Representando sua empresa de hardware focada em jogos e consoles antigos, o catarinense Érico Fritzen fez uma participação rotineira na RetroSC, evento bianual que acontece em Santa Catarina e reúne entusiastas de retro gaming do estado. Foi lá onde ele conheceu o desenvolvedor independente Paulo "Amaweks" Villalva.

Os dois conversaram rapidamente na RetroSC, mas logo voltaram a se falar via Facebook. Conversa vai, conversa vem... Eis que surge o seguinte questionamento: e se, no Brasil, houvesse uma empresa focada em fabricar e distribuir jogos indies produzidos nacionalmente para consoles antigos?

Dessa ideia nasceu a Retro X Brazil, empresa criada por Fritzen para "publicar jogos indies e trazer para o Brasil o diferencial, investindo em novos desenvolvedores". O primeiro projeto da iniciativa se chama Balaio de Jogos, coletânea com quatro games brasileiros para . A coleção, que conta com cartucho e caixinha, foi anunciada em fevereiro deste ano e começou a ser vendida em março para o público nacional e internacional  ao preço de R$ 100,00.

Os games que compõem a coletânea são Dois Ciclopes e Headship MD, de Laudelino "Nemezes" Menezes; Mutuca, de Nemezes e Amaweks; e Odeio Carros, de Pedro Paiva.

De acordo com a Retro X Brazil, o Balaio de Jogos é a primeira produção física inteiramente nacional para o Mega Drive. Ainda que haja público, produzir uma coletânea física para um console de mais de 30 anos em 2020 é algo que levanta a curiosidade em muitos. Como fazer jogos físicos para um aparelho tão velho? Como é desenvolver games para algo que supostamente ficou no passado? É difícil fazer tudo isso?

Fabricando o passado no presente

Além do foco no mercado de consoles antigos, um dos principais diferenciais da Retro X Brazil enquanto empresa de jogos independentes é o fato de ter capacidade de fabricação dos jogos que distribui. Isso é possibilitado graças ao empreendimento secundário de Érico Fritzen, voltada à produção de hardware de videogames antigos.

No entanto, ainda assim, colocar um jogo dentro de um cartucho envolve muito mais processos do que muita gente imagina. Antes de tudo, é necessário programar o game em uma linguagem que possa ser interpretada pelo Mega Drive, trabalho facilitado por ferramentas de desenvolvimento como aSGDK, principal engine para produção de jogos para o console da Sega.

"Após o término de produção do jogo e depois de criar a ROM dele [arquivo enviado para o chip da placa de circuito impresso do cartucho que será lido pelo console], nós vamos pegar a placa de circuito impresso [ou PCB] compatível. Se o jogo sair pesando 2 MB, por exemplo, a placa tem de ter suporte a esses 2 MB", explica Fritzen.

Depois, de escolhida a placa de circuito impresso adequada ao jogo, produzida sob medida pela empresa secundária focada em hardware, então começa o processo de gravação do game. No caso do Balaio de Jogos, por se tratar de uma coletânea, foi produzida uma placa que suportasse o recurso de múltiplos games em somente um cartucho.

"Temos um aparelho pra fazer as gravações, um gravador específico para esse fim, que seria uma espécie gravador de CDs, por assim dizer. A gente acopla nosso hardware na gravadora e transfere a ROM para dentro do chip que está soldado na placa de circuito impresso", conta ele.

Depois disso, a placa do jogo parte para testes no próprio console para examinar o funcionamento do produto. Passado na avaliação, a placa é colocada dentro da carcaça do cartucho, que receberá o adesivo de identificação com o estilo clássico do Mega Drive.

Recepção

Por não dispor de grandes investimentos e de ter precisado "tirar tudo do próprio bolso sem saber se teria retorno", Érico Fritzen e os desenvolvedores estavam receosos sobre como as vendas de Balaio de Jogos se sairiam. Além de tudo, de acordo com ele, o mercado brasileiro é muito incerto.

"A maior dificuldade de a gente conseguir produzir o Balaio de Jogos foi levantar o dinheiro para conseguir produzir uma determinada quantidade de mídias para disponibilizar à venda, sendo que a gente não sabia se iria vender nem tínhamos grandes empresas nem meios de comunicação fazendo a divulgação dos jogos."

Por isso, a Retro X Brazil produziu uma quantidade baixa de unidades, já que Fritzen e os desenvolvedores temiam "não conseguir vender e ficar com o produto na prateleira, por assim dizer". No entanto, o receio inicial deles logo foi embora. Além do forte apoio da comunidade, o catarinense afirma que a primeira tiragem do Balaio de Jogos foi vendida rapidamente, com unidades enviadas inclusive para países da Europa e para os Estados Unidos.

Segundo Fritzen, um dos principais fatores para a boa performance do Balaio de Jogos no Brasil é o fato de que importar novos jogos para consoles antigos não é barato. Para ele, a coletânea se mostrou uma ótima pedida para os entusiastas nacionais de retro gaming.

"Importar cartuchos dos Estados Unidos e de países da Europa é muito caro. E com um produto feito no Brasil, se torna muito mais fácil pros entusiastas do Mega Drive adquirirem os jogos independentes e apoiar os desenvolvedores através da compra de um produto produzido, fabricado e distribuído aqui", diz.

