Como manter uma série de jogos anual relevante? Esse questionamento é comum com várias franquias e algo ainda mais comum (eventualmente até uma crítica). Futebol, futebol americano e basquete têm seus jogos que saem todo santo ano e a pergunta sempre é: o que mudou para justificar a compra?

Com F1 2020 não seria diferente, uma vez que a Codemasters lança um jogo anual sobre a Fórmula 1 há uma década. Todavia, os últimos cinco anos seguiram um cronograma que têm funcionado de forma exemplar: depois da adoção de uma nova engine em 2015 e da introdução de um modo carreira que revolucionou o gênero de corrida um ano depois, a cada ano a Codie traz uma novidade que mantém a relevância de seus lançamentos.

Se em F1 2019 tivemos um dos modos carreira mais completos do gênero de corrida (senão o mais completo) e a introdução da Fórmula 2 como categoria jogável, para comemorar os 70 anos da categoria o F1 2020 vai além e permite que você alinhe o seu próprio carro no grid, tendo a sua equipe como a décima primeira força da categoria máxima do automobilismo. Isso pode ser feito no modo “My Team” (Minha Equipe), o que parece ser especialmente atrativo em um ano bastante peculiar como 2020.

Sendo assim, a ideia de poder viver a Fórmula 1 de uma forma que ela não aconteceu parece ser bastante atrativo e o plano da Codemasters de buscar a perfeição trilhando um passo de cada vez parece estar funcionando muito bem… Mas será que continua valendo para F1 2020? Será que essa continua sendo a melhor experiência da Fórmula 1 que temos em muito tempo?

Hora de descobrir.

Modo carreira: Uma experiência menos narrativa

Uma das grandes novidades do F1 2019, além da F2, foi a adoção de uma abordagem mais focada em narrativa para o modo carreira, o grande atrativo do game. Basicamente, você começava o seu modo carreira enfrentando alguns cenários pré-definidos que construíam uma rivalidade e uma amizade entre você e outros dois pilotos da categoria que perdurava até a ida dos três para a Fórmula 1 – mas não ia muito além disso.

Para F1 2020, há uma mudança substancial de tom: fica a Fórmula 2 (com o grid atualizado de 2019), mas sai a historinha e entra um foco bem maior na experiência “mãos na massa”. Até mesmo os carros clássicos, que eram inseridos de forma contextualizada, agora aparecem bem menos durante o modo carreira.

Embora o processo inicial continue exatamente o mesmo, com você criando o seu “eu” virtual – podendo escolher poses de comemoração, inclusive –, logo você é apresentado ao modo “Minha Equipe”, a grande estrela do game este ano e sobre a qual falarei mais à frente no texto.

F1 2020
Divulgação/Codemasters

Lógico, o modo carreira no estilo tradicional, chamado de “Carreira de Piloto”, no qual você escolhe uma das dez equipes existentes e trilha seu caminho, continua lá – assim como outros modos clássicos, como o “Grand Prix”, “Campeonatos” e “Tomada de Tempo”.

Sobre a carreira de piloto, especificamente, a estrutura básica permaneceu quase inalterada em relação ao F1 2019. Como dito anteriormente, não há mais a parte da história e tudo acontece de forma bem mais objetiva: você escolhe se começa na F2 participando de 3 corridas, de uma meia temporada ou da temporada completa da categoria, ou se começa de vez na Fórmula 1 em uma carreira que pode durar até 10 temporadas.

A partir daqui, o modus operandi é bem conhecido, salvo por mudanças sutis: você agora conta com benefícios do seu piloto, que funcionam como buffs de estatísticas. Com uma quantia do seu fundo de benefícios, você pode escolher algumas melhorias que afetam aspectos como o desgaste de componentes do carro da sua equipe, aumentam a quantidade de fama (uma espécie de ponto de experiência), desbloqueiam respostas para as entrevistas – que estão bem mais frequentes – e por aí vai.

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Vale apontar que essas entrevistas ajudam você a estreitar seu relacionamento com a sua equipe de pesquisa e desenvolvimento. Isso é importante porque, assim como nos games anteriores, você continua a direcionar os esforços da sua equipe e buscar a melhoria do carro, usando os pontos de recurso que são adquiridos por meio da conclusão dos programas de treinamento e, claro, pelos bons resultados na pista.

