Como todo mundo que trampa na área, eu passei a vida sonhando com o dia em que poria os pés na maior feira de jogos do mundo. O ano de 2005 foi minha estreia na E3, no tradicional centro de convenções de Los Angeles. Em 2006 tava lá eu de novo, agora já menos perdido em como lidar com aquilo tudo.

(E vale um registro pra ter ideia do tamanho do lugar: a área de exposições do Anhembi, em SP, que recebe a BGS, tem 18 mil m². O centro de convenções angelino tem 67 mil m² para exibição, além de outros 13.700 m² para reuniões. É um colosso)

Aí, em 2007, quando começava a pegar o jeito da coisa e aprender os atalhos pra maratona de cobertura, a feira resolveu testar um novo modelo de negócio.

Primeira alteração: mudar de mala e cuia pra Santa Monica, uma cidade praiana a cerca de 30 minutos de Hollywood, o que vale outra digressão: Embora tenha rolado por dois anos em Atlanta (1997 e 1998), a E3 se estabeleceu de fato no calendário da cidade hollywoodiana. Ainda que todo ano surgisse um papo de que poderia se mudar para outras regiões, incluindo um retorno a Atlanta ou uma estreia em Nova York, foi em Los Angeles que o evento fincou raízes.

A explicação é bem simples: cada edição traz cerca de 40 milhões de dólares para os cofres da prefeitura, que não está disposta a abrir mão dessa grana.

Sigamos. A segunda mudança foi diminuir drasticamente o número de jornalistas no evento. Aí você pensa: mas quão drasticamente? A média anual de profissionais que cobrem a feira fica em torno de 60 mil. Em 2007 a ESA (Entertainment Software Association), organização responsável pelo evento, registrou 10 mil membros da mídia.

Nelson Alves Jr./Arquivo Pessoal

Por fim, a terceira novidade: no lugar de abrigar empresas e visitantes numa área em comum, como num centro de convenções, a organização decidiu distribuir o evento por hotéis espalhados por Santa Monica. De acordo com o comunicado oficial, "... percebemos que o show precisa ser mais intimista, permitir diálogos mais próximos entre desenvolvedores e mídia, não há mais necessidade de um 'mega-show', por isso acreditamos que isso vai facilitar o trabalho de todos."

Até o nome do evento mudou. A antes E3 Expo foi rebatizada para E3 Media and Business Summit.

Pra ser "intimista" também era preciso restringir o número de empresas. Das 400 companhias presentes desde o ano 2000, apenas 33 garantiram presença no tal Summit.

Na teoria soava uma lindeza. Na prática foi um desastre.

Pra começo de conversa: descentralizar os "diálogos entre desenvolvedores e mídia" significa que o pobre jornalista precisa camelar de um hotel a outro a pé. Lembre-se, meu povo, tô falando de 2007. Não tem Uber, não tem celular com internet, não tem Waze. O esquema era mapa impresso na mão, numa cidade desconhecida, tendo de caçar hotel e sem comer (pois é, não tem iFood ou Uber Eats também).

Pensa rapidinho comigo aqui. A diferença de tempo entre uma entrevista e outra, em média, era de 10 minutos. A caminhada de um hotel a outro - com direito a check in em cada um deles -, a espera interminável por elevadores cheios e a busca pelos desenvolvedores espalhados por quartos sem fim dava, com sorte, uns 30 minutos.

Não precisa ser um gênio pra sacar que minha agenda foi pro saco. A quantidade de entrevistas e testes que perdi foi muuuuito maior dos que as que consegui cumprir.

A insatisfação foi generalizada. Pra onde se olhava tinha um jornalista esbravejando, um assessor desesperado ou um desenvolvedor frustrado. E Isso já no primeiro dia.

No segundo, ficou claro que planejamento nenhum daria conta do caos. Entrei no esquema "faço o que dá, o resto, paciência" e assim foi. É frustrante, mas não tinha outro jeito exceto fazer o melhor dentro das condições.

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Ok, rolou papo descontraído com o entusiasmado Peter Molyneux sobre Fable 2, com Hironobu Sakaguchi sobre Lost Odyssey, a chance de ouvir Tony Hawk em pessoa contando sobre a produção da série de skate e, entre outras surpresas, o guitarrista Slash se divertindo sobre Guitar Hero.

Isso sem falar que eu topei com Shigeru Miyamoto e Satoru Iwata em pessoa - ambos de chinelão e bermuda, máquina fotográfica a tiracolo, passeando em frente a praia.

Era uma E3, afinal. Tava uma zona, tava esquisita, mas ainda assim era possível ter esses encontros surreais.

Só que encontro surreal não sustenta uma cobertura. Povo tá ali pra trabalhar. A insatisfação generalizada continuou e cresceu no terceiro dia. Havia no ar uma sensação de "ou a organização muda isso ou a feira acaba".

E de fato mudou. A edição 2008 voltou para o centro de convenções em Los Angeles, só que ainda menor. Somente 5 mil jornalistas foram admitidos. Ainda que a logística para entrevista e testes tenha sido infinitamente melhor, ainda tava longe da pompa que fez da E3... a E3.

Ter vivenciado in loco essas duas edições, em especial a de 2007, é um misto de satisfação pelo privilégio de ter estado lá, mas também de frustração por ter perdido um monte de conteúdo — ainda que plenamente consciente de ter feito o que foi possível.

Falo sem medo: pior E3 já feita.

Nelson Alves Jr. é jornalista de videogames desde 1999, foi editor da revista Oficial do Xbox e esteve presente em 15 edições da E3. Siga-o no Twitter: @nelsonalvesjr