Fazer mudanças radicais tende a não ser algo que vemos muito em franquias estabelecidas na indústria de games.

É claro, isso não é algo universal, Resident Evil é um dos maiores nomes deste mundo e de tempos em tempos a Capcom repensa seus elementos fundamentais - às vezes com sucesso, às vezes nem tanto. O mesmo pode ser dito com a Nintendo e títulos como Zelda: Breath of the Wild.

Mas, geralmente, grandes publishers e desenvolvedoras preferem não se arriscar a mudar muito sua fórmula de sucesso, mesmo sob risco de estagnação, por medo de alienar consumidores, assustar investidores, ou o que seja.

E daí temos a equipe de Yakuza, que transformou o sétimo jogo de sua franquia em um RPG japonês por turnos no momento em que a série finalmente começou a se estabelecer com sucesso no Ocidente.

O mais curioso é que, até onde eu sei, a maior parte dos fãs da série não ficou horrorizada com a mudança. E, depois de jogar Yakuza: Like a Dragon, a meu não havia mesmo motivos para se preocupar.

Yakuza: Like a Dragon
Sega/Divulgação

Após a conclusão da história de Kazuma Kiryu em Yakuza 6, Like a Dragon traz um novo protagonista, uma cidade e região novas para se explorar, e muda totalmente o estilo do combate da franquia, mas sem perder o estilo, humor e charme que conquistou seu público.

O novo herói é Ichiban Kasuga, que começa a história na virada do ano de 2001 como membro da quase irrelevante Família Arakawa, parte do poderoso Tojo Clan de Tóquio do qual Kiryu também fez parte como Dragão de Dojima por muitos anos.

Após se oferecer para levar a culpa por um crime que não cometeu e salvar a reputação da família, Ichiban passa os próximos 18 anos atrás das grades até finalmente voltar para a sociedade - e descobrir um mundo muito diferente do que deixou para trás no início do milênio.

Traído por seu antigo patriarca, Ichiban é abandonado na região de Ijincho, em Yokohama, longe da ação principal da série, geralmente focada na Kamurocho de Tóquio, e passa a viver junto da população de sem-tetos da área.

Logo, porém, o ex-yakuza se envolve em uma trama que lida com uma guerra fria entre gangues japonesas, chinesas e coreanas pelo controle do submundo criminoso de Ijincho, que conta com poderosas ligações com a polícia e fortes conexões políticas do Japão.

A maior mudança deste Yakuza para os anteriores, como dita acima, está no gameplay: ao invés de entrar na porrada franca e direta sozinho, como Kiryu antes dele, Ichiban luta em um sistema de batalha por turnos, semelhantes a RPGs clássicos.

Acredite ou não, os desenvolvedores até conseguem justificar essa mudança: Ichiban é um grande fã da série Dragon Quest, da Square Enix - que, para fins de esclarecimento, é importante notar que eu tenho pouquíssima familiaridade fora do básico -, e por isso imagina suas batalhas de rua como se fossem combates por turnos destes games.

É uma mudança significativa, e não acho que ninguém estivesse necessariamente cansado de meter a porrada em babaca na rua em tempo real, mas o sistema é surpreendentemente divertido e envolvente, e também ajuda a mostrar as diferenças entre o velho e novo protagonista.

Ao contrário de Kiryu, que era essencialmente um lobo solitário caminhando por Kamurocho, Ichiban logo encontra um grupo de pessoas que estão dispostos a trabalhar e lutar ao seu lado em combate: o sem-teto Nanba; o ex-policial Adachi; a bartender Saeko; e mais algumas pessoas que entram para seu grupo durante a narrativa.

Cada um tem suas próprias habilidades que podem ser combinadas com as forças e compensar as fraquezas uns dos outros. Mais do que isso, o game implementa um sistema de jobs para seus personagens - metafórica e literalmente, já que mudar esse aspecto acontece em um centro de busca de emprego -, que é o que dá densidade e variedade ao sistema.

Ao progredir no jogo, ganhar níveis e formar laços com seus companheiros de batalha, é possível desbloquear novos jobs para Ichiban e seus amigos, de empregos mais tradicionais como chef e capataz até mais... exóticos... como dominatrix e idol japonesa.

(E, para saudosistas, o estilo de luta em breakdancing de Majima em Yakuza 0)

Yakuza: Like a Dragon
Sega/Divulgação

O combate em si não traz um grande nível de complexidade, com inimigos mais vulneráveis ou resistentes a determinados golpes e magias especiais - embora, conforme o jogo progride, o jogador acaba encontrando batalhas mais e mais desafiadoras, especialmente no conteúdo paralelo.

Para ajudar o jogador a lidar com os desafios maiores, Like a Dragon conta com um arsenal vasto espalhado por diversas lojas, além de um local para melhorar ou criar armas e equipamentos melhores com base em itens encontrados pelo mapa ou ao derrotar inimigos, e diversas formas de criar e fabricar itens.

