Uma empresa de games mobile brasileira chamada Wildlife Studios — avaliada em mais de US$3 bilhões — teve acusações de assédio moral, discriminação de gênero e desigualdade salarial, de acordo com um relatório interno do RH da empresa de maio de 2020 obtido pelo site de notícias Rest of World.

O estúdio é responsável por diversos jogos populares atualmente como Zooba, Sky Warriors, Tennis Clash e Suspects. Foi fundada como Top Free Games (TFG) pelos irmãos brasileiros Arthur e Victor Lazarte, e prosperou na última década como Wildlife Studios.

Seu jogo de maior sucesso, Tennis Clash, de 2019, tem mais de 65 milhões de downloads e, somado com seus outros produtos, ajudou a empresa a atingir patamares ainda maiores e estabelecer colaborações com marcas gigantescas como Gucci

Arthur Lazarte e Mike Mac-Vicar

Foram 22 páginas de relatório do RH onde foram relatados casos específicos de gaslighting — abuso psicológico de distorção e omissão de informações a ponto de fazer com que a vítima duvide de sua percepção, memória e saúde mental —, estereótipos sexistas, assédio moral e disparidade de salários.

Em um caso, o relatório se refere especificamente a dois casos de desequilíbrio salarial entre gêneros, observando que uma gerente que havia sido promovida recebeu um salário quase 30% inferior ao de um homem.

Não só isso, mas a preocupação com as práticas sexistas também se refletem em seus jogos. Também consta, no relatório, as preocupações com a forma como uma personagem feminina foi representada dentro do jogo Tennis Clash.

Tennis Clash

Detalhes de um vídeo do jogo que “apresentou a mulher [jogadora] de uma maneira extremamente sexualizada, com características exageradas e roupas que eram completamente inadequadas para o contexto de uma jogadora de tênis” também foram compartilhados.

Dentre as 22 páginas, também foram mencionados os esforços de um gerente para incentivar sua equipe a sexualizar de forma semelhante um outro personagem em outro jogo do estúdio e “silenciar as opiniões femininas da equipe sobre o assunto”. De acordo com o relatório, o gerente — que ainda trabalha na empresa — disse à equipe que “nosso objetivo não é quebrar estereótipos, mas reforçá-los”. 

A empresa, aparentemente, possui uma ampla cultura empresarial na qual as mulheres são marginalizadas e silenciadas. O relatório detalha três alegações específicas de comportamento sexista. Em um deles, uma funcionária ouviu que deveria ser mais “humilde” ao solicitar que fossem feitas melhorias no produto; em outro caso, um funcionário foi ignorado em uma reunião e uma funcionária foi desencorajada privadamente por um gerente de contribuir de ideias para o grupo e nas reuniões.

Escritório da Wildlife Studios

Comportamentos como a criação de um grupo no WhatsApp exclusivamente para homens no departamento de marketing para que eles “possam falar mais livremente” também foram relatados. De acordo com o relatório, as mulheres passaram a acreditar que estavam sendo excluídas de assuntos do trabalho e reuniões que surgiam no grupo por não estarem incluídas nele.

E, como é de se esperar, o relatório conclui que os esforços feitos para remediar o comportamento, como conversas com gerentes entre outras, não resultaram em nenhuma melhoria nas condições de trabalho.

De acordo com o site Rest of World, em resposta por e-mail, um porta-voz da Wildlife Studios disse: “A Wildlife Studios leva a sério toda e qualquer alegação. Temos um Programa de Integridade robusto, uma iniciativa de toda a empresa para aumentar nosso compromisso com um local de trabalho seguro, reforçando nossos valores e fortalecendo a cultura ética que pode ser encontrada em nosso Código de Conduta”. 

Além disso, ele reforçaram que em junho de 2020, um mês após a publicação do relatório do RH, a empresa criou o “Fale Conosco” — canal administrado por um provedor externo, no qual funcionários, ex-funcionários e terceiros podem fazer denúncias anônimas sobre comportamentos que são contrários ao código de conduta e política da empresa.

Já alguns funcionários dizem ter ciência do programa de integridade e do canal de denúncias, mas alega ter feito uma reclamação e nada ter sido feito a respeito. “Ouvi falar de alguns casos que foram resolvidos, outros, no entanto, permanecem sem solução ou não são reconhecidos pela empresa”. 

No Glassdoor — site que reúne diversas informações e avaliações sobre empresas — há uma publicação visível para todos que diz, entre outras coisas: “Ambiente e cultura tóxicos: é comum ver funcionários doentes, com esgotamento, depressão e burnout devido à alta carga de trabalho e pressão sem limites. Subsidiar sessões de terapia e manter as pessoas trabalhando 16 horas por dia é paradoxal e hipócrita”.

Escritório da Wildlife Studios

“Diversidade é uma piada. Não há ação afirmativa para incluir mulheres, homossexuais, pessoas trans, negros ou pessoas com deficiência. Quase todos os funcionários têm a mesma educação, moram e vão para os mesmos lugares e pensam da mesma forma”, é outro trecho da avaliação.

O Rest of World contatou um advogado trabalhista chamado Felipe Barco que disse que o comportamento descrito a ele da Wildlife Studios pode ser considerado assédio moral pela legislação brasileira, definido como “exposição repetida de funcionários a situações humilhantes e constrangedoras durante o horário de trabalho e enquanto eles realizam suas obrigações”.

Ele também contou que tem sido historicamente difícil responsabilizar as empresas brasileiras pelos tipos de transgressões descritas no documento de RH das mesmas.

“Os dois momentos mais felizes do meu tempo na Wildlife Studios foram o dia em que aceitaram minha inscrição”, disse um ex-funcionário ao Rest of World, “e o dia em que pedi demissão”.

Com informações de Rest of World. O The Enemy entrou em contato com a Wildlife Studios para mais informações.