A história de Silent Hill 2 está entre os maiores triunfos artísticos já vistos na história da indústria dos jogos. Poucos títulos chegaram perto de causar tanto impacto quanto o clássico da Konami, que coloca os jogadores no controle de uma pessoa completamente perturbada cujos inimigos são os próprios demônios e instintos internos.

Com bastante elegância, apesar dos picos grotescos igualmente necessários, o jogo de terror cultuado por muitos como o melhor de todos os tempos se utiliza de indícios para que os jogadores concluam, sozinhos, o que, de fato, está sendo contado. Ao final, a sensação é de choque, constrangimento e sabe-se lá mais o quê, porque varia de pessoa para pessoa. É brilhante.

Silent Hill 2 terá de mudar?

Médica ataca James.

Se, por um lado, a impossibilidade de jogar Silent Hill 2 por meios oficiais em plataformas atuais é um problema que merece uma solução, por outro, é fato que a indústria mudou bastante desde 2001, quando o jogo foi lançado. Nesse caso específico, inclusive, isso pode acabar se tornando um problema.

Durante os anos 2000, não faltavam jogos de terror chocantes que ousavam abordar temas sérios com bastante frieza. Talvez até pelo fato de que os personagens não eram lá tão realistas, não havia preocupação alguma com suavizar discussões ou evitar possíveis gatilhos que poderiam ser despertados no público. Ainda que existissem, no geral, apenas alusões a pontos particularmente sensíveis dos traumas dos personagens, é fato que não era muito difícil entender as alegorias e compreender perfeitamente situações desesperadoras.

Mais de 20 anos depois, é fato que algumas cenas de Silent Hill 2 — que eram, sim, necessárias para causar o incômodo almejado pelo saudoso Team Silent — podem não ser mais tão bem aceitas pelo público geral. Em parte, por motivos justos. Vivemos em um outro mundo, então, a obra precisa se adaptar. Contudo, muito do que torna Silent Hill 2 um jogo tão marcante é o espaço que o jogo deixa para que a imaginação dos jogadores preencha as lacunas deixadas com base nas pistas vistas ao longo do game — e é extremamente improvável que um estúdio ocidental consiga fazer isso tão bem.

Concepções distintas de terror

Cabeça de Pirâmide encontra James.

Já existe um longo artigo no The Enemy que aborda a transição da franquia Silent Hill para estúdios ocidentais, algo que aconteceu em 2007, quando o Team Silent foi deixado de lado e a franquia foi para as mãos do então Climax Action (atual Climax Studios), do Reino Unido. O que sucedeu essa troca foram jogos muito mais vazios do que os anteriores, em que as histórias contadas eram simples clichês do terror, já que o foco passou a estar na ação, em grande parte.

Silent Hill 2 costuma ser lembrado como um clássico do terror por ser o tipo de experiência que criadores japoneses ficaram conhecidos por proporcionar nos jogos. O que há de mais interessante não é a jogabilidade ou o visual, mas os conceitos por trás do que se vê e daquilo com que se interage. O Cabeça de Pirâmide, por exemplo, não é tão conhecido só porque o design dele é inusitado — ele possui um papel simbólico na trama.

Médica em um corredor escuro.

Estúdios ocidentais que trabalharam com Silent Hill nunca entenderam isso, e é improvável que o Bloober Team o faça. Com base no histórico da empresa, é fato que existem alguns méritos que apontam numa direção positiva, mas não há tanta sofisticação narrativa que possa ser identificada em jogos como The Medium ou Layers of Fear. São bons jogos, sem dúvida alguma, mas não revolucionários.

No Ocidente, algumas grandes franquias de terror foram nitidamente inspiradas por Resident Evil. Isso inclui Dead Space, Alan Wake e Outlast, que focam em deixar os jogadores apreensivos com o que vai acontecer; se conseguirão sobreviver ou não.

James armado.

No Oriente, especificamente, no Japão, séries famosas incluem gigantes como Silent Hill e Fatal Frame, que abordam assuntos muito mais sérios de maneiras inacreditavelmente perturbadoras. O medo, nesses casos, não vem do que aparece na tela, mas, sim, na compreensão do contexto no qual os personagens estão inseridos.

Ambas as propostas possuem valor, mas uma delas é, nitidamente, mais focada no aspecto psicológico, já que mexe com os instintos mais perversos da mente humana.

Ascension pode ser um mau agouro

Estacionamento clássico de SH.

O primeiro dos muitos projetos de Silent Hill anunciados pela Konami já está no ar e se chama Silent Hill: Ascension. A série interativa já mostrou que não entende o que torna Silent Hill aquilo que é.

A história, pelo menos até o momento de publicação desta matéria, era só mais um acumulado sem alma de elementos tradicionais do terror: um culto, assassinatos, monstros e motivações duvidosas. Tudo sem propósito que não seja o de criar suspense em vez de nos obrigar a pensar e imaginar possibilidades realmente chocantes.

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Embora não seja, evidentemente, um jogo, se Ascension for um indício de como as empresas ocidentais tentarão reerguer a franquia, só temos motivos para nos preocupar. Uma recriação digna do maior clássico dos jogos de terror pode ser bom demais para ser verdade. Se tudo der certo, será uma surpresa.


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