A parte mais impactante de Redfall para mim, sem qualquer ironia, são as ondas congeladas nas bordas do mapa.

Em vários pontos da costa da cidade, as partes em que o mar foi puxado para formar um bloqueio contra qualquer fuga marítima, criando uma espécie de onda gigante congelada no tempo e espaço.

Algo sobre a muralha de água cristalina do tamanho de um prédio, com barcos e outros objetos presos ou fundidos dentro dela, eternamente prestes a quebrar e varrer você e tudo que estiver por perto, me bateu forte, sendo algo ao mesmo tempo maravilhoso e aterrorizante.

Redfall - onda congelada
Arkane Austin/Reprodução

O problema, é claro, é que algo deu muito errado quando um estúdio de uma das maiores empresas do mundo gastou muito tempo e muito dinheiro em um jogo, e o melhor que consegui achar nele foi o design de uma parede invisível.

E, de certa forma, é poético que a parte que mais me causou fascínio no jogo inteiro foi a barreira que te impede de sair.

Porque eu queria muito, muito sair de Redfall.

A esse ponto, você já sabe o que é Redfall, ou pelo menos o que ele representa. A repercussão de um lançamento tão mal visto, ao ponto de gerar um mea culpa da própria Microsoft, é difícil de se ignorar em um review levemente atrasado.

Ainda assim, vou tentar tirar o máximo desse contexto daqui, mesmo porque há muito do que se falar só de Redfall como um jogo.

É genuinamente impressionante o quanto uma equipe de desenvolvimento de um estúdio reconhecido pelo seu talento e filosofia de design tenha tomado a decisão errada em cada aspecto fundamental do jogo.

Seja no gameplay, na narrativa, na estrutura de mundo aberto, na progressão de coop online, nas missões...

Não acredito que tenha um jeito "certo" de fazer todas essas coisas, mas há definitivamente um jeito errado, e a Arkane Austin praticamente catalogou e reuniu esses erros em um único produto.

Redfall
Arkane Austin/Divulgação

De forma resumida, Redfall é um jogo de tiro em mundo aberto com um forte componente de multiplayer cooperativo online, em que uma cidade turística na costa leste dos Estados Unidos foi tomada por vampiros e seus servos.

Podendo escolher entre quatro sobreviventes com poderes e habilidades especiais – Jacob, Layla, Devinder e Remi –, você e potencialmente mais dois jogadores devem salvar a cidade ao derrotar os chamados "deuses vampiros", as figuras responsáveis por todo esse caos.

E para encontrar e derrotar esses deuses vampiros, você vai precisar fazer coisas muito entediantes e repetitivas.

Depois de uma introdução em que você transforma uma estação de bombeiros em uma base de operações, as missões principais podem ser acessadas de uma mesa central. Em geral, elas se resumem a "vá a um lugar, pegue um bagulho, mate pessoas e/ou vampiros" ou "vá a um lugar, mate pessoas e/ou vampiros".

E claro, quem for cínico o suficiente pode argumentar que dá pra se reduzir qualquer jogo de videogame a uma variação disso, mas a questão é que literalmente, não há mais nada na estrutura de missões de Redfall além disso.

Mas de alguma forma, isso ainda é mais criativo do que as missões paralelas, que se dividem entre uma ou outra fetch quest para as bases de operações, ou na libertação dos bairros da cidade.

A libertação dos bairros funciona da seguinte forma: encontre um refúgio que está escondido em algum ponto do mapa > faça uma missão > faça uma segunda missão para matar o subchefe vampiro.

Repita uma dezena de vezes.

Redfall
Arkane Austin/Divulgação

As primeiras missões variam entre alguns moldes, mas ainda se encaixando no modelo de ir para algum lugar e matar geral. Os subchefes são versões supostamente mais fortes dos diferentes tipos de vampiros, mas geralmente tudo se resolve com um, ou no máximo dois, tiros de lança-estacas.

Quando comentei isso com o PH (com quem eu compartilhei um código), ele comparou esse formato com Mafia 3.

Confie em mim quando digo que é pior. Mafia 3 tem problemas de gameplay repetitivo – e isso vem de alguém que até gosta do jogo –, mas pelo menos dava pra variar um pouco como lidar com as missões paralelas.

E pelo menos as missões principais eram mais criativas. Aqui não tem nada parecido com entrar em um country club com ricaços segregacionistas malucos de LSD, ou tacar fogo em uma reunião da não-KKK.

Mas e o combate de Redfall, compensa? Não.

Redfall
Arkane Austin/Divulgação

As mecânicas de tiro com certeza é uma das já feitas, afinal a Arkane nunca foi muito conhecida pela qualidade do combate em si. Pelo menos dá pra sentir as diferenças de cada arma, mesmo tipos diferentes de espingardas por exemplo.

