Como diz o nome, Call of Duty: Black Ops Cold War se passa durante a Guerra Fria. Mas não no auge do conflito, nos anos 1960, quando a subsérie estreou em 2010, e sim nos anos 1980, de Ronald Reagan no comando dos Estados Unidos. A retórica anticomunista inflamada do presidente americano sugeria a escalada de um conflito que, àquela época, se encaminhava para quase meio século de duração.

Entretanto, o Ocidente mal poderia imaginar o real estado econômico da União Soviética naquele momento, o que desencadearia as profundas mudanças - e na extinção - da potência comunista. Poucos fora do alto escalão do Kremlin poderiam imaginar, mas, naquela década, a Guerra Fria estava próxima de seu fim.

Apesar de ser protagonizado por agentes da CIA e ostentar a face digitalizada de Reagan nos materiais promocionais e no início de sua campanha, Black Ops Cold War chega num momento em que a franquia se assemelha mais à União Soviética do início dos anos 1980. É um produto sólido, estável, mas, lá no fundo, as engrenagens começam a girar rumo a reformulações significativas.

Multiplayer

Toda edição anual de Call of Duty é sempre uma união de três jogos diferentes - o que é ainda mais evidenciado em Cold War, cujo arquivo de instalação é quebrado em várias partes que, juntas, podem chegar a até 250 GB no PC. O principal deles é, sem dúvida, o multiplayer, e aqui estão algumas tendências muito interessantes sobre o posicionamento da franquia em um ambiente no qual jogos multiplayer parecem marchar de forma quase inevitável a um modelo de negócios free-to-play, com jogo gratuito, arrecadação em itens cosméticos.

Nesse cenário, um jogo multiplayer AAA anual de preço cheio parece um dinossauro, mas Black Ops Cold War parece estar antenado nessa mudança de ventos.

Call of Duty Black Ops Cold War
Divulgação/Activision

O gameplay, por si só, traz o esperado: ação intensa e rápida aliada a ótimos controles com a arma na mão. Aqui, não se mexe muito em uma fórmula vencedora, talvez mais por força da necessidade - em 2020, a Activision fez mudanças no rodízio de estúdios da franquia e antecipou em um ano a produção da Treyarch, responsável pelo CoD de 2018, com a Raven Software encarregada da campanha.

Os mapas, por sua vez, trazem um pouco mais de variedade em relação aos cenários de linhas de tiro caóticas de Modern Warfare, apostando um pouco mais em áreas de conflito concentradas e mais espaços para se esconder.

Entre os modos de jogo, o destaque do ano fica por conta do Combined Arms, que traz partidas de 12 contra 12 em mapas maiores com veículos, aproximando-se (com várias ressalvas) da experiência oferecida pelo concorrente Battlefield. E, claro, há sempre modos de jogo tradicionais como Team Deathmatch ou Domination.

Call of Duty Black Ops Cold War
Divulgação/Activision

Entretanto, o movimento no qual é preciso prestar mais atenção está em Warzone, o battle royale free to play de Call of Duty que está integrado à experiência de Black Ops Cold War.

CoD começou a fazer seus experimentos com battle royale em 2018, quando a própria Treyarch lançou sua versão do gênero com Blackout. Este modo, entretanto, estava dentro de Call of Duty: Black Ops 4, e só passou a ser vendido separadamente meses depois.

No ano seguinte, a franquia repetiu a dose, mas desta vez com monetização diferente. O battle royale Call of Duty: Warzone está ligado a Modern Warfare, o CoD de 2019, mas é gratuito e pode ser baixado separadamente. Corta para o fim de 2020 e, em vez de criar outro battle royale para acompanhar Black Ops Cold War, a Activision decidiu incorporar as armas e elementos do jogo a Warzone.

O movimento parece lógico (e é), mas cria o precedente para uma experiência de Call of Duty que quebra com uma de suas maiores tradições. Embora ainda opere em um modelo que parece cada vez mais ultrapassado, com lançamentos anuais de preço cheio que, como podemos constatar nessa análise, trazem poucas mudanças, Call of Duty parece sinalizar com uma alternativa: ter um jogo único em constante evolução.

