Rieko Kodama, a “primeira-dama dos JRPGs”: de Phantasy Star a Skies of Arcadia

Suas contribuições para a indústria e reconhecimento pelo pioneirismo

Por Jessica Pinheiro 27.03.2020 17H30

Nascida em Kanagawa, no Japão, em 23 de maio de 1963, Rieko Kodama é uma designer a serviço da Sega desde 1984. Além dos diferentes cargos que já ostentou ao longo de sua carreira na produtora e dos mascotes e títulos que ajudou a criar em décadas passadas, ela também é considerada a “primeira-dama dos JRPGs” já que foi uma das pioneiras da indústria neste gênero.

Dentre os games que Rieko trabalhou estão Alex Kidd in Miracle World, Phantasy Star I e II, Sonic The Hedgehog 1 e 2 e Altered Beast, todos como designer gráfica; Phantasy Star IV e Magic Knight Rayearth como diretora; e Skies of Arcadia e a série 7th Dragon, onde atuou como produtora. Atualmente, ela é a produtora chefe da série Sega Ages.

Vida antes da Sega

Mas, ainda antes de conquistar um currículo repleto de clássicos bastante queridos, Rieko despertou seu interesse por videogames quando ainda estava na escola e jogava arcades como Space Invaders, Pac-Man e Xevious. Em entrevista ao Destructoid, a designer afirma que os filmes e livros de ficção científica eram os que ela mais gostava.

Alimentada pela sua paixão pela arte, Rieko considerou estudar publicidade com o objetivo de criar projetos e materiais de marketing para produtos. Porém, acabou indecisa entre os cursos de designer gráfico e arqueologia, já que amava civilizações antigas também - algo que ela levou para os jogos em que trabalhou, tais como Phantasy Star e Skies of Arcadia, por exemplo.

“No entanto, eu acabei fracassando completamente em todas as classes”, revelou Rieko em uma entrevista publicada no site japonês da Sega, que foi traduzida pelo Gazeta do Algol. “Eu havia estudado arte antes, então encarei isso como um sinal de que deveria continuar seguindo esse caminho, então acabei entrando em design de propaganda numa escola de comércio”.

Neste curso, Rieko conheceu uma pessoa que começou a trabalhar para a Sega e, por intermédio dele, ela também se uniu à empresa, mesmo sem saber muito conhecimento sobre como desenvolver jogos naquela época. “Para mim os videogames eram um mundo completamente novo a ser explorado”, revela a designer. “Pensei que iria trabalhar com propaganda e design gráfico a princípio, mas depois de ver o lugar no qual os jogos eram feitos, percebi que aquilo podia ser divertido, também”.

Primeiros trabalhos na Sega

Então, sob tutela de Yoshiki Kawasaki, o artista de sprites do game Flicky, Rieko aprendeu a fazer o mesmo e, teve a chance de desenhar os personagens de Champion Boxing, game em que também trabalhou Yu Suzuki. Depois, ela trabalhou em Ninja Princess e em outros jogos. “A Sega não tinha muitos designers e os prazos de desenvolvimento eram bem pequenos, então havia momentos em que eu trabalhava em cinco ou seis jogos ao mesmo tempo dentro de um ano”.

Alguns anos depois, foi chamada para trabalhar em Alex Kidd in Miracle World onde fez a arte e na versão de Quartet para o Master System. “Recebia pequenos pedidos para arte de diferentes projetos diariamente – o dragão de Miracle Warriors, um dos inimigos de The Black Onyx, dentre outros – então trabalhei em muitas coisas”, revela Rieko. 

Mas foi com Phantasy Star que a carreira e a importância de Rieko começaram a crescer ainda mais. O projeto, afinal, começou pelo desejo da Sega de ter um JRPG que pudesse concorrer com Dragon Quest, da Square Enix, no mercado.

“Na época, Dragon Quest era muito popular, então uma desenvolvedora de hardware como a Sega afirmava que precisava de um RPG só dela. Muitas pessoas na equipe queriam fazer um RPG também, então eu acho que o projeto Phantasy Star partiu daí”, conta. Sendo a designer principal do game, Rieko foi a responsável por quase toda esta parte, projetando desde personagens, mapas, cenários de fundo das batalhas e muitos outros detalhes. 

Phantasy Star

A equipe de desenvolvimento de Phantasy Star era bastante pequena: 8 pessoas apenas (e nenhum funcionário podia usar os nomes verdadeiros nos créditos naquela época, por isso Rieko é creditada como “Phoenix Rie” no game). Segundo a designer, o pseudônimo veio de um personagem de mangá que ela gostava, mas ela nunca ter confirmou quem exatamente era por ter vergonha.

Quanto a Phantasy Star, havia Rieko como chefe de design, Kotaro Hayashida, (designer da série Alex Kidd, atualmente na Game Arts) como planejador, Yuji Naka como programador e BO (cujo nome real não se sabe ao certo), cuidando das trilhas sonoras, além de alguns assistentes.

Sobre a produção de Phantasy Star, Rieko afirma que a Sega estava se desafiando no desenvolvimento do game, tentando ao máximo pensar “fora da caixinha”, já que a indústria inteira estava tentando criar e emplacar um RPG próprio.