São poucas as que são realmente satisfatórias de atirar, como as lança-estacas, e algumas que eu realmente achei ruins de usar – fuzis de assalto em particular.

Outra questão fica no aspecto do "looter shooter", em que você vai encontrando armas de raridade diferente conforme progride. Mas elas também têm níveis próprios, e conforme você avança no jogo vai achando armas de menor raridade e bônus passivos, mas melhores para lidar com os inimigos.

Então, de repente a arma supostamente lendária que você encontrou, e que gosta de usar, vai ficando cada vez menos efetiva.

E isso é o mais positivo que eu posso falar do combate. Todo o resto é um problema.

A movimentação do seu personagem é tão "descontrolada" que eu literalmente tive que ir nas configurações para ajustar a sensibilidade dos analógicos.

Eu genuinamente não lembro da última vez que eu tive que fazer isso pra qualquer outra coisa.

Ruim também é o formato de loadout de armas, já que você só pode equipar 3 delas por vez.

Digamos que você equipa como trio um lança-estacas, uma escopeta e uma arma de raios UV. Essa é uma ótima formação para enfrentar vampiros, mas limitada quando o assunto é lutar contra humanos comuns.

Só que, pra mudar pelo menos uma dessas armas, você tem que ir no menu de equipamentos, escolher o espaço de uma das que quer trocar, e voltar pra ação.

... Em jogo que é sempre online, mesmo jogando sozinho – ou seja, em que não existe "pausa".

Não existe nem a possibilidade de loadouts diferentes que você pode selecionar e customizar para diferentes momentos do combate.

A "compensação" disso é que a inteligência artificial dos inimigos é uma das piores que eu encontrei nos últimos anos. Eu reclamei da IA de Deathloop no meu review na época, mas aquela galera tinha um gênio tático incomparável em relação ao que eu encontrei em Redfall.

Não posso enumerar as vezes em que os inimigos olharam diretamente para mim a poucos metros de distância e não esboçaram nenhuma reação. Ou quando eles atravessaram uma poça de gasolina sem pensar duas vezes.

Os vampiros têm como maior vantagem a habilidade de se mover a outro ponto rapidamente, mas seus padrões de movimentação e ataque também não parecem muito melhores, considerando que eles geralmente não desistem de avançar depois da segunda ou terceira bala na fuça.

Redfall
Arkane Austin/Divulgação

Toda essa "ação" se passa em um dos ambientes mais vazios, isolados e desinteressantes dos últimos tempos. Em um dos vídeos de prévia que Redfall ganhou nos últimos meses, o diretor da Arkane Austin, Harvey Smith, recontou que um dos desenvolvedores colocou a estação espacial inteira de Prey em um descampado do mapa para mostrar a diferença de escala.

Mas maior definitivamente não quer dizer melhor aqui, e honestamente há salinhas em Prey com mais personalidade do que toda Redfall (tirando as ondas congeladas).

Death Stranding, um jogo em que a sensação de isolamento e vazio foram pensados deliberadamente pelos desenvolvedores, tinha pontos de interesse e locais vastamente mais interessantes de se ver e visitar do que as casas e áreas comerciais idênticas de Redfall.

Tudo também é profundamente estático. Suas ações mudam pouco ou nada no mapa além de certas coisas cosméticas, como as luzes de um farol. Ao libertar um bairro, não há pessoas do seu lado lutando contra os vampiros e outras facções. Nem sei dizer se há uma incidência menor de inimigos que aparecem.

Ele também conta com uma das decisões de design mais estranhas que eu vi em um jogo desse tipo, já que Redfall conta com dois mapas, o segundo sendo desbloqueado após você vencer o primeiro deus vampiro.

E depois que você vai para o segundo mapa, não dá mais para voltar para o primeiro.

Redfall
Arkane Austin/Divulgação

Eu genuinamente não sei como isso aconteceu, mas duvido que fosse o plano A da equipe de desenvolvimento, especialmente considerando que uma das poucas coisas que encoraja exploração são cachinhos de cabelo (sim) espalhados pelo mapa que dão uma ideia melhor do que aconteceu pra cidade ficar no estado em que ficou.

E tenho certeza que deixei um monte desses fios de cabelo no primeiro mapa quando fui para o segundo, sem a possibilidade de voltar.

O único jeito de voltar para o primeiro mapa é encerrando a narrativa do jogo, porque depois disso ele te lança de volta para o início da história para o New Game Plus.

Pois é, Redfall não tem um endgame, como Destiny e Borderlands. Até eu, que não sou um entusiasta desse tipo de jogo, sei que o que mantém o público engajado neles é um conteúdo pós-campanha mais robusto.