Call of Duty Black Ops Cold War
Divulgação/Activision

Por fim, o modo Zombies - outra marca registrada da Treyarch - retoma o que deu certo desde a sua introdução no primeiro Black Ops, ao simplificar seus processos e focar no que sempre importou: derrotar hordas e hordas de zumbis.

Este Zombies conta com uma integração maior ao restante do multiplayer, especialmente nos loadouts, e tem uma progressão mais simples. Talvez, até simples demais, diminuindo ao máximo desafios como a construção da máquina Pack-a-Punch, que melhora as suas armas durante a partida. Entretanto, o saldo é satisfatório e traz a diversão descompromissada que sempre marcou o modo ao longo dos anos.

Campanha

Cold War é continuação direta do primeiro Black Ops, com direito a participação dos heróis do game de 2010, Woods e Mason. Porém, os protagonistas são outros: você assume o comando de Bell, agente customizável a serviço da CIA sob o comando do oficial Adler.

Call of Duty Black Ops Cold War
Divulgação/Activision

No começo do jogo, o grupo recebe das mãos do próprio presidente Reagan (que tem sido extensivamente utilizado em materiais de divulgação) a missão de perseguir Perseus, personagem inspirado no suposto espião soviético que teria roubado informações da tecnologia nuclear americana durante a Segunda Guerra Mundial.

A cartilha é a mesma do primeiro Black Ops: ação pontuada por rock clássico, missões ocultas para prevenir uma guerra nuclear, e plot twists movidos a lavagem cerebral. Mas, a exemplo de outro jogo da série - o malfadado FPS futurista Infinite Warfare -, a trajetória linear da narrativa pode ser intercalada com missões paralelas e conversas (com direito a opções de diálogo) em uma base de operações que enriquecem a história.

A campanha de Cold War se destaca na variedade de momentos que o jogador vivencia na pele de Bell. As cenas de ação espetaculares continuam lá, mas agora estão intercaladas com momentos de furtividade ou até mesmo espionagem pura, na pele de um agente duplo em pleno Kremlin.

Mas isso é pouco para convencer. Em seu melhor momento, Call of Duty se comportou como um blockbuster de Hollywood no qual o jogador se via no meio da ação. Nos últimos anos, buscou adicionar comentário social ao expor horrores da guerra (ainda que com boas doses de revisionismo histórico), em uma tentativa de contrabalancear sua fama de disseminador de propaganda militar americana.

Call of Duty Black Ops Cold War
Divulgação/Activision

Tudo isso está de volta na campanha de Cold War, mas a combinação dos elementos esvai a história contada de qualquer impacto. Você começa a jornada recebendo ordens de Reagan, ícone do conservadorismo ressignificado com a ascensão da extrema-direita nos últimos anos, até um exercício mambembe de empatia com o “outro lado” ao ver burocratas russos trabalhando ao lado de Mikhail Gorbachev na sede da KGB.

Tudo isso acontece ao longo de uma campanha que te faz se importar pouco com os personagens na tela e, ao final, coloca o desfecho da narrativa em cima de uma escolha que depende justamente de empatia com os seus companheiros - mais, até, do que com o destino das superpotências da Guerra Fria.

Ao longo dos anos, Call of Duty soube aproveitar o momento político americano para trazer, no mínimo, um mínimo de reflexão em suas missões (como na polêmica “No Russian” de Modern Warfare 2). Mas, em 2020, essas tentativas pífias só fazem da campanha de Cold War uma coisa anacrônica, um produto que parece totalmente desconectado da realidade.

Call of Duty Black Ops Cold War
Divulgação/Activision

Conclusão

No fim das contas, Call of Duty: Black Ops Cold War chama mais a atenção pelo que fica subentendido de algumas decisões, como a inclusão de elementos em um modo free-to-play que precede o lançamento do jogo. Ainda é cedo para dizer o que isso pode significar para a série, que continua indo bem financeiramente no modelo atual, mas certamente sinaliza uma possibilidade para o futuro.

Entretanto, no momento em que é lançado, Cold War cumpre tabela: é o Call of Duty que você conhece e confia, ainda que um pouco mais estagnado em relação a anos anteriores devido a prazos mais apertados. Mas é, também, um jogo que dá sinais de estagnação à franquia - pelo menos em seu modelo de negócios tradicional.

Nota do crítico