Dependendo das suas respostas, os quatro grupos podem pedir menos recursos para o desenvolvimento de uma nova peça, ou desenvolvê-la mais rápido e com menor chance de falha. É uma mecânica bem amarradinha e que funciona bem, apesar de as entrevistas saturarem meio rápido.

F1 2020
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Já a fama ajuda a sua progressão na carreira, aumentando o interesse das outras equipes e valorizando seu passe no mercado de pilotos. É importante ressaltar também que agora você tem a opção de escolher a duração da temporada: é possível participar das 22 etapas, ou jogar competições mais curtas, com 16 ou 10 provas.

Caso opte por fazer uma temporada menor, você pode escolher as pistas nas quais vai correr e isso inclui os dois novos circuitos: o de de Zandvoort, nos Países Baixos, que foi reformado e retorna para a Fórmula 1 (pelo menos virtualmente) depois de 15 anos; e o novíssimo percurso de rua de Hanoi, que sedia o inédito Grande Prêmio do Vietnã.

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Na pista mesmo, pouca coisa muda. Os já citados programas de treinamento, um dos recursos mais fantásticos já introduzidos no gênero de corrida, ajudam de fato o jogador a melhorar.

Para quem nunca jogou, é válido explicar: a aclimatação de pista vai te ensinar sobre o melhor traçado; a gestão de pneus ajuda a aprimorar os seus inputs de direção, aceleração e freio; a gestão de combustível mostra quando ser mais conservador na condução; a gestão de ERS permite identificar os melhores momentos para despejar toda a potência do carro; o teste de classificação combina o que foi ensinado nas etapas anteriores para buscar o melhor tempo (e um lugar melhor no grid); e, por fim, a simulação de corrida consolida o aprendizado, garantindo sua evolução constante como piloto.

A genialidade disso está em usar uma parte que antes não tinha qualquer uso em jogos de corrida e torná-la essencial tanto no progresso da carreira quanto na melhoria das suas habilidades. Ainda assim, quase tudo está fundamentalmente igual aos jogos anteriores: você corre, conquista resultados, melhora seu carro e, caso queira, pode mudar entre uma temporada e outra – em um processo de renovação bem mais simples que o do F1 2019.

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Divulgação/Codemasters

No entanto, o “quase” é porque nos menus entre as corridas é possível perceber algumas mudanças. Uma revelação do carro, o status das instalações da sua equipe… E é aí que entra o modo Minha Equipe.

Minha Equipe: piloto e o dono ao mesmo tempo

Embora o “Carreira de Piloto” continue sendo uma experiência legal, o grande atrativo para F1 2020, indiscutivelmente, é o modo Minha Equipe – ou “My Teams” se você morar do lado de lá da rua.

Na pista, o Minha Equipe é praticamente igual ao modo carreira tradicional descrito acima. Fora dela, a experiência é significativamente mais robusta.

A diferença já é percebida no primeiro acesso ao modo: você dá um nome a sua equipe e, a partir daí, deve escolher o patrocinador principal. Isso será fundamental para definir o orçamento inicial do seu time, que afeta a escolha do seu fornecedor de motores. Honda, Renault, Mercedes e Ferrari se alternam em preços e estatísticas como potência e durabilidade.

Definido o “coração” do seu carro, você deve escolher quem será o seu companheiro de equipe. É claro que uma escuderia iniciante, com dinheiro contado, não pode sair por aí contratando o Lewis Hamilton, então você conta com pilotos da Fórmula 2 para lhe fazer companhia – entre eles, o mineiro Sérgio Sette Câmara, que foi a minha escolha.

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Aqui entra um aspecto que também existe no modo carreira, mas ganha importância fundamental no Minha Equipe: cada piloto tem uma nota baseada em estatísticas como experiência, pilotagem, atenção e ritmo, que vão evoluindo de acordo com a progressão do piloto e da sua carreira.

Uma das novidades que o modo trouxe também para o F1 2020 foi uma customização mais ampla: agora, além do design do carro, do macacão, das luvas e do capacete, é possível definir também as cores e o escudo da sua equipe. Itens cosméticos adicionais já são esperados como parte de pacotes pagos.

Depois de tudo definido, você vai para uma entrevista inicial que contextualiza um pouco da sua entrada na Fórmula 1 e relembra outros casos de donos/pilotos de equipe (como foi o caso do saudoso Bruce McLaren) e, então, chega a hora revelar oficialmente o seu carro.