Até mesmo jogos como Far Cry, que também podem ser comparados a Redfall, tem um pós-jogo depois da campanha final.

Redfall
Arkane Austin/Divulgação

Não que entender mais da narrativa seja útil para qualquer coisa, já que a história não me prendeu de jeito nenhum, e é contada de forma muito pobre.

Os personagens são rasos, você não tem quase nenhuma conexão ou contato direto com os deuses vampiros até entrar no covil deles, e saber das motivações e ações passadas deles não me trouxe nada de empatia, ódio ou qualquer coisa do tipo.

O mesmo vale para os quatro protagonistas, que têm seus próprios mistérios e motivações, mas até onde eu sei não são muito bem desenvolvidos.

"Até onde eu sei" porque o jogo não te dá oportunidade de trocar entre os personagens em uma campanha depois que você começou ela. Eu joguei um pouquinho com a Layla e o Jacob antes de me focar no Devinder, e não tenho ideia de como é controlar a Remi porque eu teria que recomeçar o jogo em um outro perfil e repetir todo o início por uma quarta vez para entender como ela funciona.

Você só começa a entender e se conectar um pouco com eles ao jogar no modo cooperativo, já que nesses momentos rolam conversas entre os personagens, dando um panorama melhor sobre as opiniões e relações deles. O jogo ganha um pequeno sopro de vida, com mais traços de personalidade e novas oportunidades para combinar os diferentes poderes dos jogadores. E pode não ser difícil derrubar os inimigos solo, mas tem um pouco mais de espetáculo com uma ou duas pessoas do seu lado.

Mas é claro que o coop tem suas próprias decisões questionáveis, já que o único que consegue progredir na narrativa é o anfitrião, com os outros jogadores servindo mais como companheiros invocados de Dark Souls e Elden Ring, só que para uma campanha inteira ao invés de lutas pontuais.

E, ao voltar de uma partida assim, a única sensação que eu tive foi de perda de tempo.

Redfall
Arkane Austin/Divulgação

Eu levei mais de 24 horas para terminar Redfall, e cada uma delas me fez gostar menos e menos do jogo. Não só isso, cada hora que passava trazia novos problemas de performance e bugs, com direito a dois crashes na hora final, sendo que eu não tinha sofrido nenhum até então.

Ao terminar o jogo, a única questão relevante era "como a gente chegou a esse ponto?"

Porque a Arkane Austin é um estúdio formado não só de pessoas talentosas, mas com algumas com décadas de experiência, e responsáveis por jogos excelentes. Harvey Smith trabalhou em Deus Ex, e foi o diretor criativo de todos os Dishonored.

Ricardo Bare, o diretor criativo, também tem Deus Ex e Dishonored no seu currículo, além de ser o Designer Líder de Prey – um jogo genuinamente bom, que não teve o reconhecimento devido quando foi lançado.

Só esses dois entendem mais sobre game design do que todas as pessoas que vão ler esse texto, e não são exceção dentro da Arkane em termos de pessoas com experiência e habilidade para criar um bom jogo.

Só que eles acabaram fazendo Redfall.

Eu não sei o que motivou a decisão de criar um jogo fora dos padrões da Arkane. Talvez pressões da Bethesda. Talvez a vontade dos próprios desenvolvedores (ou da chefia do estúdio) de fazer um jogo diferente do que eles estavam acostumados. Talvez um pouco de cada.

No momento também é difícil saber como esse projeto evoluiu desde a concepção inicial até o lançamento, e como a Bethesda e a Microsoft acompanharam ele – pelo menos o Phil Spencer já disse que eles não ajudaram com o projeto como deveriam.

O ponto é que não rolou. As ideias da Arkane não se encaixaram com o modelo de jogo que eles queriam (ou tiveram que) fazer.

Estúdios bons fazem jogos ruins, acontece. Mas é chocante o quanto se errou a mão aqui. E, em um ambiente em que games grandes são cada vez mais caros de se fazer, cada fracasso tem um impacto potencialmente monumental para a sua equipe.

Minha esperança é que isso tenha sido só um tropeço na tentativa de criar algo novo, e que a Microsoft realmente ajude a Arkane no que for preciso para o próximo jogo deles – e ver quando alguma coisa está dando errado.

Porque Redfall deu muito errado.

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Redfall
  • Lançamento

    02.05.2023

  • Publicadora

    Microsoft

  • Desenvolvedora

    Arkane Austin

  • Censura

    16 anos

  • Gênero

    Tiro

  • Testado em

    Xbox Series X

  • Plataformas

    PC Xbox Series X

Nota do crítico