Mafia: Definitive Edition parece quase um jogo de uma realidade alternativa, onde a indústria de games não conseguiu dominar totalmente o conceito de jogo de ação em mundo aberto de 2002 para cá - ou pelo menos como o entendemos em 2020.

Isso pode soar como uma crítica negativa, mas digo isso mais no sentido de que, de certa forma, o jogo captura o espírito da época em que o original foi lançado, em que GTA III mal tinha um ano de idade e muitas lições ainda haviam de ser aprendidas - mas ainda com uma sensibilidade e mecânicas modernas.

Remake do aclamado jogo lançado em 2002 pela 2K Games e o estúdio Hangar 13, Mafia: Definitive Edition mantém muito da estrutura e elementos do game original, mas com diversos aspectos retrabalhados para o público atual, incluindo novos gráficos, controles para direção e combate, e uma narrativa expandida e com mudanças pontuais.

Mafia conta a história de Tommy Angelo, um taxista que, após cruzar o caminho de dois gângsters em fuga, acaba por se tornar um dos soldados mais influentes e perigosos da Família Salieri, uma das maiores gangues da fictícia cidade de Lost Heaven, inspirada na Chicago da época da Lei Seca e Grande Depressão nos EUA.

A narrativa é contada por Tommy em forma de depoimento para um detetive de polícia, falando de sua ascensão na família, a guerra de gangues entre Don Salieri e seu principal rival, Don Morello, e como tudo acabou dando errado no fim.

Proposta irrecusável

Mafia: Definitive Edition segue um formato similar ao jogo original, dividindo-se entre duas partes: História e Direção Livre.

Como o próprio nome indica, História é centrado na narrativa de Tommy e seus bons companheiros enquanto lutam pelo controle de Lost Heaven.

A campanha é separada em diferentes capítulos, que mostram os 7 anos entre a entrada de Tommy para a máfia até os eventos que o levaram a se encontrar com o detetive.

A estrutura e objetivos das missões são essencialmente as mesmas do game original de 2002: à pedido de Don Salieri ou seu consiglieri Frank, Tommy deve fazer uma série de tarefas para a gangue, que vão desde de simples cobranças de dinheiro por "proteção", passando por batalhas contra os homens de Don Morello, e até assassinatos de figuras públicas de Lost Heaven.

O combate é... OK. O jogo utiliza o esqueleto básico de Mafia III para recriar o jogo original, embora sem algumas das ferramentas mais mirabolantes no arsenal de Lincoln Clay.

Como no game de 2002, Tommy não tem uma grande variedade em seu arsenal, limitado a algumas pistolas e revólveres, uma escopeta ou outra e o ocasional rifle. Nosso gângster também não é exatamente a figura mais veloz e atlética do mundo, e sua movimentação é um tanto dura.

(Também suponho que seja difícil se mover muito bem em combate usando um terno estiloso sob medida)

Não há um nível de polimento comparável a um The Last of Us Parte II, por exemplo - e, supondo o orçamento de cada jogo, nem haveria como -, mas o combate presta seu trabalho, e há uma sensação satisfatória ao cravar de balas ou atirar na cabeça de algum bandido ou policial que cruzar seu caminho.

A base de Mafia III também expande alguns espaços dentro de certas missões, permitindo uma (limitada) variedade de ações e táticas por parte do jogador ao enfrentar inimigos.

De qualquer forma, o que ficou na memória da maioria das pessoas que considera o Mafia original um clássico não era necessariamente seu combate, e sim sua narrativa e o jeito com que era contada.

O remake mantém a estrutura narrativa basicamente intacta, e a jornada central (e destino final) de Tommy na versão de 2020 é o mesmo de 2002. O que muda neste novo jogo é que alguns elementos em particular são expandidos, e algumas caracterizações também acabam sendo modificadas.

E honestamente? Eu gostei da maior parte destas adições ou modificações.

Tommy é significativamente menos ingênuo no remake, parecendo muito mais disposto a entrar para o mundo do crime do que sua contraparte no original, que era mais um refém das circunstâncias ao se redor.

Sua atitude e jeito de ser são bem mais agressivos no remake mas, ao mesmo tempo, certas ações que comete no decorrer na história que no original não traziam mais do que uma frase de efeito por parte dele - penso em uma bomba em um carro em particular - aqui o deixam bem mais impactado (para não dizer um tanto traumatizado).

Paulie tem provavelmente a caracterização mais questionável entre as figuras centrais da história: no original, ele era principalmente o melhor amigo de Tommy na máfia, e com um temperamento um pouco mais agressivo do que seus outros colegas.

