Em 12 de agosto 2014, durante a conferência da Sony na Gamescom, um trailer misterioso foi divulgado pelo chamado 7780s Studio, prometendo um teaser interativo para o público, repleto de imagens perturbadoras e reações de pessoas berrando de susto.

P.T., de "Playable Teaser", era na verdade um mero prelúdio do que deveria vir a seguir. O "7780s Studio" era na verdade nada menos do que a Kojima Productions, subsidiária da Konami, e o jogo para qual servia de teaser era Silent Hills, uma colaboração entre Hideo Kojima (Metal Gear) e Guillermo del Toro (O Labirinto do Fauno) estrelando Norman Reedus (The Walking Dead).

Cinco anos depois, este anúncio ainda reverbera no mundo dos games, tanto por seu impacto e influência nos jogos de horror que vieram depois dele; sua "raridade" em um ambiente digital e, em teoria, sem limites; e o simples e triste fato de que o jogo que o inspirou nunca verá a luz do dia.

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Reprodução/Konami

O teaser jogável

P.T. tornou-se um fenômeno quase instantaneamente, com a comunidade online unindo-se para quebrar a cabeça e resolver o enigma por trás do teaser. Kojima, que queria criar uma experiência diferente de uma simples divulgação de vídeos e imagens, esperava que o mistério só fosse resolvido após uma semana.

O público descobriu o segredo final, assim como o trailer de Silent Hills, em menos de um dia.

"Subestimei os fãs atuais", disse Kojima em uma apresentação feita na própria Gamescom.

Mesmo sem o mistério, porém, P.T. era uma experiência impactante, utilizando de uma aparente simplicidade e poucos ambientes - um porão, um corredor, e um banheiro - para construir uma experiência aterradora, em que a repetição de ações é pontuada por horrores como o espírito de uma mulher grávida assassinada, sons de gravações e mensagens de rádio, e - claro - o feto na pia.

Kojima já havia indicado que Silent Hills não teria necessariamente o mesmo estilo de P.T., mas se apenas um teaser era capaz de causar tanto terror, imagine o que a mesma equipe - incluindo os talentos de um mestre do horror cinematográfico como Del Toro - poderia fazer com um jogo inteiro.

Não só isso, era a oportunidade ideal para Silent Hill, a este ponto uma série que havia perdido totalmente seu brilho após vários jogos medianos ou fracos, voltar a se tornar uma das potências da indústria.

Meses depois, todas estas esperanças seriam aniquiladas.

Cancelamento e desaparecimento

A novela da saída de Kojima da Konami começou em março de 2015, mas foi apenas em abril que o público descobriu o fim de Silent Hills, primeiro por meio de del Toro, e depois em um comunicado oficial da publisher.

Como forma de torcer a faca, pouco depois P.T. – a este ponto com mais de 1 milhão de downloads – foi removido da PlayStation Store, e mesmo quem o havia adquirido antes da data de corte não pode mais baixá-lo novamente.

Nos anos seguintes, pessoas até encontraram formas complexas de reinstalar a demo, mas em geral, se você não baixou P.T. nos seus primeiros meses de existência, é provável que nunca mais poderá fazê-lo novamente.

Assim, provavelmente sem que a Konami esperasse, o P.T. original ganhou um status de relíquia, com unidades do PS4 com a demo na memória saindo por R$ 3,2 mil em sites como o Mercado Livre.

O bloqueio do download também mostrou que mesmo o mundo digital, supostamente livre de amarras de recursos do mundo físico, também tem suas limitações e barreiras, mesmo que sejam impostas de forma arbitrária por uma megacorporação.

(Ou talvez porque sejam impostas de forma arbitrária por uma megacorporação).

Mesmo com a relativa raridade de P.T., porém, o impacto cultural do game pode ser sentido até hoje.

