Desde o momento em que foi anunciado, na BlizzCon de 2014, Overwatch parece ser um jogo destinado a subverter expectativas. Como convencer o público de que seu estúdio, renomado por RPGs e títulos de estratégia, tem o necessário para lançar um excelente game de tiro? Como convencer um público acostumado ao modelo free-to-play de testar seu jogo sem compromisso, e comprando itens aos poucos, a pagar um preço cheio (e caro) só para poder começar a jogar? Mais ainda: como convencer este mesmo público de que esta é uma boa ideia?

Por incrível que pareça, a Blizzard consegue, e a resposta para todas estas perguntas está no aspecto mais primordial de qualquer game: o quão boa é a sensação de jogá-lo. O lema “gameplay primeiro” não está estampado na porta do estúdio californiano à toa. Overwatch é um jogo de aparência simples e estrutura absurdamente complexa, que esconde um metajogo complicado de vantagens e desvantagens entre situações e personagens em imperceptíveis milissegundos que separam os tiros de uma arma.

Overwatch consiste em partidas rápidas entre dois times de seis jogadores - um atacando e outro defendendo -, com objetivos variados: capturar alguma área no mapa, escoltar um veículo do ponto A ao ponto B, ou disputar um ponto do mapa por um determinado período de tempo.

O mundo precisa destes heróis

O que acontece para o cumprimento destes objetivos, entretanto, é imprevisível graças a um elenco dividido em quatro classes - ataque, defesa, tanque e suporte -, mas extremamente diversificado entre si. Overwatch faz um grande trabalho não só com tipos clássicos dos jogos de tiro, como o Soldado 76 (cuja função está no nome), o engenheiro criador de torretas Torbjörn ou a franco-atiradora Widowmaker, mas também surpreende com personagens muito criativos.

Tracer, que estampa a capa do jogo, é talvez o arquétipo dessa inventividade da Blizzard, com seu set que reúne teleporte e uma peculiar habilidade de retornar alguns momentos no tempo, como no botão de voltar de Forza Motorsport, mas há muitos outros personagens com menos holofotes que esbanjam criatividade, como o tanque móvel Bastion ou o robô de suporte Zenyatta e suas orbes de ataque e cura.

Mais do que cumprir diferentes funções no campo de batalha, todos os 21 personagens transbordam personalidade. Neste sentido, Overwatch é praticamente o Street Fighter dos games de tiro, no qual cada personagem é único, instantaneamente reconhecível e radicalmente diferente de seus companheiros, seja no visual, seja em suas habilidades, de uma maneira que poucos dentro do gênero já fizeram, ainda mais em sua história recente.

Trabalho em equipe

Mas, embora estejam à mão todos os elementos que poderiam motivar o jogador a especializar-se em um personagem, Overwatch vai no caminho oposto e incentiva a troca constante de bonecos durante uma partida. Antes mesmo do combate começar, o jogo já avisa se está faltando alguma classe de personagem. O mais importante, entretanto, fica na possibilidade de trocar de herói ao morrer ou em sua base.

A troca constante da composição de equipes, visando reforçar deficiências do seu próprio time ou contra-atacar as fraquezas da equipe adversária, é o grande trunfo do jogo, e o principal motivo por trás da decisão de fazer o jogador pagar um preço cheio para ter acesso a todos os personagens. Este modelo de negócios, explicado logo após ter sido anunciado, faz todo o sentido depois que você passa dez minutos com o controle na mão.

No fim das contas, todo esse complexo metajogo de fraquezas e vantagens entre heróis serve para servir e encorajar, de forma orgânica, a todos trabalharem em equipe. Uma característica comum a todos os jogos da Blizzard está em sua excelente curva de aprendizado (são jogos fáceis de assimilar e muito difíceis de dominar).

É por meio da colaboração entre os integrantes de um time que o estúdio inclui variados perfis de jogador - até mesmo aqueles que se sentem zeros à esquerda em um FPS - e vai ensinando, pouco a pouco, como ser útil no campo de batalha. Atirar nos inimigos é importante, mas curar e defender é tão valioso quanto.

Overwatch incentiva esses comportamentos e os premia ao final de cada partida, dando a opção de votar no jogador que se saiu melhor na partida - muitas vezes, entre os finalistas estão pessoas que absorveram grandes quantidades de dano com o escudo de Reinhardt, ou curaram um grande número de aliados com Lúcio. Esse tipo de estratégia é valiosíssima, ainda mais em um gênero no qual multiplayer é sinônimo de uma competitividade tão acirrada que chega a níveis nocivos.

Um universo expandido

Muito embora a riqueza de seu sistema de jogo dispense a existência de outros modos, a falta de uma campanha em Overwatch pode até estranhar. A Blizzard, conhecida por criar universos ricos em história, deixou para diversos produtos derivados a função de contar os acontecimentos de seu novo jogo, como curtas de animação (como o que você pode assistir acima) e HQs.

Basicamente, o jogo se passa em um futuro próximo no qual os avanços tecnológicos da humanidade levaram a criação de uma inteligência artificial chamada Omnic, que instaurou uma guerra entre humanos e robôs. Para encerrar o conflito, a ONU criou uma organização chamada Overwatch, composta por soldados de elite e cientistas. Ao fim da guerra, a equipe continuou a manter a paz, mas foi obrigada a se desfazer após acusações de corrupção e outras atividades criminais. O jogo começa com um novo perigo iminente e o chamado para a Overwatch se reagrupar.

Mesmo deixando sua história em obras derivadas, Overwatch tem motivos de sobra para ser conferido até mesmo se você não gosta muito de game de tiro em primeira pessoa. Sua natureza acessivel e complexa ao mesmo tempo leva este jogo para muito além do que se espera de um FPS, trazendo, principalmente, uma personalidade incomum e bem-vinda para este gênero.

Overwatch está disponível para PlayStation 4, Xbox One e PC. O game foi testado em um PlayStation 4 e em um PC. Clique nos nomes das plataformas para conferir o preço em suas versões digitais.

Nota do crítico