Você já sentiu o pesar de nunca mais poder viver um momento específico como se fosse a primeira vez, certo? Ouvir aquela harmonia maravilhosa em uma música até então desconhecida. Chorar com o desfecho surpreendente de um filme. Ter um dia perfeito acompanhado das pessoas certas. Acordar em uma mansão sem qualquer memória a respeito do próprio passado.

Sim! Esse é o começo de The House in Fata Morgana. O personagem do jogador, uma pessoa que não enxergamos, desperta em uma mansão decadente, mas não tem a menor ideia a respeito de quem é. A primeira escolha do jogo? Dar bom dia ou ignorar uma mulher misteriosa conhecida apenas como The Maid, que se refere ao protagonista como mestre.

A empregada em The House in Fata Morgana.

The Maid. Minha heroína eterna. Inesquecível. 

Ah, como eu era inocente quando cheguei a esse mundo... O talento do autor Keika Hanada para dar novos significados a acontecimentos já testemunhados beira o inacreditável. É impossível entender quão importante é essa primeira escolha do jogo, a menos que você saiba tudo o que aconteceu; conheça todos os pontos de vista, como diria certo personagem.

The House in Fata Morgana é uma história digna da atenção desta e de futuras gerações. Um ensaio sobre empatia e identidade cheio de alegorias brilhantes em meio a uma realidade visceral. Injustiça e sofrimento são regra durante a maior parte do tempo, mas há beleza no que existe além. Seja no mundo deles ou no nosso.

Menina de cabelos brancos e empregada.

A Menina de Cabelos Brancos e The Maid. 

Quase toda a história do jogo gira em torno de oito personagens: Nellie, Mell, Pauline, Yukimasa, Jacopo, Maria, The Maid e, evidentemente, a Menina de Cabelos Brancos, personagem cuja codificação é de suma importância para a história. Tive até de parar um pouco e respirar ao escrever sobre ela.

O elenco pode parecer pequeno, mas, como você já sabe, Hanada faz questão de ressignificar todos eles com o tempo, assim como os acontecimentos que os envolvem. Então, a sensação dificilmente vai ser de repetição. Cada nova oportunidade de encontrar essas pessoas traz consigo revelações assustadoras e muita, mas muita tristeza. É quase como se eles estivessem destinados a sofrer ou causar sofrimento, embora a verdade seja muito mais complexa.

Casal da terceira história.

Eu não chorei com essa imagem; você chorou.

Você reparou que a identidade do/da protagonista não foi revelada até aqui. Né? E nem será, evidentemente. Afinal, o jogador precisa descobrir por si mesmo a importância que o nome dessa pessoa carrega. Precisa sentir na pele o peso da autodeterminação em um contexto que você talvez menospreze, por nunca ter visto de perto.

E o mais impressionante? Há dicas disso ao longo de toda a história. Não é forçado. Não é apenas para chocar. Foi planejado desde sempre e, quando acontece, você descobre algo que consegue deixar qualquer pessoa sedenta por vingança. Uma história que está longe de ser incomum em nossa realidade.

A janela de The House in Fata Morgana.

A janela mais importante na história dos games?

Por que você deveria se segurar mesmo diante de uma atrocidade? Ou, no caso, de tantas atrocidades? Em que momento justiça se torna vingança? Até que ponto o rancor não é justificável? Por que há quem se recuse a permitir que as pessoas sigam os caminhos que escolheram? Como você se recupera ou aprende a conviver com um trauma? Por que temos de ceder tanto para alcançar tão pouco? Quando liberdade e dinheiro se tornam praticamente sinônimos, como garantir a própria dignidade?

As histórias de The House in Fata Morgana levantam uma série de questões. Sobre as relações humanas. Sobre a estrutura da sociedade. Sobre religião. Sobre quem somos e como isso pode gerar conflito com a maneira como nos enxergam ou querem nos enxergar. Há como discutir o jogo por infinitos recortes. Esse é um universo que conta com elementos mágicos, mas propõe discussões sobre a realidade em que você e eu vivemos. Em que outras pessoas vivem. Em que muitas pessoas lutam pelo direito de simplesmente ser quem são.

Silhuetas se abraçando.

Pessoas sempre precisam de outras pessoas, né?

Não bastasse a profundidade do texto, as artes de The House in Fata Morgana são incríveis. Os personagens são desenhados de maneira surpreendentemente expressiva e marcante. Os cenários, muitas vezes bem abstratos, combinam perfeitamente com a obra, já que cada história contada é vista a partir de projeções das almas dos envolvidos. E a trilha sonora... Nossa, sem palavras.

Apesar de ser um jogo japonês com tradução apenas para o inglês, as músicas de The House in Fata Morgana são, por incrível que pareça, em português. Há algumas faixas em outros idiomas, mas a maior parte é em português mesmo. Aparentemente, tanto os compositores quanto os cantores não eram fluentes no nosso idioma, mas, ainda assim, fizeram um esforço — e é gratificante sempre que entendemos algumas das palavras ou compreendemos o tema geral de cada canção. Basta conferir na playlist do vídeo abaixo.

The House in Fata Morgana é uma obra-prima. Um exemplo de sensibilidade e sofisticação narrativa. Se você, assim como eu, não tem o menor interesse por Visual Novels, pense no jogo como um livro interativo que usa uma linguagem clichê no início apenas para fisgar a atenção dos que já se sentem naturalmente atraídos por histórias do gênero. Há muito, mas muito mais do que você imagina em jogo nessa aventura brutal e maravilhosa.

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The House in Fata Morgana
  • Lançamento

    13.05.2016

  • Publicadora

    MangaGamer

  • Desenvolvedora

    Novectacle

  • Censura

    18 anos

  • Gênero

    Visual novel, terror

  • Plataformas

    iOS Nintendo Switch Nintendo 3DS PlayStation Vita PlayStation 4 PC