Legado e influência

P.T. não foi nem de longe primeiro jogo de horror em primeira pessoa com personagens desarmados – Outlast já havia sido lançado no ano anterior –, mas sua influência certamente ajudou a estabelecer uma nova leva de jogos de horror nesta direção.

Quem jogou Resident Evil 7, lançado em 2017, certamente conseguiu traçar paralelos entre os dois projetos, particularmente pelo fato de serem em primeira pessoa e deram ênfase maior ao terror.

De sua parte, o produtor Masachika Kawata chegou a comentar a comparação em entrevista com o site GameSpot.

"Nós estávamos criando Resident Evil 7 antes de P.T. ser anunciado, então quando eles anunciaram foi meio 'ah, eles estão fazendo em primeira pessoa também?"' admitiu o produtor. "Entretanto, agora que estamos mais avançados, podemos ver que o conteúdo do nosso jogo é completamente diferente do conteúdo ou a direção que P.T. estava seguindo."

Já games de horror que vieram mais tarde, e especialmente de estúdios independentes, não negam a influência do teaser de Silent Hills.

"O Playable Teaser, de certa forma, abriu nossos olhos", disse o desenvolvedor Rafal Basaj, de Layers of Fear, ao site GamingBolt. "De repente ouvimos as vozes das pessoas dizendo que havia um espaço no mercado para um horror que não fosse um jogo de sobrevivência – e também seu uso do 'espaço impossível' tornou-se uma de nossas principais inspirações para Layers of Fear."

Visage, da SadSquare Studio, também traz uma inspiração clara em P.T., e o cofundador do estúdio, Jonathan Gagné, chegou a comentar parte da mística da demo.

"Todo fã de terror ouve sobre 'um jogo desenvolvido por Hideo Kojima e Guillermo del Toro'", disse ao site UNILAD. "Bom, todos acham que o melhor jogo de horror já feito está chegando. E aí ele é cancelado."

"P.T. teve uma enorme influência, mas acho que hype vem da promessa do Santo Graal dos jogos de horror."

O próprio The Park, jogo de horror baseado no MMO The Secret World, também tem uma sessão totalmente inspirada pelo teaser jogável

Visage e Layers of Fear, assim como o cancelado (até onde se sabe) Allison Road, procuraram trazer a sensação de P.T., mas muitos também tentaram recriar a demo de outra forma, para suprir a demanda do público que não conseguiu testar o game em sua versão original.

Os projetos de restauração de P.T. vão desde uma ideia de um jovem de 17 anos (que apesar de ter o jogo removido, acabou ganhando um estágio na Konami), passando por versão relativamente fiel na Unreal Engine, criado por RadiusGordello, e até mesmo em Dreams, novo jogo da Media Molecule para o PS4.

E além de certas referências em Metal Gear Solid V: The Phantom Pain, é claro que há...

Ao que tudo indica, Death Stranding não é necessariamente uma nova versão de Silent Hills, embora tenha paralelos inegáveis.

Assim como o título cancelado, o novo projeto de Hideo Kojima após deixar a Konami conta com Norman Reedus no papel de protagonista, e conta com a colaboração de Guillermo del Toro – embora no caso de Death Stranding, o diretor de cinema terá aparecerá apenas como um personagem, e não teve envolvimento no processo criativo.

Mais do que isso, como o usuário TheInvisibleOnes, do Reddit, apontou, existem várias semelhanças entre os cenários mostrados no trailer de Death Stranding da E3 2018 e os quadros vistos em P.T.

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Reddit/TheInvisibleOnes

Se existe algo além, é provável que vejamos após o lançamento de Death Stranding, em 8 de novembro deste ano.

Ainda assim, por mais que suas influências possam ser sentidas direta ou indiretamente, P.T. e Silent Hills vão ser sempre uma obra incompleta, um grande – se não talvez o maior – "e se" da indústria dos games.

Mas se por um lado quer dizer que nunca possamos ver o jogo em ação em sua totalidade, seu potencial pode servir de inspiração para gerações de desenvolvedores por vir.