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Entre os GPs, você tem a oportunidade de experimentar a nova camada de complexidade de gerenciar uma equipe. É possível adquirir melhorias para seis diferentes setores, sendo quatro deles oriundos da árvore de pesquisa e desenvolvimento: cadeia cinemática (motor), durabilidade, aerodinâmica e chassis. Além deles, entram as áreas de pessoal e marketing, que cuidam do desenvolvimento do seu segundo piloto e aceleração no ganho de recursos, respectivamente.

Vale dizer que é muito interessante acompanhar a evolução visual dos complexos à medida que você vai adquirindo novos níveis de melhoria: o que antes era um engenheiro segurando uma mangueira para avaliar a aerodinâmica, por exemplo, se torna um grande e pomposo túnel de vento e o simuladorzinho básico numa televisão vira uma sala gigantesca de testes virtuais. É bacana de se ver.

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Porém, nada disso acontece se você não tiver dinheiro – e existe uma aba exclusiva para cuidar desses assuntos. Você deve gerenciar os contratos de patrocinadores, que garantem pagamentos semanais e bônus vinculados a resultados específicos, então é bom escolher com sabedoria e alinhado com o que você acredita que sua equipe é capaz de fazer.

Além disso, você também cuida de assuntos mais cotidianos, como a agenda de atividades da sua equipe entre as corridas. Elas contribuem para diversos aspectos, como o ganho de experiência do seu segundo piloto em sessões de treino no simulador, ou um evento de confraternização com o setor de durabilidade que aumenta a moral do grupo e coisas do tipo.

Quanto mais seu time evolui, é possível contratar outros pilotos para serem seus companheiros de equipe, então sim: você poderá ter os grandes nomes da Fórmula 1 dirigindo seu carro, eventualmente.

F1 2020
Divulgação/Codemasters

Durante o processo de análise, em um modo mais rápido com corridas mais curtas, cada Grande Prêmio levava cerca de uma hora para ser completado. Considerando que uma temporada pode ter até 22 corridas e que dificilmente você vai transformar sua equipe na Mercedes de primeira, você já sabe que terá umas boas dezenas de horas de diversão pela frente. Você continua podendo simular sessões e corridas também, caso prefira pular alguma etapa, mas ao custo de ganhar menos recursos e ter resultados piores.

Um dos meus pontos aqui é que, apesar de ser divertido e, como acontece todo ano, ser uma funcionalidade bastante relevante, é difícil dizer que isso por si só justifica a compra de F1 2020 para quem já tinha o F1 2019.

Gráficos, sons e jogabilidade: quase inalterados

Um dos fundamentos da Codemasters para os jogos da Fórmula 1 é manter o que está funcionando sem mudar muito. Salvo por mudanças sutis na parte gráfica (como melhoria em alguns shaders e efeitos de oclusão), o que se vê em F1 2020 é um jogo praticamente idêntico ao seu antecessor. Isso significa que ele continua sublime e, em alguns casos, como nos replays no GP do Bahrein, a qualidade visual faz até você pensar que é a corrida é real.

Mas nem tudo são flores e aqui também vem a primeira escorregada do game: os pop-ins de texturas foram mais frequentes, seja nas pinturas dos carros, seja nos elementos de ambiente, seja nas pinturas de capacetes. Apesar de um desempenho sólido (o jogo foi testado em um PlayStation 4 Pro) em termos de taxa de frames, com quedas de frames muito pontuais, os tempos de loading são torturantes em alguns momentos.

F1 2020
Divulgação/Codemasters

Na parte de som também rola uma derrapada, apesar de novos efeitos de reverberação espacial (perceptível quando você passa perto de paredes) e o caso do som da torcida nas áreas mais densas de arquibancadas. Boa parte dos diálogos continua reciclada dos jogos anteriores e apresenta os mesmos problemas de dessincronização e artificialidade. Além disso, algumas localizações também ficaram estranhas, como foi o caso da tradução do E.R.S como “érs”.

Tanto no visual quanto no áudio, F1 2020 continua uma experiência bem imersiva, mas são os detalhes que ainda o impedem de pode ser considerado impecável.

Na parte de jogabilidade, infelizmente não é possível dizer como a versão final do game se comporta no volante – uma perspectiva que é fundamental para os fãs mais dedicados do gênero. Ainda assim, mesmo com o controle do PlayStation 4 bem longe do melhor para jogos de corrida, a experiência pode ser proveitosa.