“Por exemplo, não víamos labirintos 3D em outros RPGs de consoles, então decidimos fazer isso, e os monstros não se moviam nos outros RPGs, então incluímos animações nos monstros… esse tipo de coisa. Acho que foi isso que fez com que a heroína de Phantasy Star fosse uma mulher. Todos os RPGs da época tinham homens como heróis”, revela Rieko.

Os labirintos 3D, por sua vez, estavam planejados desde o início, muito embora tenha sido difícil programá-los para que coubessem dentro da ROM e ainda sobrasse espaço. “Tudo o que você tinha que fazer era desenhar todos os quadros de animação das paredes se movendo. Mas, se tivéssemos feito isso, não conseguiríamos encaixar todos os quadros na ROM e não ficaria muito bom se tirássemos um quadro e jogássemos outro por cima”, explica.

A solução foi criar um labirinto de linhas em 3D dentro do próprio jogo. As habilidades de programação de Yuji Naka foram mais do que aproveitadas nesta fase do desenvolvimento e, segundo Rieko, quando o labirinto foi finalizado, a exploração ficou muito mais suave e rápida do que ela esperava.

Sobre as inspirações para Phantasy Star, a designer ainda conta que Star Wars foi uma de suas grandes inspirações. “Em Star Wars, não parece que eles pegaram a cultura ocidental e adicionaram coisas japonesas aqui e ali? Quero dizer, é um filme de ficção científica, mas a roupa de Luke [Skywalker] se parece com um uniforme de judô e os sabres de luz são usadas de maneira muito semelhante à espadas de samurai”, ela elabora.

“Ao criar o universo de Phantasy Star, quis usar o que havia aprendido em Star Wars, pegando emprestado algo de um universo completamente diferente”. Por isso, Rieko acabou desenhando os personagens com roupas medievais, mesmo a história sendo futurística e de ficção científica.

Outras franquias da Sega

Rieko também esteve envolvida com Sonic the Hedgehog, o mascote mais famoso da Sega e que veio para substituir Alex Kidd. E, apesar de Naoto Ohshima, chefe de design de personagens, ter sido a pessoa que desenhou tudo - desde o cenário até a arte conceitual -, ela ajudou nas expressões de desenhos em pixel art.

Depois de Phantasy Star II, Rieko ainda dirigiu Phantasy Star IV e Magic Knight Rayearth. Na mesma época, ela conta que já estava começando a trabalhar com produção, emendando este cargo na sequência e assumindo títulos como Skies of Arcadia e 7th Dragon. 

(Vale a curiosidade, mas antes de virar chefe de produção do Sega AGES, o último jogo em que Rieko esteve diretamente envolvida, por sinal, foi 7th Dragon III Code: VFD, em 2015.)

“Eu estava envolvida com todos os aspectos [de Magic Knight Rayearth], do marketing às vendas, então isso foi uma experiência muito valiosa de aprendizado”, conta Rieko. Em Skies of Arcadia, por sua vez, a produtora da Sega conta como ficou satisfeita quando o game foi relançado para Nintendo GameCube, após ter sido lançado originalmente para Dreamcast.

“Após a versão para Dreamcast lançamos uma versão para GameCube com histórias e personagens adicionais, mais lugares para explorar e até correções de bugs”, lembra Rieko. “Sinto que fizemos o jogo que queríamos fazer [com este relançamento]”.

Rieko ainda relembra como os dois sistemas de batalha de Skies of Arcadia, isto é, as lutas comuns por turno e as que ocorriam esporadicamente entre os navios, eram “complexos”.“Me pergunto se não poderíamos tornar essa parte mais fácil de se jogar”, comenta a produtora.

Por fim, ela ainda diz que Skies of Arcadia pode chegar ao Nintendo Switch eventualmente, através da linha Sega AGES. A ideia é lançar uma ampla seleção de títulos clássicos na eShop do console, e, segundo Rieko, o JRPG de Dreamcast de GameCube, está na lista de desejos: “Queremos continuar fornecendo títulos retrô da SEGA para o hardware mais recente”, ela afirma.

Reconhecimento

Tendo sido uma das primeiras mulheres a trabalhar na indústria e, claro assumido a frente de um dos projetos mais ambiciosos de JRPG da Sega na década de 1980; Rieko Kodama recebeu o prêmio Pioneer Award durante o Annual Game Developers Choice Awards (GDCA) de 2019.

O prêmio celebra tecnologia e marcos de design de jogos e Rieko, mais especificamente, foi reconhecida por sua carreira de mais de trinta anos no desenvolvimento de jogos. Segundo Katie Stern, gerente geral da Game Developers Conference, “Este prêmio é um ‘obrigado’ à Kodama-san e todos os criadores que trabalham arduamente para alcançar a grandeza” (via Blog TecToy).

“Após décadas dedicadas ao desenvolvimento de alguns dos clássicos mais indeléveis da Sega, Kodama-san poderia facilmente descansar sobre seus louros, mas se dedicou a criar jogos que transcendessem gênero e gerações para nos dar incontáveis ​​horas de alegria”, complementou o comunicado de Katie e as palavras (e o prêmio) não poderiam ser mais acuradas.