekt. Eles decidiram importar alguns games de PC e vender no bazar de Varsóvia.

Fundadores da CD Projekt no estande da publisher na feira Gambleriada, em Varsóvia, em 1997

Fundadores da CD Projekt no estande da publisher na feira Gambleriada, em Varsóvia, em 1997. "Nos arrumávamos porque éramos muito jovens e queriamos parecer sérios", contou Iwinski em entrevista ao Eurogamer em 2013.

CD Projekt/Divulgação

O bazar de computadores na rua Grzybowska, em Varsóvia, era como a Rua Santa Efigênia em São Paulo, um lugar apinhado de lojinhas, ambulantes e geeks em busca de produtos que, na época, não eram fáceis de se conseguir no país. A dupla marcava presença por ali, com Michal cuidando das vendas e Marcin dos contatos para as compras internacionais.

Foi em 1994 que eles fundaram a CD Projekt ("Projeto CD") para importar jogos em CD-ROM dos Estados Unidos. Michal e Marcin tinham 21 anos. Adam Kicinski, irmão de Michal, enviava CDs pelo correio para clientes em outras cidades da Polônia.

Na época, eles ainda estavam com uma lojinha no tal bazar, mas isso logo mudaria: a CD Projekt assinou um contrato de distribuição com a American Laser Games, seguido por outros com Acclaim, Blizzard, Blue Byte, Interplay e Psygnosis. Dois anos depois, em 1996, a CD Projekt era a primeira distribuidora a publicar games em caixinhas em polonês, e com manuais em polonês. A reação dos consumidores foi muito positiva e deixou claro qual seria o próximo passo: localizar os jogos para o idioma local.

Como bem sabem os jogadores brasileiros, jogar um lançamento no seu idioma faz toda a diferença. Na Polônia não era diferente. A CD Projekt fez isso com jogos menores, localizando Pink Panther e Ace Ventura, mas seu grande desafio estava pela frente: Baldur's Gate, da Interplay.

Era um RPG extenso, com muitas linhas de diálogo. A própria Interpaly duvidada que o custo da localização se pagasse com as vendas. A CD Projekt assinou um contrato que livrava a publisher de arcar com qualquer prejuízo que o jogo tivesse. E assim, em 1999, a publisher polonesa começou a trabalhar na localização de Baldur's Gate, maior projeto do tipo feito no país até aquele momento.

Foram contratados 10 tradutores e mais de 20 atores para dublar as centenas de páginas de diálogos do game. As conversas de fundo em ambientes como o mercado foram regravadas. Além disso, a CD Projekt investiu em um manual robusto, com capa dura, que lembrava os livros de Dungeons & Dragons, completo, com mapa e tudo.

A versão polonesa de Baldur's Gate vendeu 100 mil cópias, um recorde para a distribuidora, e provou que os jogadores do país - acostumados a comprar jogos piratas ou mesmo baixá-los de graça em sites de torrent - estavam dispostos a pagar por jogos, desde que o produto tivesse qualidade suficiente.

Equipe da CD Projekt despachando dezenas de cópias de Baldur's Gate, primeira grande localização da empresa na Polônia.

Equipe da CD Projekt despachando dezenas de cópias de Baldur's Gate, primeira grande localização da empresa na Polônia.

CD Projekt/Divulgação

"Tivemos que alugar um armazém. As pessoas faziam fila para comprar o jogo e revendedores brigavam pelo produto. Só no primeiro dia, vendemos 18 mil cópias. Tinha dinheiro por todo lado. Foi um dia legal", relembra Iwikski.

O sucesso de Baldur's Gate abriu caminho para outros acordos de distribuição e localização, como Diablo II e Baldu's Gate II. Em pouco tempo, a empresa se tornou a distribuidora oficial da Atari, Cryo, Konami, Microsoft e Sega, entre outras marcas. Também foi nessa época que eles garantiram a exclusividade na distribuição polonesa de jogos da Ubisoft para os consoles PlayStation e PlayStation 2.

Em 2002, com a experiência adquirida na localização de jogos e o capital arrecadado com as vendas, Marcin e Michal fundaram o estúdio CD Projekt Red, para buscar um objetivo mais ambicioso: produzir seus próprios games. Foi quando Sebastian Zieliński e Adam Badowski entraram para o time.

"Sempre quizemos fazer nosso próprio jogo. Quando visitavamos feiras em Londres e nos EUA, conhecemos Ray Muzyka e Greg Zeschuck [os fundadores da BioWare]. Conversamos muito também com David Perry, da Shiny Entertainemnt. Sabíamos que pertencíamos àquele mundo", disse Iwiksnki sobre o desejo de produzir jogos.

Essa mudança não foi tão simples quanto pode parecer, e para cada grande sucesso, a CD Projekt RED se meteu em roubadas, fiascos e teve que cancelar projetos. Esses fracassos serviram de lição para o futuro e ajudaram a definir o rumo que a produtora tomaria.

Crédito: The Witcher/Divulgação

O estúdio trabalhou com a Interplay na adaptação de Baldur's Gate: Dark Alliance de console para PC, que acabou cancelada por problemas financeiros da Interplay. A experiência ganha com o projeto levou a produtora a começar a desenvolver seu primeiro game original, o RPG The Witcher.

"Alguém sugeriu fazermos algo com 'The Witcher'. Era nosso grande retorno aos livros de Andrzej Sapkowski. Quando descobrimos que os direitos para explorar a franquia em games estavam à venda, sentimos como se tivessemos ganho na loteria", disse Marcin Iwinski.

