Jair Bolsonaro, o presidente da república, quer diminuir os impostos que incidem sobre os games. Essa vontade já foi demonstrada de diferentes maneiras, seja em suas redes sociais ou até mesmo em uma ligação para Gabriel “FalleN” Toledo, um dos maiores - se não o maior - nomes do esport nacional.

Caso realmente ocorra, a mudança é deveras bem-vinda para os gamers, que podem enfrentar preços abusivos no varejo - principalmente quando se fala em consoles. Entretanto, essa redução não pode ser tratada com euforia desde o princípio. Há uma série de etapas que precisam ser completadas antes de uma nova lei realmente entrar em vigor.

Com a PEC 51/2017 sendo aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), o cenário já avança bastante, demonstrando o real interesse da administração em fazer o projeto andar.

Ainda assim, entre tramitações no Poder Legislativo e a possível insatisfação de outros setores da economia, há uma série de obstáculos que precisam ser superados para que a proposta chegue aos preços das lojas especializadas.

O passado

Telmário Mota, autor da PEC 51/2017

Reprodução/Wikimedia

A diminuição de impostos nos games não é nenhuma novidade na legislação brasileira. Em 2017, o Senador Telmário Mota publicou um relatório pedindo uma redução drástica nessas taxas: de 72% para 9%.

O texto foi endossado pela Comissão de Direitos Humanos do Senado, e iniciou seu trajeto na Câmara sob o código de PEC 51/2017 trazendo uma alteração significativa, que pedia a imunidade tributária sobre consoles e jogos produzidos no Brasil.

Em contato com o The Enemy, a Assessoria da Secretaria Legislativa do Senado Federal confirmou que a PEC é direcionada a games e consoles fabricados, e não apenas desenvolvidos no país, como poderia ser interpretado pelo texto da proposta.

Demorou, mas a proposta enfim foi para frente: a PEC foi aprovada pela CCJ do Senado Federal e segue para votação no Plenário. Sua última leitura havia acontecido em 19 de dezembro de 2017 e, ainda que tenha demorado para receber uma atualização, aparenta estar em andamento.

Muito antes da PEC de 2017, o projeto do Jogo Justo já clamava por mudanças similares. Encabeçado por Moacyr Alves Jr., o movimento chegou a levar à criação da ACIGAMES, associação que representaria o setor em questões legislativas, além de fomentar o desenvolvimento do mercado nacional.

Os efeitos não se estenderam a longo prazo: aconteceram duas edições do Dia do Jogo Justo, onde grandes lojas varejistas reduziram o preço de alguns games de R$ 250 para aproximadamente R$ 99, mas o projeto não obteve uma influência mais ampla.

“A gente tinha muita gente, realmente. O Dia do Jogo Justo 2, pelas estatísticas das empresas que a gente viu, movimentou quase 4,5 milhões de pessoas”, afirma Moacyr.

Apesar do impacto, ele explica que o desinteresse do governo, principalmente de Marta Suplicy, quando era Ministra da Cultura, foi um dos grandes entraves para o avanço do Jogo Justo.

Marcos Oliveira/Agência Senado

A tramitação

Uma Proposta de Emenda Constitucional, mais conhecida como PEC, pode ser apresentada pelo presidente, por um terço dos deputados federais ou dos senadores, ou por mais da metade das assembleias legislativas.

Antes de ser aprovada, a PEC precisa ser discutida e votada em dois turnos nos âmbitos do Congresso Nacional: a Câmara dos Deputados e o Senado. Para seguir em frente, a proposta precisa ter voto positivo de três quintos dos deputados (totalizando 308 votos) e dos senadores (49 votos).

O próximo passo é ser aprovada na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado - etapa que acaba de ser superada pela PEC 51/2017.

As emendas da proposta só são passadas adiante se a Comissão conseguir a assinatura de pelo menos um terço do Senado. Após a aprovação, a proposta segue para o Plenário e necessita de votação favorável mínima de 60% dos senadores nos dois turnos.

Nessa etapa, podem ser sugeridas alterações ao documento, e o Senado também pode rejeitar a proposta, ou aprová-la integralmente. Caso a PEC não sofra mudanças, a redação por fim é entregue ao presidente para que ele assine e aprove o texto.

Uma sinalização prévia do presidente pode facilitar o andamento desse processo, evitando que ele estacione nos trâmites legais como a PEC 51/207 por um longo tempo, mas essa vontade tão forte também pode ter um aspecto negativo.

Uma segunda proposta

Apesar da proposta de Jair Bolsonaro para os impostos ainda não ter sido divulgada oficialmente, uma matéria da Reuters deixa claro os itens que seriam afetados. A redução seria feita acima do Imposto sobre Produtos Industrializados, uma das várias tributações que são aplicadas aos games.

De acordo com a Reuters, a alíquota cairá de 50% para 40% nos consoles e máquinas de video game. Para acessórios e partes dos consoles sem tela incorporada, a redução é de 40% para 32%. Acima de game cards e máquinas de video game com tela incorporada, a diminuição é dos 20% para 16%.

Deixando reduções no Produto Interno Bruto de lado, fica claro que existem algumas inconsistências na proposta. O IPI é apenas um dos impostos que incidem sobre games: ICMS, PIS/Cofins e Imposto de Importação também possuem influência no valor final dos produtos.

Além disso, o texto não menciona em momento algum as mídias em disco, que são a grande maioria no mercado atual de games. Isso poderia significar que os famosos jogos físicos não teriam qualquer alteração em seu preço.

