Icarus, o próximo jogo de sobrevivência do criador de DayZ, Dean Hall, e seu estúdio Rocketwerkz, chega ao PC oficialmente nesta sexta-feira, 3 de dezembro, prometendo trazer um novo conceito para os games do gênero com uma proposta focada principalmente em gameplay cooperativo e sessões de jogo mais curtas.

Ao escolher missões com duração de tempo pré-determinadas, grupos de jogadores/astronautas devem trabalhar e cooperar para adquirir recursos necessários antes de escapar do planeta Icarus, onde se passa a ação do jogo.

Essa proposta, porém, já existia na cabeça de Hall há muitos anos, mesmo na época em que trabalhava com o jogo que o tornou famoso, tendo mudado e evoluído — embora, de acordo com o próprio desenvolvedor, surpreendentemente pouco — até virar o jogo atual.

The Enemy teve a chance de entrevistar o desenvolvedor, e saber mais de como uma ideia surgiu em uma ponte em Colônia, suas inspirações e definições de jogos de sobrevivência, porque Icarus pede tanto do hardware de PC, e a falta de inovação em grandes publishers.

Confira abaixo:

Icarus
Rocketwerkz/Divulgação

The Enemy: De onde surgiu a ideia para Icarus? Você ainda trabalhava para a Bohemia Interactive?

Dean Hall: Bom, foi uma ideia que meio que foi sendo filtrada por bastante tempo. E o cerne da ideia veio quando ainda trabalhava em DayZ para a Bohemia, e testamos a versão própria de DayZ com a comunidade de games na Gamescom, em Colônia. Você já esteve na Gamescom?

The Enemy: Nunca estive.

Hall: É a minha convenção de games favorita. É fantástica, com uma comunidade de videogames muito passional. Mas sabe, quando você mostra um produto ao público pela primeira vez, eles te falam o que realmente pensam a respeito. E antes já tínhamos mostrado isso na E3 e tal, mas era para pessoas da indústria, e em geral eles simplesmente amam ser parte de tudo isso.

E foi assim que eu percebi muitos dos problemas que tínhamos, e o quão difícil eles seriam de se resolver.

E quando eu estava voltando pela ponte em Colônia e pensando a respeito, eu fiz um pequeno experimento mental sobre alguns ajustes ao gênero que eu achei que seriam muito interessantes. E mais tarde, depois de ter anotado tudo, voltei a pensar e percebi que tinha muito mais que precisaria acontecer com o design, e que talvez muito mais precisaria acontecer comigo também, coisas que preciso aprender e tudo mais.

Por isso eu meio que guardei a ideia por muitos anos, e às vezes desenterrava para olhar para ela. Daí, alguns anos atrás, eu estava sentado em um avião e tive uma epifania sobre como poderíamos realizar tecnicamente, e suponho que isso tenha sido grande parte do que estava esperando.

Icarus
Rocketwerkz/Divulgação

Eu queria garantir que eu não voltasse ao gênero novamente até ter certeza de que pudesse resolver parte do que achava ser limitações técnicas que serviam de impedimento para ele.

The Enemy: Foi por isso que você disse ter negócios inacabados com o gênero?

Hall: É, acho que sim. Estamos bem orgulhosos do que foi feito em DayZ como mod e DayZ como jogo próprio, mas acho que toda vez que você faz algo, você geralmente quer fazer algo melhor da próxima vez. Tenho certeza que o mesmo vale para escrever ou, sabe, é tão válido para algo como cozinhar, ou qualquer coisa do tipo. Por isso, naturalmente, queria ver se poderia contribuir algo a mais para o gênero.

Icarus
Rocketwerkz/Divulgação

The Enemy: Como o jogo evoluiu desde a primeira vez que você pensou nele? Muita coisa mudou desde o conceito inicial?

Hall: Ele provavelmente mudou bem menos do que é considerado normal. Normalmente, diria que o conceito muda bastante. E certamente mudou muito daquela primeira ideia que surgiu na ponte em Colônia. Mas acho que, bem rapidamente, eu descobri quais eram alguns dos pilares centrais do que eu gostaria de testar, a natureza com base em sessões do jogo e o que compõe um jogo baseado em sessões. E assim que essas bases foram estabelecidas, honestamente, não mudou muito mais. Só foi preciso acertar umas ideias nas beiradas.

