Após assistir a uma demonstração de Deathloop, algumas coisas ficaram sobre o novo jogo da Arkane Studios parecem bem mais claras.

Outras, se ainda não elucidadas, pareceram um pouco mais confusas, sendo o tipo de coisa que parece ser difícil de descrever em uma demonstração de uma hora e meia à distância, e mais intuitivo ao deixar o jogo falar por si só via a interação com suas mecânicas e regras.

Ainda assim, após assistir ao jogo em ação, junto das minhas próprias expectativas quanto ao calibre de um dos estúdio mais subestimados da indústria de games, não deixo de ficar intrigado com a mistura de ideias que compõem Deathloop - mesmo que seja um pouco difícil de saber como (e até que ponto) elas conversam entre si.

Deathloop é o próximo jogo da Arkane Lyon, estúdio que, nos últimos anos, trouxe alguns dos melhores jogos que - a meu ver - não tiveram o reconhecimento devido pelo público e, até certo ponto, à crítica do mundo dos games.

O primeiro Dishonored é um excelente retorno e reinvenção de games como Thief, repletos de espaços abertos e variados e jogabilidade com habilidades especiais que podem ser usadas tanto para matar inimigos de maneiras terríveis (e inventivas) até se esgueirar furtivamente sem causar nenhuma morte - mas, potencialmente, muita dor.

Dishonored 2 junta isso com possivelmente o melhor design de fases dos últimos anos, com verdadeiras obras de arte na forma da Mansão-Relógio e o casarão com passagens que permitem o jogador a voltar no tempo, mapas inventivos e divertidos de se explorar.

Prey, por sua vez, é essencialmente System Shock 3 antes de System Shock 3 ser anunciado (e deve continuar a ser o único por algum tempo).

Ao assistir o gameplay de Deathloop, é possível ver claramente as mecânicas e conceitos de Dishonored, com habilidades diferentes e esotéricas a seu dispor.

Mas, como o diretor Dinga Bakaba ressalta, este não é apenas um "Dishonored com armas de fogo", e sim também um quebra-cabeças de assassinato, com o jogador tendo uma ilha inteira - e, de certa forma, um tempo inteiro - para explorar.

Em Deathloop, o protagonista é Colt, um homem que acorda em uma praia da misteriosa ilha de Blackreef. Sem memória, ele logo descobre que está em um loop temporal, revivendo constantemente o mesmo dia eternamente.

Para quebrar o ciclo, ele precisa, um único dia, eliminar todos os Visionários, grupo de 8 pessoas com habilidades especiais e que tem como objetivo manter este loop para sempre.

Assim, o jogo consiste em um ciclo - que, pelo visto, vai ser uma palavra muito usada para descrever este jogo - de experimentação, análise e execução, não só descobrindo sua forma ideal de matar seus alvos, como também qual é a ordem mais efetiva para fazer isso.

E, se você morrer, deve reiniciar o ciclo de assassinatos.

Pelo que foi mostrado até o momento, Deathloop pode ser descrito como um "roguelite", mas ele talvez seja o mais lite dos roguelites de que se tem notícia: graças a um misterioso elemento conhecido como Residuum, que Colt encontra em determinado momento da trama, é possível trazer de volta suas armas, poderes e acessórios de um loop para outro.

Ao contrário de jogos como The Legend of Zelda: Majora's Mask e Outer Wilds, também não há uma contagem regressiva para o fim do ciclo, para que o jogador não se sinta pressionado a não fazer algo - ou fazer algo no desespero - porque o tempo está acabando.

A ideia, a julgar pela visão de Bakaba, é de não causar frustração ao jogador para o caso de ter que começar o loop mais uma vez, e usar isso mais como mais um passo na solução desse quebra-cabeças de morte.

Não só isso, em muitos casos é até bom voltar para o início do ciclo para ter uma chance melhor de matar seu alvo.

Durante o trecho de gameplay mostrado, Colt deve eliminar um dos Visionários, Aleksis, que organiza uma festa canibal durante a noite. O problema é que - semelhante a uma fase memorável do Dishonored original - todos os convidados usam a mesma máscara de lobo, sendo difícil identificar o alvo à primeira vista.

É possível matar todos na festa para resolver este problema da forma mais direta possível, mas como demonstrado no próprio vídeo de gameplay, é mais fácil falar do que fazer isso. Sendo assim, uma abordagem mais furtiva pode ajudar o jogador a encontrar uma forma mais fácil de matar Aleksis.

E, mesmo tendo sido morto no ciclo anterior, uma fonte de informação que pode ser encontrada em outro local durante o período da tarde pode ser a chave para eliminar Aleksis, criando algo semelhante às oportunidades de assassinato de Hitman.

O curioso é que o método encontrado durante o teste é completamente diferente, por exemplo, do que é visto no trailer abaixo, em que Colt consegue atrair outro Visionário para a festa de Aleksis, e matar os dois em um único local.

Sendo assim, parece que a Arkane criou uma série de formas diferentes de eliminar todos os alvos, e o jogador pode (ou não) estudar suas diferenças a cada loop.

Não só isso, os diferentes poderes que o jogador adquirir para Colt tem um impacto no seu próprio estilo de jogo e formas de eliminação: Resume dá ao jogador um número de tentativas maior ao ser morto antes de recomeçar um ciclo; Shift é essencialmente o Blink de Dishonored; Aether dá invisibilidade temporária; Karnesis permite a manipulação de objetos e inimigos; e por aí vai.