Isso leva a honestamente um número um tanto exaustivo de sistemas de jogo, ao ponto em que eu ou deixei mais de lado ou ignorei completamente certas coisas, como o plantio de sementes e as criações do bartender do bar Survive (seu QG não-oficial) - mesmo sabendo de sua potencial utilidade - por simples falta de paciência.

Algo que você não deve ignorar, porém, é o modo de gerenciamento de negócios do game, já que é por meio dele que você ganha a maior parte do seu dinheiro. Como em edições passadas da série, este modo é um minigame paralelo em que Ichiban deve comprar e administrar diferentes propriedades de Yokohama, com objetivo de ser o maior conglomerado da região.

Ele é um tanto difícil de manusear no começo, e o jogo faz um trabalho ruim de explicar certas coisas como os ciclos dos negócios e o sistema de batalha das reuniões com investidores, mas ainda é relativamente rápido e traz enormes benefícios para sua carteira.

(Infelizmente ele ainda não chega nem perto da arte que é o gerenciamento e batalha de cabarés de Yakuza 0 e Kiwami 2)

Outras atividades paralelas de destaque incluem um minigame de evitar cochilar ao assistir filmes no cinema - o que, em tempos de quarentena, devo admitir que me deixou um tanto abalado e até nostálgico - e o Dragon Kart, que não é o pior clone de Mario Kart que existe por aí.

Yakuza: Like a Dragon
Sega/Divulgação

A narrativa principal é envolvente, engajante e cheia de reviravoltas interessantes. Ela talvez demore algum tempo para pegar no tranco, já que uma parte significativa da história é focada no prólogo antes de Ichiban ir para a cadeia, e o evento que move o conflito central de Ichiban e sua trupe acontece boas horas após o início do jogo.

Mas honestamente? Eu não tenho muitos problemas com isso. Os personagens e o movimento das peças narrativas nas primeiras horas são interessantes o suficiente para prender minha atenção, e os elementos estabelecidos logo no início acabam tendo uma grande importância mais para frente.

Um dos grandes atrativos narrativos de Yakuza está em suas sidequests, e Like a Dragon não é exceção. Assim como Kiryu, Ichiban pode encontrar e ajudar uma série de figuras curiosas e irreverentes ao andar pelas ruas de Yokohama, com histórias que vão do trágico e emocionante ao simples bizarro.

Como nos games anteriores, completar essas sidequests pode trazer benefícios especiais para o jogador, especialmente pelo sistema de "Poundmates" (... sim), que funcionam essencialmente como summons durante as batalhas.

... E há poucas coisas tão mágicas quanto invocar uma lagosta da qual Ichiban tomou amizade e usá-la para pinçar os olhos de seus inimigos e envenená-los.

Yakuza: Like a Dragon

Não mexa com a Nancy

Sega/Divulgação

Visualmente, não há muita evolução entre este jogo e Yakuza 6 - pelo menos não em termos gráficos, e levando em conta que joguei ele em um Xbox Series X (embora os tempos de loading quase nulos no console sejam apreciados).

Esteticamente, porém, algo que vale destacar são os menus de batalha, que parecem vir da escola Persona 5 de estilo - o que é sempre uma direção boa para se seguir.

Por outro lado, o mundo de Ijincho, embora relativamente expansivo, não tem necessariamente o mesmo impacto e visual chamativo da Kamurocho dos games anteriores.

Parte disso deve-se ao fato de que a região era o foco central da série até então, claro, mas a área de Yokohama ainda não parece ter um design que faça o jogador navegar facilmente pelo mapa, enquanto Kamurocho, mesmo com as mudanças na estrutura urbana de jogo a jogo, ainda tinha pontos característicos que não me faziam ter que pausar para saber para onde devo ir.

Yakuza: Like a Dragon
Sega/Divulgação

Mesmo assim, Yakuza: Like a Dragon é mais uma excelente adição à série, e mesmo aqueles que sintam um baque muito forte com a mudança de sistema de combate deveriam dar uma chance ao game em algum momento.

Para novatos que nunca tiveram contato com Yakuza, mas que curtem RPGs japoneses, é até diria que é um bom ponto de entrada, mas com algumas ressalvas, já que apesar de ser uma nova história com um novo protagonista, há certos personagens, momentos e elementos da narrativa ligados diretamente aos jogos anteriores, e talvez seu impacto se perca caso não tenha familiaridade com eles.

(A meu ver, Yakuza 0 ainda é a melhor forma de ser apresentado à série)

Daqui para frente, caso o pessoal do Ryu Ga Gotoku Studio esteja interessado em manter o estilo de RPG japonês ou retornar à pancadaria clássica - ou até seguir um caminho diferente -, me sinto confiante de que o espírito destes jogos ainda deve continuar pelo futuro próximo.

Nota do crítico