The Enemy: Houve algum jogo de sobrevivência, ou até fora do gênero, que te inspiraram a fazer Icarus?

Hall: Nossa, muitos. É, eu jogo bastante e, bom, tudo desde... Já jogou Frostpunk? É provavelmente um dos meus jogos de sobrevivência favoritos, o que faz as pessoas me olharem esquisito porque elas dizem: "Isso não é um jogo de sobrevivência". Mas ele é!

Acho que se você olhar para a essência do gênero de sobrevivência, que é muito mal definido, falando a verdade, ele não precisa ser necessariamente um jogo de primeira pessoa. E eu definitivamente acho que, para mim, Frostpunk é um RTS de sobrevivência, mas com um foco em particular na sobrevivência, só que em um nível mais macro do que no micro, e é realmente fantástico.

Valheim foi extremamente influente, mesmo com a gente estando bem no meio do desenvolvimento quando ele foi lançado, mas sentimos que os jogos eram meio que primos. E eles evoluíram bastante em algumas áreas que talvez estivéssemos relutantes em seguir, então foi bem interessante se deparar com esse game ver que ele realmente levou algo pra frente e em áreas e direções que estávamos um tanto relutantes, o que nos fez voltar e revisitar o que havíamos feito. E acabou ficando um pouco mais ambicioso.

Icarus
Rocketwerkz/Divulgação

The Enemy: Qual foi a importância dos betas e feedback dos jogadores para a evolução de Icarus?

Hall: Acho que algo que reconhecemos foi que queríamos testar algumas coisas — algumas coisas bem únicas — e se fossemos testá-las, algumas delas poderiam dar muito errado. Por isso precisávamos de um mecanismo para testar e apresentar para a comunidade, para olhar como funcionava, e dar um aval positivo.

Por isso fizemos o beta, e percebemos bem rapidamente que o feedback de jogadores seria essencial, muito, muito rapidamente. E acho que, se você ver o mod de DayZ ou a versão independente, a melhor época daquele projeto foi durante o período bem inicial e bem iterativo, onde rolavam mudanças muito rápidas no jogo com base no feedback de jogadores.

E queríamos muito, suponho, preencher isso e descobrir como fazer o game funcionar com base nisso.

Icarus - Dean Hall

Dean Hall

Rocketwerkz/Divulgação

The Enemy: Anteriormente você trabalhou no projeto ION, que acabou sendo cancelado. O quanto você aprendeu com aquela experiência?

Hall: Acho que você aprende mais com seus fracassos do que com seus sucessos, certo? Eu certamente acho que isso é bem verdade. E não foi só ION que fracassou, houve muitos outros projetos também, é só que esse foi o que nós anunciamos e seguimos em frente.

Acho que, definitivamente, todos esses fracassos começaram a me tornar mais crítico não só das minhas ideias, mas pelos conceitos e como iríamos entregá-los. E isso me deixou ainda mais resoluto para querer resolver questões técnicas que senti que afetavam o DayZ independente, que queria resolver isso antes de realmente voltar ao gênero.

E bem, quanto àquele projeto e outros projetos, é sempre sobre descobrir constantemente: "Ei, como fazer esses jogos? Como vamos criá-los de tal forma que, há trabalho a ser entregue por meio deles?"

The Enemy: Icarus pede um hardware bem poderoso para os requisitos recomendados. O que no jogo demanda uma máquina tão potente?

Hall: Boa pergunta. E, para falar a verdade, eu iria além e diria que os specs mínimos são bem altos. Bem altos. E requisitos mínimos tão altos foi algo bem deliberado.

Quando começamos, dizíamos que por muito tempo nosso gênero tem sido meio que o desgarrado na frente gráfica, e pensamos: "Bom, o gênero de sobrevivência merece fidelidade, merece desafiar o que um game pode fazer". E sou bem partidário de um jogo do qual sou bem apaixonado, que é Flight Simulator.

