Street Fighter V será lançado em 16 de fevereiro, mas causa discussões na Internet há meses. A Capcom lançou um vídeo demonstrando o visual alternativo de diversos personagens do game e a lutadora de jiu-jitsu brasileira Laura foi motivo de polêmica na comunidade graças às suas roupas curtas.

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Em uma declaração ao Omelete, a argumentação da Capcom para o aspecto de Laura se baseia no padrão visual das figuras do game: "Muitos dos personagens masculinos em Street Fighter V têm os corpos bastante expostos também". A comparação pura e simples da exposição dos corpos, no entanto, não encerra a discussão - na verdade, para alguns, ela aumenta o problema em si.

Dizer que a sensualidade da Laura e do Zangief são equivalentes não é só ignorância, é má fé. Não existe simetria entre a sexualização de personagens femininos e masculinos”, diz Thais Weiller, desenvolvedora de games. “Sexualidade não é objetivamente medido pelos centímetros quadrados de pele a mostra, existem muitas outras variáveis que entram na construção de sensualidade contemporânea”, diz.

Bianca Freitas, autora no site especializado Fighters, argumenta na direção contrária. “Não é verdade que a Capcom retrata suas lutadoras de Street Fighter de forma hipersexualizada. Analisando cada personagem da série, sejam masculinos ou femininos, todos eles têm um estereótipo e seguem essa linha”, diz Freitas, que cita o ar irreverente do jogo como o motivo principal para os lutadores serem caricaturas e, em um texto no seu site, dá o novo Ryu como exemplo de diversidade.

Um traço da cultura japonesa

De acordo com a própria Capcom, a construção da personagem veio por meio de uma colaboração com “parceiros para que pudéssemos criar personagens que fossem interessantes e respeitosos com a cultura de cada país”. A justificativa soa mais como um protocolo do que um relato de criação, e para Bruno Lazzarini, mestrando em cultura audiovisual pela Universidade de São Paulo (USP), que está escrevendo um artigo acadêmico sobre Street Fighter, o motivo é bem mais simples - e lógico. “Por que a Capcom hipersexualiza as personagens? Simples: porque sexo vende e eles veem um público de Street Fighter majoritariamente masculino. Isso acontece principalmente no Japão, onde a desigualdade entre homens e mulheres é ainda maior do que por aqui, portanto existe essa diferença cultural com o Ocidente”, diz.

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Independentemente do país, os tempos mudaram e hoje existe uma maior vigilância em relação a direitos e deveres civis. O caso de Laura incitou uma parcela da comunidade gamer a defender o direito das mulheres de se vestirem como bem entendessem. Para Carolina Porfírio, ilustradora e idealizadora do projeto Fight Like a Girl, porém, esse não é o caso: “Todos sabem que Laura não é uma mulher real, é uma personagem e foi criada por uma pessoa. Personagens não aparecem do nada, cada detalhe e traço da personagem - assim como seus gestos, golpes, personalidade - foram cuidadosamente criados para ‘encher os olhos’ do jogador do sexo masculino”, comenta.

Diversidade de público

No final de 2015, a Capcom chegou a retirar de Street Fighter V a animação controversa de Rainbow Mika, criticada pelo apelo sexual, em que ela dá um tapa no bumbum antes de soltar seu especial e a câmera dá um close-up (esse movimento de câmera foi removido). Em entrevista ao UOL Jogos, o produtor Yoshinori Ono declarou: "Não tomamos nenhuma decisão por influência externa. Essas decisões vieram de dentro. Decidimos remover a animação porque queremos que o maior número possível de pessoas aproveite o game e não queremos algo que possa deixá-las desconfortáveis".

Mas como exatamente seriam essas pessoas que a Capcom deseja alcançar? Para Lazzarini, o motivo da empresa retirar a animação não seria pensando nas jogadoras mulheres e sim em um público mais novo. “Atingir um público maior não significa necessariamente buscar a audiência feminina. Acho que algum órgão de classificação indicativa não iria aprovar a animação da Mika para a faixa etária desejada pela Capcom, por isso a mudança. Street Fighter é um jogo para adolescentes e adultos, no final das contas”, disse.

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O estereótipo carregado não apenas por Laura mas por todas as outras lutadoras de Street Fighter V vem em um momento de transição em relação a toda a cultura pop na importância da representação feminina. Se Lara Croft se transformou e Leia abandonou seu biquini, porque a Capcom não pode rever esses conceitos?

Os jogos são assim porque existe um público que necessita desse tipo de fetiche no mercado de jogos no Japão. Os japoneses têm um pouco de obsessão por desenhos, isso é um pouco do que os fãs procuram, fazendo com que os games fiquem mais apelativos para olhos ocidentais”, afirma Giuliano Peccilli, que trabalha com palestras para editoras de mangá no Brasil, estuda japonês há 10 anos e também possui um site de cultura japonesa. “Isso é transferir seu desejo em uma mídia. É um fetiche por personagens que extrapolam as leis da física e acabou sendo explorado tanto na animação como nos jogos.

Apesar disso, a desenvolvedora Thaís Weiller afirma que no ramo de games no Japão o sexismo não é regra, apesar do volume. “Não são só os desenvolvedores japoneses e não são todos os desenvolvedores japoneses. A Platinum, a Atlus, a FromSoftware fazem algumas coisas bem interessantes nessas áreas, mas, sim, coisas antiquadas parecem vir de lá com mais frequência do que todo o resto do mundo”.

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A mulher brasileira?

O comunicado da Capcom diz que “para os personagens inéditos, passamos muito tempo pesquisando para criá-los. Pegando Laura e Rashid, dois dos novos lutadores, como exemplo, nós trabalhamos com nossos parceiros nesses territórios para que pudéssemos criar personagens que fossem interessantes e respeitosos com a cultura de cada país”. Há quem ache o retrato um pouco longe da realidade.

"Que caricaturas não são ofensivas? Não tem nada engraçado em fazer piada sobre pessoas que estão em uma posição de desvantagem, principalmente se a piada é em cima das características que são usadas pela maioria dominante como justificativa para o preconceito. Fazer esse tipo de caricatura só perpetua os estereótipos, não adiciona nada à discussão nem propõe novos pensamentos”, diz Weiller.

Porém, para Bianca Freitas, Laura cumpre bem seu papel: “Eu acho que ela mostra que existe uma distorção em relação a como as brasileiras, em especial nós cariocas, somos e em relação a como nós nos vemos. O Yoshinori Ono visitou o Rio de Janeiro e usou muitas inspirações para formar não só a personagem, mas o cenário também”, diz. "E sim, especialmente nas regiões periféricas do Rio de Janeiro, as mulheres se vestem assim. Não há como negar. Pode se questionar se a escolha de estilo foi a mais adequada, até porque o Brasil tem um universo de culturas. Mas não se pode afirmar que foi inventado”, acrescenta.

Street Fighter V chega às lojas, para PlayStation 4 e PC em 16 de fevereiro.