Por cima disso tudo, não fica claro se essa proposta seria colocada acima da PEC 51/2017, tendo em vista o seu recente prosseguimento nas burocracias legislativas.

Como funcionam os impostos sobre games hoje?

Não é de hoje que se estuda a possibilidade de reduzir impostos de forma geral, com o objetivo de estimular investimento, consumo e retorno para o cidadão e a empresa; afinal, as taxas pagas por estes incidem sobre lucro, ganho, consumo e serviços. Mas, como as grandes sedes das empresas de video games são localizadas fora do país, o Brasil acaba importando muitos produtos desse setor - tanto o console em si quanto a mídia física.

A cobrança é de 50% em cima do valor do produtor, segundo a Tabela de Incidência de Imposto sobre Produtos Industrializados (T.I.P.I.) da Receita Federal. Esse imposto é cobrado pelo Governo Federal, então o que for arrecadado é destinado aos cofres da União. Existe também o ICMS que, no Estado de São Paulo, tem alíquota de 18% sobre o valor da mercadoria (em 2019).

Há ainda o Imposto Sobre Serviço que varia de acordo com a cidade entre 2 e 5%. E por fim, mas não menos importante, o lucro do revendedor que pode variar de 30 a 70%. Por esse motivo, um jogo de alto orçamento (em época de lançamento) que normalmente custa US$ 60 lá fora, aqui no Brasil é vendido, em média, por valores entre R$ 240 e R$ 350 até a data de publicação desta matéria.

O que exatamente é importado e o que é produzido no país?

É certo que alguns games de grande relevância são fabricados no Brasil. Todos os títulos da Ubisoft, com exceção daqueles para Nintendo Switch, são manufaturados na Zona Franca de Manaus.

Infelizmente, outras grandes distribuidoras, como Warner Bros. Games, SonyMicrosftKonami, não responderam até o fechamento desta reportagem. No caso da Warner, entretanto, é possível observar em rótulos de games distribuídos pela empresa o logotipo da Zona Franca - logo, seus grandes títulos como FIFA 19, que é distribuído pela WB no Brasil, e Mortal Kombat 11 também são fabricados no país.

Quanto aos consoles, o buraco é mais embaixo. Nenhum dos aparelhos recentes de Sony e Microsoft é fabricado no Brasil. Portanto, PlayStation 4 Pro e Slim, Xbox One X e One S não seriam contemplados pela PEC 51/2017.

Será que o preço abaixa mesmo?

Caso a redução realmente aconteça, muitos consumidores podem esperar que os preços de seus games preferidos também caiam no período de lançamento. Entretanto, é bem possível que isso não aconteça.

Para o cenário brasileiro de desenvolvimento de jogos, por exemplo, pode não haver grandes mudanças, ou assim analisa o PhD, professor e game designer Francisco Tupy. “Até porque [a redução de impostos] está associado aos grandes estúdios”, ele afirma.

A princípio (...) a redução é pequena. Então ela não tem impacto tão grande assim na questão do acesso ao jogo”. Francisco explica que quem pode se beneficiar mais com isso serão as grandes produtoras, “e talvez nem os lojistas”.

A grande vantagem que a gente veria numa atitude como esta de diminuição dos impostos (mas uma redução drástica), seria a popularização desse tipo de jogos, seria uma democratização do acesso a esses jogos”, complementa o game designer.

Um game de alto orçamento geralmente custa US$ 60 em sua época de lançamento nos Estados Unidos, como já citado anteriormente. No Brasil, esse preço poderia ser convertido diretamente para quase R$ 240 na cotação atual, algo bastante próximo dos R$ 250 que são facilmente encontrados em varejistas.

Em uma pesquisa rápida, é fácil encontrar grandes títulos de 2019 que já estão abaixo desse valor, como Mortal Kombat 11 e Resident Evil 2. Para títulos vindouros, como FIFA 20 e Control, a média é mais próxima dos R$ 250.

Caso os impostos sejam reduzidos, as distribuidoras podem apenas adquirir uma margem de lucro mais alta, já que o preço brasileiro é bastante competitivo com o dos Estados Unidos - o principal mercado do mundo em termos de consoles.

Entramos em contato com Konami e Ubisoft para apurar se já há algum planejamento prévio sobre uma mudança nos preços, mas, infelizmente, não houve resposta até o fechamento da matéria.

O impacto poderia ser maior nos consoles: um PlayStation 4 Pro sai por quase US$ 370 nos EUA, preço que seria traduzido para R$ 1480, sem considerar as taxas de conversão de moeda. No Brasil, o aparelho chega perto dos R$ 2500, praticamente mil reais a mais do que no mercado estrangeiro. Entretanto, a máquina não é produzida no Brasil, excluindo-a da PEC 51/2017.

Um entrave político

De acordo com o cientista político Rui Tavares Maluf, há alguns obstáculos para que uma nova legislação sobre impostos em games seja aprovada neste momento.

Uma das principais pautas para o governo brasileiro neste semestre é a de uma Reforma Tributária generalizada; caso aprovada, a Reforma poderia suspender uma série de decisões prévias sobre impostos - incluindo uma possível isenção dos games.

Ele ainda aponta que decisões que favorecem muito um setor específico da economia - no caso, o dos games - costumam ter recepção negativa de outros setores. Assim sendo, é possível que a nova legislação tenha de enfrentar mais processos políticos e uma série de tentativas de provar sua inconstitucionalidade.

Por mais que os sinais sejam positivos, ainda há muitos entraves para redução de impostos nos games. Resta aguardar - e torcer - para que essa nova legislação aconteça e seja, de fato, impactante nos preços.