Icarus
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Flight Simulator sempre foi, quando estava crescendo, o primeiro a usar a nova versão do DirectX. Sempre foi um dos primeiros games a realmente testar sua GPU. E houve muitas inovações, inovações gráficas, que talvez não surgiram com Flight Simulator, mas ele era geralmente o primeiro a realmente se destacar em uma área.

Por isso, houve um esforço deliberado de nossa parte para dizer "Queremos que Icarus realmente ultrapasse fronteiras um pouco" e "Olha, jogos de sobrevivência não são limitados a esse visual kitsch, meio jogado de um projeto pequeno". Eles podem ser feitos em uma escala maior, e podem ter um visual maravilhoso. Por isso sentamos e pensamos "Ei, ambientações são muito importantes para esse tipo de jogo. Queremos construir um ambiente com um visual fantástico. Talvez até bata um pouco de frente com games de outros gêneros".

Por isso sim, foi algo bem deliberado. E talvez perigoso, pois muitos jogadores de games de sobrevivência não tem necessariamente computadores incríveis, por isso tentamos equilibrar um pouco. Mas acho que, se quiser inovar um pouco, você tem que ir em frente e sair de sua zona de de conforto com suas especificações recomendadas.

Icarus
Rocketwerkz/Divulgação

The Enemy: O jogo também não conta com um elemento PvP, algo que o público de sobrevivência geralmente adora. É algo que você planeja fazer no futuro? E por que seguir nessa direção inicialmente?

Hall: Então, quando finalizei a ideia e encaixei os últimos pedaços dela no avião, quando desci dele eu escrevi tudo e corri de volta para o escritório e peguei alguns dos membros-chave do estúdio e disse "Ei, vamos testar essa ideia", apresentei ela e eles a desmembraram.

Uma das primeiras coisas que surgiu foi PvP, mas eu percebi que precisávamos entregar na experiência central. E, se você estudar a evolução de como as pessoas jogaram DayZ, a melhor época foi no começo, quando o foco maior não era no PvP. Havia alguma ameaça por lá, mas sério, se você analisar os dados, a maior parte dos jogadores gostava da ideia de uma ameaça de PvP, mas eles não gostavam ou queriam participar do PvP em si.

Por isso é um daqueles desafios, creio do gênero, de que muitas pessoas não estão participando do PvP. E foi mais ou menos assim que lidamos com isso. Não pensamos logo de cara que o PvP estava fora de cogitação. Mas a primeira coisa que percebemos é que queríamos entregar uma boa experiência de sobrevivência, e Icarus está se focando quase totalmente nisso, pelo menos na primeira fase, então definitivamente deixamos uma porta aberta.

Mas é um nível de dificuldade totalmente diferente ter que lidar com PvP, não queríamos deixar aquela porta aberta logo de cara para a primeira onda de hackers.

Rocketwerkz/Divulgação

The Enemy: No passado, você foi crítico da estrutura tradicional de publishers para desenvolver e vender jogos. A este ponto, você está satisfeito com o ambiente da Rocketwerkz? Ou ainda há áreas para melhorar com relação ao desenvolvimento e venda de seus títulos?

Hall: Quando fizemos Icarus, percebemos que precisávamos não só de mais recursos, mas também de experiência que não tínhamos em termos de pegar uma grande ideia e vendê-la. E por muitos anos, eu fui essencialmente bombardeado no LinkedIn, emails e até convenções por pessoas de grandes publishers, fabricantes de consoles e tudo mais. E batemos papos com eles, mas minhas ideias na época não eram gigantes ou ambiciosas — além de ION, obviamente — porque eu sentia que queria voltar a estudar e aprender um pouco, descobrir tudo o que precisava antes de voltar ao gênero.

E infelizmente, o que descobri sobre essas grandes publishers que estavam tão animadas e queriam saber sobre meu próximo grande jogo de sobrevivência é que elas falam muito sobre querer se envolver e tomar riscos e, sabe, fazer algo novo.

Mas, no fim das contas, elas não querem.

Por isso foi uma experiência muito frustrante voltar para essas pessoas que falavam que queriam estar envolvidas com o próximo grande jogo de sobrevivência. Aliás, na época em que falamos com elas, tínhamos uma build jogável. Então não era só um conceito, ali estava o que já havíamos feito. Por isso foi uma experiência extremamente irritante, e também bem custosa ao tentar engajar com esse modelo tradicional.

