Imagine chegar em casa cansado do trabalho, encontrar sua esposa, jantar e comer uma sobremesa que ela mesmo preparou, receber uma notícia que pode ser positiva ou não (e isso depende inteiramente de você) e, de repente, ter um homem batendo à sua porta, entrando no seu apartamento e prendendo sua esposa, a acusando do assassinato do próprio pai 8 anos atrás e te estrangulando até a morte por contestar isso. Chocante, não é?

Agora, imagine reviver essa mesma cena várias e várias vezes. Essa é a proposta de Twelve Minutes, um point-and-click da Annapurna Interactive e do desenvolvedor independente Luis Antonio. O jogo te coloca na pele de um homem que está preso em um loop temporal de 12 minutos e que precisa descobrir como sair disso.

O game começa em um corredor e você precisa entrar no seu apartamento, para isso, ele te introduz brevemente (e sem informação em tela nenhuma) a mecânica do jogo. A partir daí, sua noite começa e repete-se inúmeras vezes até que você encontre a solução para sair desse caos.

E apesar das instruções bem limitadas, é consideravelmente fácil entender a mecânica rapidamente, mesmo para aqueles que não estão acostumados com jogos desse gênero.

Aqui, a atenção aos detalhes é crucial. A única maneira de encontrar uma saída do loop temporal é, a cada vez que ele for reiniciado, fazer escolhas, ação e diálogos diferentes para conhecer e entender melhor da história e dos personagens.

E o jogo realmente se destaca por esse motivo: te oferecer um playground de possibilidades e deixar com que você sinta-se livre para utilizá-los como quiser. Criar hipóteses e pensar em soluções - às vezes óbvias, outras nem tanto - e testá-las (mesmo que em certos momentos te prenda a objetos e ações específicas para descobrir algo).

Desconfortável e sombrio

Quanto mais eu avançava no jogo e entendia o que era preciso fazer no próximo loop, mais eu percebia o quanto a história ao redor do jogo é opressivamente sombria e, dito isso, o quanto eu estava moralmente errada em diversas situações em que fui submetida no jogo.

E o desconforto me tomou por inteiro em determinadas situações. E não só por ter que assistir à violência causada pelo homem que invade a casa de um casal enquanto os dois estavam jantando e os machuca pra valer.

A história poderia funcionar melhor se tivesse sido pensada com um pouco mais de cautela. Ela funcionou em momentos específicos, mas só. O plot twist do final foi um soco no estômago ao entender quão profunda era a história.

Ainda agora, enquanto escrevo essa crítica, não sei se entendi mesmo o final do jogo (e se fiz realmente o final correto, veja bem).

Conteúdo para adultos?

Me lembro de ter lido uma entrevista com o desenvolvedor do jogo, Luis Antonio, que disse que Twelve Minutes é mais um ‘conteúdo para adultos’ e isso me fez pensar demais depois de jogá-lo.

Não é OK que um jogo propague tanta violência a uma mulher (grávida - é bom mencionar) assim. Te fazer pensar no que fazer com ela para que você possa encontrar a solução pro seu problema não é algo que deveria ser colocado dessa forma, tão banal e sem nenhum remorso.

O jogo não apresenta nenhum aviso de conteúdo. Claro, ele é classificado como M para adultos e carrega quatro descritivos de conteúdo ESRB: sangue e gore, conteúdo sexual, linguagem forte e violência. Mas isso não deveria bastar e honestamente não capturam a essência sombria dos eventos perturbadores que acontecem no jogo.

Peço perdão por possíveis spoilers, mas existem assuntos que estão acima da experiência de um jogo e que preciso mencionar.

Nenhum videogame deveria te colocar em uma situação de extremidade moral e te obrigar a fazer algo que é problemático e muito pesado. Por que sim, você precisa drogar sua mulher grávida para que consiga uma informação essencial do jogo, então, antes que alguém comente que “ah, mas não precisa fazer isso”, precisa sim. 

E não é só sobre droga-lá: é sobre seu personagem assistir repetidas vezes violências praticadas contra ela e não sentir nenhum remorso ou sequer pensar em ajudá-la. Sei que o jogo tem essa proposta, mas não deveria. Sei que poderiam existir inúmeras formas diferentes de fazer com que a história e a mecânica dessem certo sem envolver temas tão polêmicos e assustadores para as mulheres.