Agora, Paulie é um personagem mais brutal e até patético, tratando subalternos como o mecânico Ralphie com desdém, mas sendo incapaz de encontrar sucesso em seus negócios fora da violência da máfia, ao contrário de seus amigos.

(Não ajuda que o ator Jeremy Luke traz uma voz particularmente esganiçada para o personagem, o que me deu nos nervos nas primeiras horas de jogo, embora a impressão passou com o tempo)

O oposto disso é Sam, o outro principal soldado da Família Salieri, que acaba sendo um personagem com mais profundidade do que no original. Enquanto lá ele era conhecido por sua atitude mais quieta e pragmática, o remake expande sua amizade com Tommy e Paulie significativamente, assim como suas dívidas com o protagonista.

Mas talvez a personagem que mais se beneficiou da narrativa expandida é Sarah, interesse romântico de Tommy, que enquanto no game de 2002 aparecia em essencialmente uma única missão, aqui tem seu papel significativamente expandido, servindo como compasso moral para o protagonista, mas também sabendo exatamente da natureza criminosa de sua vida.

Há alguns aspectos da apresentação do jogo que deixam a desejar - um monólogo de Tommy após seu primeiro grande trabalho para a Família é um tanto "jogado", por exemplo, e alguns diálogos envolvendo Tommy e suas ações acabam soando forçados demais -, mas ao fim da história eu consegui apreciar a maioria das expansões e elementos modificados da narrativa, dando a todos - até mesmo Paulie, que citei acima - um nível maior de humanidade e vulnerabilidade.

Paraíso perdido

A cidade de Lost Heaven também foi completamente retrabalhada neste jogo, e embora seja difícil ver todos os seus diferentes aspectos na campanha, o modo Direção Livre permite que o jogador explore a região a seu bel-prazer.

Como no original, o jogador pode dirigir pelas diferentes áreas da cidade, com tudo o que você desbloqueou na campanha principal sendo trazido no processo. Esta nova versão também traz uma variedade (um pouco maior) de atividades, de missões paralelas com desafios especiais até coleta de carros para o mecânico Lucas Bertone, mudando esta parte do jogo da campanha para o modo sandbox.

Os desenvolvedores da Hangar 13 usam os 18 anos de avanços tecnológicos para trazer uma versão mais moderna de Lost Heaven, recriando com mais detalhes e dando mais vida às ruas de uma metrópole dos anos 1930, incluindo mais pedestres nas ruas e dando a eles mais atividades, diálogos e ações a fazer.

Há também detalhes que ajudam a imergir neste mundo de quase cem anos atrás, incluindo a direção dos carros, que são significativamente mais pesados e menos aerodinâmicos do que em Mafia II ou III, e cujo peso fica mais claro ainda em dificuldades maiores, como o modo Clássico.

Uma das minhas coisas favoritas do jogo está justamente nos pequenos detalhes, como quando ao guiar o carro pelo túnel de Lost Heaven, o rádio fica mais baixo e com mais estática, com as ondas de rádio tendo dificuldade de chegar ao subterrâneo.

Mandando lembranças

Embora não tenha necessariamente o mesmo nível de polimento e investimento que algo como Final Fantasy VII Remake, Mafia: Definitive Edition é uma nova versão que ao menos faz jus a sua versão original.

Cheguei a considerar se a falta de integração e união entre a História e o Direção Livre em um só modo poderia ser um ponto contra o jogo, mas no fim, como citei no início, se encaixa no contexto em que o game original foi criado.

Além disso, honestamente, nunca achei que a série Mafia conseguiu conquistar os elementos de mundo aberto nos jogos seguintes: Mafia II, seja por design ou problemas de desenvolvimento, é um game de mundo aberto que não aproveita seu mundo aberto, com atividades extremamente limitadas fora da narrativa principal; Mafia III é um pouco melhor neste quesito, mas sofre com uma estrutura de missões paralelas extremamente genéricas e repetitivas comparadas com os eventos de sua história central.

(Mafia III, porém, traz um prazer único em meter chumbo em racistas ao som de Creedence Clearwater Revival, então não posso dizer que ele não fez alguma coisa de jeito certo)

Gostaria de que a série conseguisse encontrar uma forma de contrabalancear a narrativa e mundo aberto como outros jogos do gênero, mas para um título com apelo mais nostálgico como o remake, deixo isso passar.

No fim, Mafia: Definitive Edition não renova a fórmula do jogo original, mas a meu ver encontra sucesso ao que se propõe ao adaptar bem uma história que marcou época décadas atrás para um novo público em potencial, que provavelmente não conseguiria lidar com as limitações técnicas e controles menos intuitivos de 2002.

Nota do crítico