Mesmo com excelente recepção crítica, é possível entender o que torna DOOM Eternal tão divisivo entre os fãs. O game de 2020 é uma revolução para os FPS, trazendo densidade às mecânicas centrais de tiro e movimentação do gênero, mas o nível de disciplina e inventividade que cobra dos jogadores pode ser exigente demais para muita gente.

Felizmente, a id Software está confiante de que encontrou ouro nessa abordagem, e duas partes de The Ancient Gods são a prova viva disso - mas uma que só funciona para quem estiver disposto a suar e sangrar para apreciá-la.

O pacote de duas expansões, lançado entre outubro de 2020 e março de 2021, retoma a absurda trama de fantasia heavy metal do jogo-base, e acompanha a jornada do Doom Slayer para encerrar a ameaça demoníaca de uma vez por todas. Comparado com DOOM (2016), cujos minutos iniciais entregam quase que um literal dedo do meio à necessidade de lore além da contextualização básica, é curioso notar como o estúdio cada vez mais cede espaço para a mitologia insana e surpreendentemente bem desenvolvida de um universo repleto de antigas civilizações e guerras interdimensionais.

Enquanto a narrativa em si não tenta inovar, é intrigante o bastante para encorajar a ler algumas páginas do codex, além de possibilitar que a campanha transite por exóticos mundos alienígenas e grotescos setores abonados do Inferno.

Apesar do foco dobrado na trama, o combate continua sendo a atração principal. Na verdade, há um esforço em torná-lo ainda mais complexo e desafiador. Nesse quesito, The Ancient Gods soa muito como as expansões de shooters noventistas, onde os desenvolvedores sabiam que apenas os fãs mais fiéis retornam para o conteúdo inédito, e por isso aproveitam a oportunidade para surpreendê-los e chocá-los.

O combate de Doom Eternal é sustentado por três pilares - pontos de vida, pontos de armadura e munição -, e as arenas se tornam pistas de uma dança macabra entre o jogador, cuja ofensiva é baseada na administração desses três recursos, e os demônios, com seus variados padrões de ataques que testam a capacidade de improvisar sob pressão. Nos DLCs, usando a mesma base, um novo grau de dificuldade é adicionado com a introdução de criaturas inéditas, e por combinações de inimigos pensadas para aumentar a pressão ao nível do sadismo.

Em cenários minúsculos, o jogador é confrontado simultaneamente por dois do temíveis Saqueadores. Ou então por Tiranos/Ciberdemônios (sim, no plural) possuídos por um inédito fantasma, que dobra a vida, a agressividade e o dano de seu hospedeiro. A grande sacada aqui é que, após enfim tombar a criatura raivosa, o espectro só pode ser eliminado por uma das modalidades alternativas de tiro do Fuzil de Plasma. Caso contrário, ele apenas busca outro monstro para possuir.

Doom Eternal - The Ancient Gods
id Software/Divulgação

As expansões são repletas de inimigos que pedem estratégias específicas assim. E o resultado é a exigência de planejamento, movimentação ainda mais afinada e estratégia capaz de se adaptar momentaneamente. Eternal pedia que o jogador prestasse atenção e melhorasse. Ancient Gods não cobra nada além da execução perfeita, ou então morte.

Ainda assim, vale destacar que as expansões não são injustamente difíceis, mas sim foram confeccionadas de forma que cobram devoção às suas mecânicas e, claro, um certo gosto por sofrimento e penitência. E isso não é exagero. O carismático diretor Hugo Martin, que passa seus dias interagindo com os fãs no Facebook, deixa bem claro que a ideia é ter arenas - sejam nas campanhas, desafios opcionais ou nos Master Levels - feitas para testar os limites do aceitável quando se trata de desafios. Ele até chega a pegar as sugestões mais cruéis do público, aos risos.

"Minha sugestão favorita até agora: um Predador amaldiçoado e possuído", comentou no grupo oficial do game, descrevendo um possível inimigo extremamente agressivo e capaz de limitar os movimentos do Doom Slayer. "Vocês são perversos."

Os DLCs têm sim seus problemas. É possível discutir o ritmo, o design das fases, ou a forma como a trama é apresentada. Mas talvez a mais questionável seja a trilha sonora, que sofre pela perda do compositor Mick Gordon após desavenças com o estúdio. Quem assume o pesado manto são a dupla David Levy e Andrew Hulshult, o último conhecido por ser "arroz de festa" dos FPS retrô - e com razão, já que é um excelente músico.

Aqui, porém, ele entrega um trabalho sólido, mas que parece pálido quando comparado com o altíssimo padrão estabelecido por Gordon, ou até mesmo por composições que fez para Dusk e Quake Champions. No meio do frenesi violento, em incríveis cenários vívidos e vibrantes, é difícil não notar que algo está faltando, com músicas que mais soam como imitação da trilha de Doom do que necessariamente obras autênticas.

Mesmo assim, The Ancient Gods conquista acima de todos seus problemas por um fator: personalidade. A id Software lapidou seu estilo de shooter nos dois jogos principais, e as expansões só demonstram como o estúdio tem plena confiança do caminho trilhado até aqui, tanto nas mecânicas ou na estética. Assim como Eternal não foi feito para agradar todo o público de FPS, os DLCs afinam ainda mais a peneira. Mas para os que insistem e se esforçam um pouco, do outro lado há ação refinada, intensa e também brutal e impiedosa.