Como mulher, me senti extremamente desconfortável ao jogar Twelve Minutes e ver tudo pelo qual a esposa do cara passou. Me senti ainda pior por estar ‘na pele’ dele e não conseguir fazer nada do que eu gostaria porque eu precisava de informações ou não poderia intervir em X ou Y momento. Foi bastante brutal jogá-lo, principalmente porque a ideia dele é, sim, fantástica.

E, antes de mais nada: não acho que questões imorais devam ser retiradas de jogo nenhum, bem como violência - afinal, alguns jogos só são o que são pela violência - mas estou falando aqui como, do meu ponto de vista, a história de Twelve Minutes e todas as consequências de ações tomadas nele me deixaram extremamente desconfortável porque não houve sequer um aviso de gatilho ou retratação a respeito delas.

Talvez esse seja um problema, pensar nos personagens apenas como meio de obter informações e não como pessoas, de fato. Qual a principal moral da história? O que o jogo quer passar como aprendizado para você? Porque me colocar em um limite moral para resolver algumas questões pessoais me parece mesquinho.

Vozes incríveis

As vozes dos personagens de Twelve Minutes entregam emoção e são, talvez, a melhor coisa do jogo. James McAvoy (Fragmentado, Vidro, X-Men Primeira Classe) dá voz ao protagonista e parecia apropriadamente perturbado e em estado de choque naquele momento desconcertante de descobrir que se encontrava em um loop temporal.

Todas as vezes que reiniciava o dia, com palavrões, pensamentos altos e palavras soltas, McAvoy entregou um verdadeiro show ao game.

Daisy Ridley (Star Wars: Os Últimos Jedi) fez o papel da esposa do protagonista e também teve uma performance incrível, mesmo que tenha falhado um pouco em alguns momentos que exigiam um pouco mais.

Os outros membros do elenco também foram incríveis e deram vida ao jogo - que é, pelo seu design visto de cima com bonecos praticamente sem expressões faciais, quase abstrato.

Over and over again 

Sim, o jogo se torna extremamente repetitivo com o tempo, é claro, afinal, você está preso em um loop temporal e mesmo que haja uma ou duas coisas para fazer diferente do loop anterior, ainda assim você será obrigado a repetir diversas vezes algumas mesmas cenas e diálogos.

A respeito da repetição, o jogo ainda assim consegue entregar uma experiência consistente e diferente, porque, às vezes, repetir as mesmas ações desencadeiam novos momentos e abrem novas oportunidades. O que, nesse jogo, é essencial para encontrar a solução.

Eu queria muito ter gostado (mais) de Twelve Minutes porque ele tem uma ideia sensacional, mas que não conseguiu - pra mim - se sustentar apenas com a mecânica. A história é fundamental e também faz parte da mecânica e poderia ser muito mais aproveitada sem tocar em pontos tão pesados.

Brincar com o conceito de tempo no loop temporal (pouco explorado por outros jogos) e o protagonista ir aprendendo mais e mais a cada repetição é interessante, mas não é algo que nunca foi feito anteriormente.

Twelve Minutes não me cativou tanto quanto eu gostaria, mas a aventura e a experiência que tive com ele vão ficar comigo - tanto as partes boas quanto as ruins. Se a ideia do jogo é te colocar no extremo e ver até onde você iria para salvar sua vida e a vida de quem você ama, ele conseguiu, mas, na minha opinião, deixando sentimentos ruins ao amarrar tudo isso sem uma explicação lógica.

Essa crítica pode servir como um aviso de gatilho que o jogo não tem - mas deveria. Saiba das decisões imorais que você será obrigado a tomar para avançar no jogo. Eu aproveitaria muito mais a experiência se não tivesse sido pega de surpresa por algumas questões.

  • Lançamento

    19.08.2021

  • Publicadora

    Annapurna Interactive

  • Desenvolvedora

    Luis Antonio

  • Censura

    18 anos

  • Gênero

    Aventura e Estratégia

  • Testado em

    PC

  • Plataformas

    PC Xbox Series X

Nota do crítico