Dizer que a BioWare de 2019 está longe dos tempos de glória do estúdio, a este ponto, é chover no molhado.

... Mas dane-se: a reputação da BioWare de 2019 não lembra em quase nada até o mesmo a do estúdio de cinco anos atrás.

Mesmo em 2014, após Dragon Age II e Mass Effect 3 terem sido duramente criticados  o primeiro por ser claramente um trabalho feito às pressas, e o segundo pelo final insatisfatório , a desenvolvedora canadense ainda conseguiu encontrar sucesso de crítica e público com Dragon Age: Inquisition, que chegou até a conquistar o prêmio de Jogo do Ano na primeira edição do The Game Awards.

Ainda que fosse um ano considerado relativamente fraco para grandes lançamentos, com a então nova geração de consoles apenas começando a engrenar, o jogo ainda conseguiu deixar uma boa marca, e ajudar a restaurar a reputação que a BioWare tinha ao final da década passada, do estúdio responsável por títulos históricos e aclamados como Baldur's Gate e Star Wars: Knights of the Old Republic.

Isso não foi bem o que aconteceu.

Em 2017, a BioWare Montreal lançou Mass Effect: Andromeda, um reboot que planejava reestabelecer a franquia após todos os problemas de ME3. O resultado final foi um jogo marcado por uma história desinteressante e sem foco, personagens esquecíveis e as terríveis e hilárias animações faciais, que por ora enterrou qualquer interesse na série.

E enfim, em 2019, chegamos a Anthem.

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BioWare/Divulgação

Desenvolvido pela BioWare Edmonton, o estúdio original da empresa e responsável pelos seus títulos clássicos, o projeto que viria a se chamar Anthem trazia grandes ambições para a companhia, ganhando até o codinome de Dylan, em referência ao cultuado e influente músico americano Bob Dylan.

Anthem, porém, só pode ser comparado à decadência de Dylan nos anos 1980, ou no máximo com a sensação dos fãs que se sentiram traídos quando ele começou a usar instrumentos elétricos.

Após um teaser em 2014 (ano em que a EA não mostrou praticamente nada na E3) e revelado oficialmente em 2017, Anthem parecia ser o equivalente de Destiny para a Electronic Arts, sendo um jogo como serviço multiplayer online com aspectos de ficção científica.

Mesmo em 2018, quando foi possível testar o jogo, a reação geral foi um tanto tépida.

E ficava a pergunta: será que um estúdio conhecido principalmente por experiências singleplayer (ainda que tivessem a ajuda da BioWare Austin, de Star Wars: The Old Republic) conseguiria lançar um jogo com ênfase no multiplayer, cooperativo ou competitivo?

Bom... Não.

Anthem foi um dos primeiros grandes lançamentos de 2019, e uma das primeiras grandes decepções. Vazio, sem foco, com um gameplay pouco interessante e com algumas atividades a se fazer, mas nenhuma delas particularmente especial.

É impressionante, de certa forma, o quanto a experiência de jogar Anthem não agrega nada ao jogador, ao ponto de ter basicamente sumido da minha mente até ser relembrado quando a redação do The Enemy planejava sua lista de maiores decepções.

A recepção negativa, combinada com seus próprios problemas técnicos, essencialmente aniquilou os planos da BioWare para os próximos meses, e o roadmap do jogo foi abandonado pouco tempo depois.

Em abril, uma reportagem de Jason Schreier para o site Kotaku revelou mais do conturbado processo de desenvolvimento do jogo, que parece ter perdido qualquer rumo após a saída do diretor Casey Hudson, que anteriormente havia chefiado com sucesso os projetos de KOTOR e a trilogia Mass Effect.

Sem uma coordenação central, o jogo logo ficou sem foco e direcionamento, ao ponto que pouco antes do anúncio oficial, ele deveria se chamar Beyond, e não Anthem.

Pior, a reportagem de Schreier indica que os sucessos passados criaram uma sensação indevida de superioridade, com muitos (especialmente na chefia) esperando que tudo se encaixasse no final pela "Magia BioWare", como foi o caso com Dragon Age: Inquisition.

No fim, a magia pareceu ter se perdido em algum lugar.

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BioWare/Divulgação

Hudson acabou retornando à BioWare anos depois, desta vez como Gerente Geral dos estúdios, e após a publicação da reportagem prometeu trabalhar para melhorar os problemas dentro do estúdio.

A este ponto, às vésperas do início de 2020, é difícil saber o que esperar do futuro de Anthem, embora fontes digam que a BioWare ainda não desistiu do jogo.

Na melhor das hipóteses, o game ganhará uma ressurgência tal qual No Man's Sky. Na pior, ele simplesmente cairá no esquecimento.

Enquanto isso, a produtora encontra-se no ponto mais baixo desde sua fundação. Qualquer confiança gerada pelos clássicos do passado foi minada pelos fracassos do presente.

Não só isso, a BioWare parece perder cada vez mais espaço e relevância ao se comparar com outros estúdios de RPG, particularmente a CD Projekt RED, que poucos meses após o lançamento de Dragon Age: Inquisition trouxe o ainda mais aclamado The Witcher 3: Wild Hunt, e está prestes a lançar um dos títulos mais esperados de 2020 com Cyberpunk 2077.

Até desenvolvedoras menores como o Larian Studios, de Divinity, e a ZA/UM, de Disco Elysium, demonstram oferecer mais ao público. Não é à toa que o primeiro está trabalhando em Baldur's Gate III, novo jogo da série que colocou a BioWare no mapa.

Já sabemos que um novo Dragon Age está em produção, e aparentemente há planos de desenvolver um novo Mass Effect, mas está claro que estes títulos tem que ser sucessos certeiros para garantir a relevância - e até sobrevivência - do estúdio.

Se há algum lado positivo, é que ao menos The Old Republic ainda tem um público dedicado, com o MMORPG próximo de chegar a US$ 1 bilhão em arrecadamento desde seu lançamento, em 2011. Certamente não é um número tão impressionante quanto os mais de US$ 9 bilhões que a Blizzard arrecadou com World of Warcraft até 2017, mas em um ano com tantos negativos, ainda serve de pequeno consolo.