Por se passar em um loop temporal, as rotinas dos personagens de Blackreef se mantém geralmente as mesmas, com uma exceção importante...

Julianna

Julianna Blake é outro elemento caótico em Deathloop, mas seu impacto tende a ser negativo para Colt.

Tal qual nosso protagonista, Julianna também está deslocada do eterno loop temporal. Ao contrário de nosso protagonista, porém, seu objetivo é manter o ciclo rolando, o que significa que ela está constantemente caçando (e matando) Colt neste tempo.

E ela, potencialmente, é controlada por outro jogador.

Julianna é a outra grande figura da história, e além de suas batalhas com Colt também interage constantemente com ele via rádio, dando uma noção maior de que a relação dos dois é ainda maior do que se aparenta.

A parte (potencialmente) divertida envolvendo Julianna é que, caso seja controlada por outro jogador, suas ações são imprevisíveis para quem estiver guiando Colt, podendo emboscá-lo em algum ponto, entrar em uma batalha direta, ou até outras ações.

Dinga Bakaba chegou até a sugerir que, caso uma pessoa no controle de Julianna queira, é possível ajudar Colt de alguma forma - o que só deve tornar as coisas mais tensas, já que ela é um dos Visionários que devem ser mortos para quebrar o ciclo, e inevitavelmente os dois vão ter que lutar.

Sweet 60s, baby

Deathloop foge muito da estética dos jogos anteriores da Arkane ao trazer um visual mais colorido e descolado, com clara influência no visual dos anos 60 (e um pouco dos anos 70).

O estilo das casas, roupas, tecnologia do jogo e termos vistos no jogo remetem a este período mais experimental e de quebra de tabus, ao mesmo tempo em que também traz um elemento de espionagem dos primeiros filmes de 007.

Já Colt e Julianna parecem agir como personagens em filmes do gênero blaxploitation.

Há também algo experimental com a forma com que as informações do jogo são reveladas, com um elemento bem interessante de quebra de quarta parede visto durante o tutorial.

De acordo com o diretor de arte Sébastien Mitton, a estética sessentista veio justamente da ideia de que esta era uma das épocas com uma visão mais "positiva" quanto ao mundo, em que as possibilidades eram infinitas, e havia um ar de mudança no ar.

Os Visionários, via o misterioso Projeto AEON, querem manter esta estética rolando para sempre em Blackreef, que definem como uma "festa constante" e eterna na ilha - o que é um tanto paradoxal justamente pela visão de mudança que os anos 60 trouxeram.

Isso também se reflete no fato de que o jogo, apesar de ser focado em uma série de assassinatos, ter uma leveza mais do que Dishonored ou Prey, com Colt e Julianna trocando piadas e fazendo observações mais divertidas do que Corvo, Emily ou Morgan.

O gameplay também parece se encaixar nisso: uma das grandes críticas a Dishonored é que, para ter o final "bom", o jogador não poderia utilizar das habilidades mais destrutivas a seu dispor. Aqui, você pode tocar o terror de várias formas possíveis, nem que seja para testar algo para o próximo ciclo.

Deja Vu

Deathloop parece extremamente ambicioso, mas ao como disse no início, algumas questões ficam no ar, que talvez só fiquem claras jogando o game propriamente.

Algumas questões são mais básicas, como se a ambientação mais expansiva de Blackreef potencializou ou afetou negativamente a habilidade da Arkane de criar ambientes tão inventivos e com tantos segredos quanto seus jogos anteriores.

Fico também com a dúvida de até que ponto o jogo adapta um "efeito borboleta" dependendo das ações de Colt em determinado ciclo: ao matar um alvo, o que muda na atitude dos outros, e como eles se adaptam a isso? O trailer de Aleksis mostra que é possível levar dois Visionários para um mesmo local - até que ponto é possível fazer algo do tipo?

Em uma escala maior, porém, não consigo deixar de pensar em um elemento essencial da narrativa do filme O Feitiço do Tempo, do qual Deathloop certamente tira parte de sua inspiração: ao ficar preso no mesmo dia, Phil Connors (Bill Murray) faz as mais inúmeras ações e decisões para manipular a situação a seu redor, usando seu conhecimento do ciclo para manipular outros e se aproveitar deles das mais diversas formas.

Em certo momento, porém, ele simplesmente não aguenta mais ficar preso naquela mesma situação para sempre.

Claro, há algumas diferenças essenciais entre os dois: Colt sabe o que precisa fazer para quebrar o ciclo logo de cara, e sua experimentação e manipulação das circunstâncias tem um objetivo mais claro do que puro hedonismo - o que, ironicamente, é justamente o que os visionários querem.

Mas até que ponto o jogador está disposto a experimentar e tentar tantas diferentes antes de se cansar e partir para um outro jogo? Há muitas pessoas com este tipo disposição no mundo?

Ainda assim, isso só me deixa mais curioso para testar e ver o que Deathloop tem a oferecer, já que, no mínimo, a Arkane me deu uma forma de matar (ainda que metaforicamente) uma das forças mais poderosas do nosso planeta: a nostalgia Boomer aos anos 60.

Deathloop sai em 14 de setembro para PC e PS5 - e, como os trailers acima mostram, contarão com localização total em português do Brasil, incluindo menus, legendas e dublagem.