Uma das novidades aqui fica pela introdução do modo casual, que simplifica bastante as coisas e se alinha com a proposta da Codemasters de promover o F1 2020 como uma porta de entrada para aqueles que não têm tanta familiaridade ou costumam ter dificuldade com jogos do gênero.

F1 2020
Divulgação/Codemasters

Esse modo pode ser aplicado antes da corrida e, basicamente, torna mais fácil pilotar em superfícies fora da pista, simplifica opções de assistência e é recomendado para pilotos que vão jogar com a dificuldade da inteligência artificial em 50 ou menos.

Para fins de referência, a análise foi feita utilizando o controle de tração no médio, ABS ligado e a dificuldade no 90 pareceu a mais adequada, com todas as demais assistências desligadas.

Tela dividida: multiplayer de sofá de volta e foco no competitivo

Apesar de durante o período de análise ter sido praticamente impossível testar os modos online, uma das coisas que mais chamam a atenção na aba do multijogador são as opções de modos com e sem ranking e também dos eventos focados no F1 Esports, o que mostra uma atenção maior da Codemasters no aspecto competitivo do game.

A grande novidade aqui, no entanto, é o retorno do multiplayer de sofá, com o modo em tela dividida. Como falamos no preview do F1 2020, o time de desenvolvimento ressaltou o esforço de contornar as dificuldades técnicas de conciliar um bom desempenho e oferecer uma experiência digna da Fórmula 1 para dois jogadores localmente.

F1 2020
Divulgação/Codemasters

Edição especial mais comedida

Um último aspecto que causou um pouco de estranheza foi a edição especial foi bem mais tímida. Enquanto no ano passado tivemos uma sessão inteira dedicada à rivalidade entre Ayrton Senna e Alain Prost, este ano o tributo a Michael Schumacher acrescenta apenas alguns conteúdos de customização ao jogo e os carros clássicos do heptacampeão, que aparecem muito pouco durante a jogatina.

Ainda que mal aproveitada, em F1 2019 a história estava lá e neste ano ela sequer apareceu, o que é uma pena e uma falta ainda mais sentida quando se trata do maior vencedor da categoria no momento em que o game chega às lojas.

Continua valendo a pena?

Considerando tudo, chegamos ao ponto em que a questão permanece: F1 2020 vale a pena?

A resposta não é tão simples quanto no passado. Claro: assim como seus antecessores, o jogo dá outro passo à frente, com uma camada bem-vinda de complexidade ao modo carreira com a adição do “Minha Equipe”. Porém, a mudança de tom parece ter sido mais brusca em relação aos antecessores, enquanto as novidades parecem menos atrativas e com menor impacto do que vimos no F1 2019, por exemplo.

Sendo assim, desenham-se três situações possíveis. Se você é um fã de carteirinha da categoria ou tem um grande foco no multiplayer competitivo, não há qualquer motivo para não comprar o game logo de cara (com ressalvas para a versão Deluxe).

O mesmo vale para você que é mais casual e que nunca jogou ou estava há muito tempo sem jogar um game da Fórmula 1 e gostaria de ter um jogo de corrida da categoria na estante: F1 2020 é a porta de entrada perfeita com o multiplayer em tela dividida, o modo casual e o modo carreira mais profundo do gênero de corrida.

Agora, se você gosta da Fórmula 1, já tem o F1 2019, mas não sai pulando alucinado ou alucinada por aí quando o tema de Brian Tyler começa a tocar, pela primeira vez fica claro que talvez seja bom reconsiderar a compra imediata do game e deixar para adquirir quando sair uma promoção.

Não entendam mal: F1 2020 dá, dentro do possível, continuidade a tudo que seus antecessores fazem bem. Ele é visualmente primoroso, a parte de áudio é excelente e a jogabilidade também é ótima – sendo um dos simcades mais abrangente do casual ao entusiasta – e ele continua sendo a melhor e mais imersiva experiência de Fórmula 1 nos games… Mas é tudo isso tanto quanto os jogos anteriores também foram, só que com uma força menor.

Não se engane: não é “mais do mesmo”... Mas, pela primeira vez, passou mais perto de ser.

  • Lançamento

    10.07.2020

  • Publicadora

    Deep Silver

  • Desenvolvedora

    Codemasters

  • Gênero

    Corrida

  • Testado em

    PlayStation 4

  • Plataformas

    PlayStation 4 Xbox One PC

Nota do crítico