Além disso, sabe, acho que se pegarmos como exemplo um jogo com Valheim, ele nunca seria aprovado por uma grande publisher, mas elas vão ser mexer e falar sobre como querem estar envolvidas com esse tipo de projeto. Assim, vejo que isso é um problema em nossa indústria, e não acho que temos boas soluções para isso.

Houve um tempo quando achava que Acesso Antecipado seria uma boa solução, mas acredito que existam muitos desafios e problemas com ele, produtos ficando presos em um ciclo que é muito longo. Foi por isso que, no período do beta, tentamos fazê-lo bem curto — porque se você ficar preso no ciclo, pode acabar jogando o jogo de uma forma que não foi considerado.

Icarus
Rocketwerkz/Divulgação

E se você olhar para os nossos consumidores que jogaram durante os fins de semana de Beta, Icarus não foi pensado para que você recomece seu personagem o tempo inteiro. Sentimos que é muito grind fazer isso. Por isso queríamos fazer o período beta relativamente curto, certeiro, com grandes mudanças acontecendo durante o período enquanto solidificávamos o conceito.

Por isso, de forma bem longa de responder a sua pergunta, mas essencialmente sim, definitivamente demonstrou que não há muita inovação no patamar das grandes publishers, e é preciso que tenha, porque seria muito fácil para nós abandonar a ideia em qualquer momento, e gastamos mais dinheiro nessa ideia do que em qualquer outra coisa, e fizemos por conta própria.

E é engraçado, porque muitas das pessoas que deixaram passar cedo quando começamos a ter fins de semana de sucesso e saltar para o topo dos mais vendidos, eles todos voltam rápido com uma espécie de "gaslighting" fingindo que eles não rejeitaram o projeto, e de repente querem se envolver.

The Enemy: Por que você acha que essas grandes companhias têm tanto medo de tentar inovar? Por que o conservadorismo? Por que não tentar fazer algo novo? Na sua opinião, por que elas sempre fazem isso?

Hall: Acho que parte do motivo é que elas não precisam, ou pelo menos não tem precisado. E acho que algumas das mudanças que tem rolado na indústria deram espaço para outras pessoas crescerem por baixo delas. E quando você olha para muitas das ideias verdadeiramente interessantes que saem da indústria e dão certo, elas tendem a não vir de grandes publishers: Among Us, Phasmophobia...

E espero que isso continue, espero que nossa indústria continue a oferecer, basicamente, oportunidade a esses pequenos projetos. Por isso, para mim, fica a cargo dos consumidores. Acho que consumidores querem inovação, querem jogos que ao menos tentem entregar promessas interessantes.

Por isso, até certo nível, acho que jogadores tendem a recompensar esses projetos, e acho que há um pouco mais de pressão agora para as grandes publishers. No passado não havia, e acho que o Steam ser inundado de jogos tem partes boas e ruins. Uma das partes boas é que não machuca apenas jogos pequenos, mas também os jogos maiores, o que os força a inovar um pouco mais, e talvez não depender tanto em marketing.

Você precisa de um produto bom porque seus consumidores vão falar sobre ele. Você não pode fazer entrevistas requintadas com jornalistas e responder perguntas de baixo nível, porque seu público vai para o Discord. Eles vão para o Reddit, Twitter, por todos os lados e discutir seu jogo bem honestamente, e dividir o que pensam a respeito.

Por isso é um timing interessante, e espero que continue porque essa pressão que sentimos durante os betas — pessoas chegando e escrevendo longos tratados sobre porque eles gostaram da ideia, mas não da execução de Icarus, e que eles vão pedir um reembolso. Mas para nós, isso é tudo parte do processo, e é por isso que queríamos fazer os betas de fim de semana bem permissivos para pessoas pedirem um reembolso.

Nós queríamos chegar na frente e dizer: "Ei, estamos tentando algo diferente aqui. Talvez não acertemos no alvo sempre, mas você sempre vai ouvir a verdade da nossa parte sobre isso."