De fato, os direitos de The Witcher foram negociados por um valor fechado, por opção do autor, que não acreditava no potencial dos jogos - Sapkowski passaria anos se queixando e brigando na justiça por causa dessa negociação. Só no final de 2019 a CD Projekt e o criador de Geralt e Ciri chegaram a um novo entendimento.

O primeiro The Witcher foi o jogo mais caro feito na Polônia até aquele momento. O projeto custou 20 milhões de Zlotys (pouco mais de US$ 4,7 milhões), usou o motor gráfico Aurora, da BioWare, levou cinco anos para ficar pronto e envolveu mais de 100 pessoas em seu desenvolvimento. Entre os nomes que participaram do projeto estão o diretor Tomasz Baginski, indicado ao Oscar pelo curta de animação Katedra, e a banda de heavy metal Vader.

Antes de assumir o estilo que os fãs conhecem, como um RPG de ação em terceira pessoa, o primeiro game teve um protótipo mais parecido com Diablo e Baldur's Gate, franquias com as quais a CD Projekt RED já tinha alguma experiência.

Lançado em 2007 apenas para PC, o primeiro The Witcher foi um sucesso comercial, vendendo 35 mil cópias no mercado polonês nos primeiros três dias. Anos depois o jogo ganhou uma versão para Mac. Desde o lançamento, The Witcher recebeu mais de 100 premiações internacionais.

Uma versão para os consoles PlayStation 3 e Xbox 360, intitulada Rise of the White Wolf, foi negociada com a Atari. A adaptação seria desenvolvida pela CD Projekt RED em parceria com a francesa Widescreen Games e teria um novo motor gráfico e um sistema de combate mais adequado aos controles dos consoles. A parceria com a Widescreen foi bastante tumultuada e terminou com o cancelamento de Rise of the White Wolf em 2009.

Enquanto o estúdio crescia, a CD Projekt diversificava seus negócios: parte da empresa continuava atuando como distribuidora na Polônia, enquanto outra parte fazia jogos e uma terceira embarcaria no segmento de distribuição digital, mas com um twist: revitalizar jogos clássicos de computador. Em 2008, a CD Projekt lançou a plataforma Good Old Games, que permitia comprar e rodar games antigos no sistemas operacionais atuais. Com o passar do tempo, a plataforma passou a vender jogos mais recentes e o nome perdeu o sentido, sendo abreviado para GOG.com. Os jogos oferecidos no GOG, fiéis às raízes dos fundadores, são livres de DRM.

Depois do primeiro The Witcher, a CD Projekt Red começou a trabalhar na continuação: The Witcher 2: Assassins of Kings. e em um jogo de tiro chamado They, feito em parceria com a Metropolis, para PC, PS3 e Xbox 360. They acabou deixado de lado comforme as necessidades do novo The Witcher cresciam. Foi preciso desenvolver um motor gráfico próprio, a RED Engine. A produção chegou ao fim em 2011, com a campanha de marketing mais cara da história da Polonia até ali.

A produção foi tão celebrada que, quando o então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, visitou a Polônia, foi presentado pelo primeiro ministro Donald Tusk com uma cópia do game, considerada patrimônio cultural do país - o presidente americano não chegou a jogar, mas em sua segunda visita ao país, elogiou o jogo e o sucesso internacional. Para Obama, "The Witcher representa o lugar de destaque da Polônia na nova economia global".

The Witcher 2 também foi lançado para Mac e Xbox 360 no ano seguinte, marcando finalmente a chegada da produtora aos consoles. O game vendeu 2 milhões de cópias - o dobro do primeiro jogo - e The Witcher se tornou oficialmente uma trilogia, com a produção de The Witcher 3: Wild Hunt dando os primeiros passos. Ao mesmo tempo, a CD Projekt RED anunciava seu novo projeto: Cyberpunk 2077, previsto para chegar este ano.

Crédito: The Enemy/Divulgação

The Witcher 3: Wild Hunt era o game mais ambicioso da produtora, tanto em escopo técnico quanto de mercado: o jogo foi lançado em 2015, localizado em 15 idiomas e com versões para três plataformas: PC, PlayStation 4 e Xbox One.

"Eu gritei: Saiu! Saiu! O primeiro review! Cliquei no link e vi uma nota 10 de 10. O estúdio inteiro explodiu em gritos e saltamos das nossas cadeiras, abraçando uns aos outros. Foi maravilhoso: nós sabiamos dos bugs que tinham sobrado no código - e mesmo assim, os críticos viram algo maior do que só um jogo. Essa é a maior conquista de todos que trabalharam na CD Projekt RED: criar algo único, algo que transcende o jogo", disse Konrad Tomaskiweickz, diretor de The Witcher 3, relembrando o lançamento do game no site.

Nas primeiras seis semanas, The Witcher 3 vendeu 6 milhões de cópias em todo o mundo. No final de 2015, o game contava mais de 300 prêmios, incluindo dois troféus no The Game Awards daquele ano. A CD Projekt RED foi nomeada Desenvolvedora do Ano. Hoje, o game acumula cerca de 28 milhões de unidades vendidas e está disponível para PC, PS4, Nintendo Switch e Xbox One.

Nada mal para quem começou vendendo jogos numa barraquinha de rua no bazar de Varsóvia.

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The Witcher 3: Wild Hunt
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  • Lançamento

    19.05.2015

  • Publicadora

    CD Projekt Red

  • Desenvolvedora

    CD Projekt Red

  • Censura

    16 anos

  • Gênero

    None