Perguntado se havia entrado em contato com a TecToy, que representou a Sega no Brasil na década de 90 e atualmente ainda lança novas versões do Mega Drive e do Master System, Fritzen disse que não, mas que gostaria "que empresas como essa apoiassem o nosso trabalho". Ele ressalta que o Balaio de Jogos é considerado um produto não oficial.

"Os jogos indies que a Retro X Brazil publica são considerados não oficiais, pois são jogos não licenciados. A nossa empresa detém a licença desses jogos, mas nós não podemos utilizar a marca da Sega", esclarece.

"Então nosso jogos são compatíveis com o hardware da Sega, com no caso o Mega Drive. Mas nós não podemos vincular o nome da Sega aos nossos jogos, pois eles são jogos independentes."

Arautos da pixel art

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Os desenvolvedores dos games que formam o Balaio de Jogos (os reais responsáveis pela existência da coletânea, nas palavras de Fritzen) possuem larga experiência no desenvolvimento de games com pixel art  que não necessariamente têm como plataforma consoles antigos. No entanto, lembram que há dificuldades na produção de jogos para aparelhos como Mega Drive e que seus jogos não se resumem à questão da nostalgia.

"Fazer um game retrô pra PC é uma coisa, mas fazer pro console antigo é muito mais limitado", ressalta Paulo "Amaweks" Villalva que, junto a Laudelino "Nemezes" Menezes, já publicou um jogo físico para Mega Drive, chamadoDevwill Too e lançado pela norte-americana Mega Cat Studios.

"A parte da arte não é apenas a resolução, tem a paleta de cores bem limitada, a quantidade de tiles [pequena imagem retangular ou isométrica] que tem de ser contada pra caber na memória, o tamanho do cenário, o números de sprites na tela, além da parte de colisões e cálculos matemáticos pras coisas acontecerem no jogo, tudo tem um limite.

Além disso, segundo Amaweks, "quanto mais antigo o console, mais restrito é. Isso demanda muito mais tempo de produção, tentativa e erro, etc."

"Então o tempo de produção pra um aparelho antigo é sempre maior."

Se por um lado as dificuldades no desenvolvimento dão dor de cabeça, por outro são um aspecto instigante. É isso o que defende Nemezes, que forma a equipe de desenvolvimento Mangangá Team ao lado de Amaweks, Luiz Villalva e Casemiro Azevedo, e é creditado por seus "colegas de balaio" como o principal responsáveis pela existência da coletânea. Ele programou todos os games que formam a coleção.

"O interessante é que existe toda uma estratégia em como burlar estas limitações, no sentido de não deixar o jogo lento, isso torna o desenvolvimento interessante. Em jogos para equipamentos modernos, praticamente não há pra que pensar tanto em limitação", comenta.

Autor do projeto Mais Ódio, Menos PlayStation, Pedro Paiva desenvolve jogos em pixel art há quase uma década e repudia a visão puramente nostálgica de games que fazem uso do estilo visual.

"Meu primeiro selo se chamava Arcaica mas logo percebi que não era uma 'volta ao passado' que orientava o meu trabalho: faço os jogos como faço porque vejo a pixel art e o videogame 2D como tradição viva - nunca houve um ano que não viu dezenas de lançamentos em 2D ou em pixel art", aponta.

"A pixel art não pertence ao passado, ela sempre esteve viva e forte."

Paiva afirma discordar da abordagem nostálgica adotada pela Retro X Brazil nos materiais de divulgação do Balaio de Jogos, mas "entendo que dialoga com os jogadores deles". Ele, por sua vez, criou seu próprio flyer de divulgação.

De acordo com Érico Fritzen, quem merece todos os louros pela coletânea são os desenvolvedores, e não ele nem a empresa. "Pedimos a todo mundo que venha a conhecer nosso trabalho: não comprem o produto para apoiar a Retro X Brazil, mas sim para apoiar os desenvolvedores, porque esses sim são as verdadeiras estrelas dos jogos independentes", ressalta ele.

Passado para o futuro

Fritzen afirma que a Retro X Brazil já tem planos para lançar um novo jogo  ainda não anunciado  e que a empresa pretende lançar uma segunda edição do Balaio de Jogos assim que "assim que for resolvido o problema do coronavírus".

Além disso, segundo ele, desenvolvedores do exterior entraram em contato com a empresa para ter seus jogos lançados no Brasil. "Então a gente pretende disponibilizar bastante material não só almejando os desenvolvedores brasileiros, mas também desenvolvedores internacionais", diz.

Ainda de acordo com ele, embora o foco da empresa seja em jogos para consoles antigos, "nada impede que no futuro a gente produza pros consoles mais velhos mas também lance para outras plataformas mais novas, como Xbox, PlayStation 4, Steam..." segundo Fritzen, vai depender da demanda.

Já os desenvolvedores dos games do Balaio de Jogos trabalham em novos projetos. Enquanto Pedro Paiva está desenvolvendoAzar, jogo de tiro com elementos da cultura nacional envolvendo temas como crime e fascismo, a Mangangá Team desenvolve Irmãos Aratu, beat 'em up com referências ao grupo pernambucano Chico Science & Nação Zumbi e com cenários inspirados em localidades de Recife, e Mangangá, game de plataforma.