Poucos jogos são tão conhecidos fora do mundo dos games quanto Mortal Kombat.

Seja pela violência das lutas digitalizadas na década de 1990 e o sucesso dos jogos que acabou cunhando expressões como “Finish him” ou “Fatality”, ou por ser sempre lembrado em discussões sobre a influência dos jogos nas crianças, parece que todo mundo conhece ou já ouviu falar de MK.

As aventuras da franquia no cinema e na TV também ajudaram a popularizar Mortal Kombat, começando pelo ótimo filme de 1995, talvez uma das raras boas adaptações de games daquela época, até o esquecível Mortal Kombat: A Aniquilação, passando por filmes de animação (The Journey Begins, 1995, e Scorpion’s Revenge, 2020), série animada (Defenders of the Realm, 1996), série de TV (Conquest, 1998) e web série (Legacy, 2011).

Independente da qualidade, Mortal Kombat sempre esteve presente em outras mídias.

Assim, era questão de tempo para que um novo filme de Mortal Kombat chegasse ao cinema nessa época em que os grandes estúdios olham para os jogos em busca do próximo blockbuster. E o fato de MK já ser uma propriedade de um grande estúdio, a Warner Bros, deve ter facilitado um pouco as coisas.

O reboot de Mortal Kombat é um filme feito para os fãs, num sentido bem abrangente, que inclui tanto para os jogadores calejados que sabem todos os fatalities e conhecem o ‘lore’ da franquia nos mínimos detalhes, quanto para os que gostam dos jogos mas sabem apenas o básico sobre o infame torneio de artes marciais entre a Terra e o Outworld.

História de origem

Não que quem não conheça nada de Mortal Kombat não consiga assistir e entender a trama, afinal, não se trata de um roteiro tão complicado assim: uma vez por geração, grandes guerreiros do nosso mundo são reunidos para enfrentar os melhores de outra dimensão em um torneio secreto de artes marciais em que vale tudo mesmo. O time da Terra perdeu nove edições seguidas e se for derrotado de novo, os exércitos do Outworld poderão invadir e conquistar nosso planeta.

Curiosamente, o torneio não chega a acontecer neste filme e essa nem é a decisão mais estranha, embora vá decepcionar muita gente. Ou não, afinal na maior parte dos jogos o torneio em si não é o centro das atenções. Mas sei lá, é como assistir Karatê Kid e o filme acabar antes do All Valley começar.

Ao invés de reprisar o torneio sangrento que já apareceu no filme original, o diretor Simon McQuoid e os produtores James Wan e Todd Garner preferiram contar uma história de origem neste Mortal Kombat, introduzindo os personagens para uma nova audiência e, principalmente, introduzindo suas contribuições à mitologia da série, como o lutador de MMA Cole Young e o conceito das “Arkanas”.

No filme, os lutadores escolhidos para participar do Mortal Kombat nascem com a marca do dragão em sua pele. O símbolo também carrega um poder mágico que precisa ser despertado antes do combatente ser autorizado a se juntar ao time, pois os adversários são guerreiros com poderes mágicos e habilidades monstruosas, contra os quais um lutador normal não teria a menor chance. Este poder é a Arkana, que se manifesta de forma única em cada portador.

Sem saber de nada disso, Cole (Lewis Tan) é um lutador de MMA (e não dos melhores) e um dos portadores da marca do dragão. Perseguido pelo ninja Sub Zero (Joe Taslim), ele acaba se juntando ao grupo liderado por Sonya Blade (Jessica McNamee), que inclui o soldado veterano Jax (Mehcad Brooks) e o mercenário Kano (Josh Lawson) - o último, de longe, o melhor personagem do filme.

Esse grupo de novatos vai ser treinado por Liu Kang (Ludi Lin) e Kung Lao (Max Huang) para descobrir seus poderes e enfrentar as forças do Outworld, que tentam de tudo para eliminá-los e assim, garantir a vitória no torneio por W.O.: a Terra perde automaticamente se os seus campeões não aparecem para lutar.

Referências e mais referências

O filme traz vários personagens dos jogos clássicos além dos já citados e também alguns combatentes mais obscuros, como a vampira Nitara. Muitos lutadores são apenas citados ou vistos de relance e embora seja bastante fiel na representação da maioria deles, o assassino Reptile deve causar alguma controvérsia, por ser representado de forma bastante diferente e alienígena.

Os personagens principais representam muito bem suas contrapartes dos jogos. Sonya Blade ganhou um papel de liderança e é a verdadeira heroína do filme. Os “shaolin monks” Liu Kang e Kung Lao também são representados de maneira fiel, tanto em suas personalidades quanto nas incríveis técnicas de kung fu. Mas o grande destaque é mesmo Kano. Josh Lawson faz um ótimo bandido cético e falastrão, sempre com uma piada na ponta da língua - e que nesse mundo bizarro, funciona melhor como ponte para o espectador que não conhece a franquia do que o certinho Cole Young.

A quantidade de referências aos games, tanto antigos quanto atuais, surpreende. Provavelmente  uns 80% do filme são referências, dos cenários e personagens, seus golpes de artes marciais e poderes mágicos até as falas clássicas (Flawless Victory! Kano wins!) e os famigerados fatalities.

Espere por finalizações icônicas lá dos anos 1990, com corações arrancados do peito, até os mais sangrentos e exagerados golpes dos jogos atuais - que ao menos para mim, parece mais coisa de Comichão e Coçadinha do que a violência chocante que se poderia esperar em um filme de classificação “R” (para maiores de 17 anos). Mesmo assim, os personagens morrem e vai ser interessante ver como a franquia vai avançar no cinema matando favoritos dos fãs e reduzindo o elenco a cada novo filme.

Um dos méritos do filme está no elenco diversificado e que reúne atores e artistas marciais de várias origens diferentes, o que resulta em ótimas cenas de pancadaria e ação. As lutas são sempre de alta qualidade, embora nenhuma seja tão boa e brutal quanto o confronto de Sub Zero e Scorpion (Hiroyuki Sanada) na cena inicial.

Ao usar atores com experiência real em artes marciais, o diretor Simon McQuoid conseguiu gravar longas sequências de combate sem precisar apelar para jogos de câmera que afastam o espectador da ação ou escondem os rostos dos dublês. Os confrontos lembram mais o estilo com que as lutas reais são transmitidas hoje em dia, com o espectador no meio da ação. Mesmo a ocasional bola de fogo, estaca de gelo ou rajada laser estão bem integrados na trocação de golpes e não quebram a imersão.

Não é fácil criar um novo kombatente

A grande preocupação de muitos fãs nesta adaptação de Mortal Kombat tem nome e sobrenome: Cole Young. O personagem interpretado por Lewis Tan é uma criação original do time do filme e especulava-se se ele seria algum membro famoso do plantel, como Johnny Cage ou o segundo Sub Zero.

Ao menos por enquanto, não, Cole não é ninguém conhecido, mas sim um personagem original. E embora ele mande bem nas lutas e tenha um arco bem desenvolvido, vê-lo em ação depois de descobrir seus poderes me lembrou de um problema crônico de MK: parece ser bem difícil criar novos personagens cativantes para a franquia.

Seja pela personalidade de bom moço demais, que não combina com este universo de combates até a morte, assassinatos interdimensionais e criaturas monstruosas, pela relação mixuruca entre Cole e seu antepassado famoso, ou a Arkana sem graça quando comparada com a de qualquer outro lutador visto no filme, a real é que Cole Young é um kombatente meio decepcionante, o ponto fraco de um filme que acerta mais do que erra ao adaptar, de novo, Mortal Kombat para a tela grande.