Talvez a escolha de jogabilidade mais óbvia para um projeto de game que parece um filme stop-motion dos anos 90 fosse transformá-lo em um platformer de aventura, mas não é isso que Lost in Random faz.

O estúdio Zoink, que lançou em 2018 o morno Fe sob o mesmo selo EA Originals, agora traz um game de ação cheio de personalidade, com um sistema de combate muito satisfatório e um mundo absolutamente envolvente. 

O mundo distorcido de Random

A familiaridade está em todos os lugares de Lost in Random. A estética lembra as animações surrealistas de Henry Selick e Tim Burton; a atmosfera tem algo dos romances de Charles Dickens e Lewis Caroll; e o combate tem uma dinâmica que fica em algum lugar entre Dandy Ace e Final Fantasy 7 Remake. Ainda assim, o projeto é uma mistura que resulta em algo um bocado original.

A história acompanha duas irmãs, Even e Odd (ou Par e Ímpar), que vivem em Onecroft, a mais pobre das seis regiões de Random. Odd é levada à força pela Rainha para viver com ela. E Even, depois de ter sonhos mostrando que a irmã estaria em perigo, decide ir atrás de Odd.

No caminho, a menina conhece Dicey, que é possivelmente o último dos dados mágicos de uma era antiga. Acontece que nesse mundo portar um dado mágico é proibido, assim como sair da região onde você mora. Por isso, a jornada de Even, passando pelas outras cidades até chegar ao castelo da Rainha em Sixtopia, é extremamente perigosa e cheia de adversidades.

Explorando e conversando

O que nos leva à questão da jogabilidade. A gameplay de Lost in Random tem três pilares: interação com NPCs, exploração do ambiente e combate. Enquanto você anda pelas ruas, encontra cidadãos para conversar. Eles vão dar informações sobre como avançar na história e entregar missões paralelas. 

Essas interações trazem diálogos que não chegam a ser exatamente engraçados, mas são geralmente interessantes e cheios de charme. Toda interação oferece múltiplas opções de resposta ao jogador, mas que estranhamente parecem não mudar em nada os eventos do jogo ou mesmo o final da trama.

E, por algum motivo, essas conversas não contam com a voz da Even, apenas do interlocutor, o que é muito esquisito já que ela não é um protagonista silencioso.

Assim como o design distorcido dos NPCs, os atores de voz do jogo fazem um trabalho excepcional pintando um cenário de conto de fadas sombrio populado por cidadãos marcantes. O problema é que, apesar do visual desses personagens serem muito diferentes entre si, há apenas cerca de uma dúzia de modelos de NPCs que são repetidos ao longo de todo o jogo. 

No quesito exploração, Lost in Random é extremamente simples. Não existem mecânicas de plataforma e pular é uma mera ação contextual sem um botão dedicado. Assim, você não pode cair de lugares altos e há poucos cantos secretos no mapa para se descobrir no chão.

Os colecionáveis se resumem a páginas de uma historinha ilustrada, a cartas de combate e aos potes de dinheiro que tem como única serventia comprar novas cartas com um vendedor itinerante.

Dados, cartas e um estilingue fumegante

Ok, mas afinal o que são essas cartas e como elas funcionam? Existem 34 cards que dão vantagens diferentes à Even nas batalhas. São armas, itens de cura, armadilhas, trapaças e por aí vai. Você pode guardar até 15 delas no seu deck e na hora do combate são essas cartas que você selecionou que vão aparecer aleatoriamente.

No início de cada batalha, Even precisa coletar cubos de energia que estão no cenário ou  “minerá-los” nos corpos dos inimigos com o estilingue e a esquiva. Assim que você tiver a  quantidade suficiente para uma full hand (ou “mão cheia”) é só jogar o Dicey e o tempo para. Ali haverá cinco cartas e o número de 1 a 6 que o dado gerou. Esse número serve para que você acesse as cartas que pedem valores diferentes.

É nesse momento que Even vai poder pegar uma espada ou um arco e flecha, ou se curar, ou mesmo colocar armadilhas para os inimigos que estão congelados no tempo.

Só que todas as vantagens são temporárias. Por isso, coletar cubos de energia e jogar o dado é um ciclo constante até que os inimigos sejam derrotados. Pode parecer um pouco complexo de início, mas após dois ou três enfrentamentos você entende não apenas o processo mas como ficar melhor nele. 

Vale dizer que, apesar do gerenciamento das cartas e do fator sorte, é preciso ter bons reflexos no combate tal como em qualquer jogo de ação. Saber onde e quando atacar e se esquivar no timing certo é tão ou mais importante do que ser bom na estratégia. Isso resulta em um loop de jogabilidade muito gostoso e que só não é melhor pela falta de mais cards e mais inimigos. 

Depois de dois terços da campanha, você já adquiriu todas as cartas e já viu todos os minions do game. Infelizmente, a ausência de novidades transforma as batalhas do trecho final da aventura em meras repetições das dinâmicas que você experimentou até ali.

Um conto de fadas sombrio e surreal

Mas se tem algo em que Lost in Random brilha é na parte da apresentação. O visual que lembra clássicos como Estranho Mundo de Jack, James e o Pêssego Gigante e Coraline é um deleite do início ao final. Seja no design dos personagens ou nos cenários distorcidos, a sensação de estar jogando uma animação de cinema é constante. 

Foi mencionado o quanto os intérpretes dos NPCs fazem um bom trabalho, mas a atriz Katey Parr, que faz a Even, é ainda mais excepcional no papel. Tanto o design da protagonista como a voz dela transbordam carisma. De forma geral, o visual e o som de Lost in Random são extremamente atmosféricos e não deixam em nada a desejar.

Vale a pena?

Lost in Random é um game com um potencial incrível e que é tudo, menos convencional. Porém, transparece a falta de mais tempo ou de mais investimento no desenvolvimento. O level design simplista e a ausência de mais conteúdo diversificado no combate geram um produto final que é um pouco mais raso do que deveria ser. 

Outro problema está no pós-game, que não disponibiliza nada que convide o jogador a retornar após zerar. Nem bifurcações da história por meio de escolhas diferentes, nem novos finais ou mesmo uma simples escolha de capítulo no menu para buscar os colecionáveis que ficaram para trás.

Mas, de modo algum, esses são problemas que impedem que eu recomende esse jogo. Durante a campanha de 10 a 20 horas — dependendo do quão complecionista for o jogador —, Lost in Random oferece um combate diferente e viciante e um dos mundos mais marcantes criados em um videogame nos últimos anos.

A dinâmica entre Even e Dicey é fofa e carismática e a busca sincera pelo bem-estar entre irmãs é um tema muito interessante que poderia ser abordado mais vezes em jogos. 

Uma barreira para os jogadores brasileiros pode ser a falta de localização em português, que obriga saber inglês para entender a história — ou pelo menos de espanhol, italiano, francês ou alemão lendo as legendas. Em todo caso, se isso não for um obstáculo para você, dê uma chance a Lost in Random. De forma alguma um jogo perfeito, mas um belo diamante bruto que merece uma sequência maior e mais completa.


Lost in Random está disponível para PS4, PS5, Xbox One, Xbox Series, Switch e PC. Esta análise foi feita usando uma cópia da versão de PlayStation 5 enviada pela Electronic Arts para fins de review.

Nota do crítico