Em 22 de março de 2021, a série Resident Evil completou oficialmente 25 anos, sendo provavelmente a franquia mais popular e influente da Capcom - certamente a de maior sucesso de vendas, com 105 milhões de cópias.

Neste quarto de século, a franquia passou pelos mais diversos tipos de mudanças e reinvenções, da verdadeira revolução mecânica de Resident Evil 4, até as experiências coop de RE5 e 6, e a volta às origens do horror em uma perspectiva em primeira pessoa de Resident Evil 7.

E nada mais justo, já que que o próprio Resident Evil original é, de certa forma, uma reinvenção de um game dos anos 1980, que nunca deixou o Japão, mas que trazia várias das ideias que jogadores veriam no PlayStation e além.

Pois antes de Resident Evil, a Capcom tinha Sweet Home.

Lançado em 1989, Sweet Home é um jogo de Famicom desenvolvido por uma das figuras mais importantes da empresa, mesmo naquela época: Tokuro Fujiwara.

Durante a década de 80, Fujiwara teve envolvimento com alguns dos títulos mais populares da Capcom, incluindo Ghosts 'n Goblins, Bionic Commando e Strider, além de servir como produtor da série Mega Man.

Em 89, ele recebeu como missão desenvolver uma adaptação para o mundo dos videogames do filme de terror Sweet Home, da Toho, que foi lançada no mesmo ano no Japão.

O filme é centrado em um grupo de cinco pessoas - o diretor Kazuo, a produtora Akiko, o cinematógrafo Taguchi, a repórter Asuka e a jovem Emi (filha de Kazuo) -, que visitam a mansão abandonada do artista Ichiro Mamiya, que desapareceu misteriosamente 30 anos antes dos eventos da história.

Em busca de uma pintura em afresco de Mamiya, o quinteto acaba perturbando o espírito da esposa do artista e... coisas ruins acontecem.

(O filme está no YouTube com legendas em inglês)

Sweet Home não é exatamente um clássico eterno do horror japonês, mas é um filme divertido e com alguns efeitos especiais excelentes e perturbadores, então vale a pena checar caso você tenha 2 horas livres.

Fujiwara usou a ideia central do filme para a criação de RPG com temática sobrenatural. No jogo, é possível formar uma equipe com os cinco personagens, sendo que cada um tem uma habilidade especial que pode ser utilizada para resolver quebra-cabeças ou formas de seguir em frente na mansão abandonada..

Algumas dessas habilidades, inclusive, seriam reutilizadas no irmão mais famoso de Sweet Home: Emi, por exemplo, conta com um item para desbloquear portas, enquanto Kazuo tem um isqueiro como objeto principal.

Além disso, os personagens têm espaço limitado em seu inventário, o que leva o jogador a ter que deixar certos objetos e itens importantes em locais estratégicos para, quando necessário, voltar e pegá-los para usar no momento ideal.

O jogo conta até com uma animação de porta sendo destrancada e aberta para revelar uma nova área.

É claro, por ser um RPG o jogo conta com suas próprias tendências, incluindo random encounters - com inimigos que incluem zumbis -, ganho de experiência e coisas do tipo, mas ele também se diferencial do típico jogo do gênero ao implementar uma mecânica de morte permanente: se a saúde de um dos personagens chegar a 0, ele morre. Sem Phoenix Downs para reviver o companheiro caído.

E, como o predecessor de Resident Evil que é, os itens de cura são bem raros de se encontrar.

Sweet Home acabou não sendo um sucesso nem no Japão, e por isso mesmo a Capcom nunca o levou para outros mercados.

Mas foi justamente por ter ideias a frente de seu tempo que o projeto continuou na cabeça de Fujiwara mesmo anos depois de ser lançado.

No início dos anos 1990, vendo que a indústria agora contava com hardware bem mais poderoso a sua disposição, Fujiwara se aproximou de um de seus subalternos, um jovem designer chamado Shinji Mikami, com a ideia de refazer Sweet Home para uma nova geração de consoles.

Mikami, que a este ponto de sua carreira tinha trabalhando principalmente em adaptações de propriedades da Disney, respondeu com um enfático "não".

Por que? Ele não gostava de ficar assustado.

Por isso mesmo, de acordo com Fujiwara, ele era a pessoa ideal para chefiar aquele projeto.

Com o passar do tempo, o projeto mudou de cara, deixou de ser um remake direto de Sweet Home, e adotou um novo estilo com criaturas menos sobrenaturais, mas ainda mantendo a estética de casa assombrada de seu predecessor.

Resident Evil
Capcom/Divulgação

Com isso, em março de 96, a Capcom lançou o primeiro Resident Evil - conhecido como Biohazard no Japão -, e o sucesso foi instantâneo. Graças ao salto gráfico e hardware mais avançado muito dos conceitos apresentados em Sweet Home haviam se potencializado, e o visual em 3D conseguia imergir e aterrorizar o público de forma muito mais impactante do que os sprites vistos no game de Famicom.

Ainda assim, muitas das fundações já estavam presentes em um obscuro jogo dos anos 1980. Mesmo anos depois, Mikami - agora visto não só como um dos grandes designers de games da indústria como também um mestre de horror - cita Sweet Home em tom de reverência, chamando-o de uma "obra-prima".

Infelizmente, enquanto o primeiro Resident Evil foi remasterizado, refeito e relançado para as mais diversas plataformas, a única forma de alguém que não tenha um Famicom de jogar Sweet Home é via emulação, com traduções de fãs por grupos como a Gaijin Productions em 2000 e TheSiege em 2017.