A desenvolvedora 343 Industries passou uma década inteira errando a mão em Halo e desconhecendo o que faz dessa série algo especial. Mas o último projeto do time, Halo Infinite, não apenas representa uma volta às raízes mas ao mesmo tempo traz também vários elementos inesperadamente legais.

Pela primeira vez, a franquia abraça um design de mundo aberto nos moldes de Far Cry e traz ideias que estão longe de serem inéditas nos videogames mas que, para nossa surpresa, passam uma sensação de frescor quando são aplicadas em um Halo. 

Esse é um projeto que passou por seis anos conturbados de desenvolvimento. Então é muito bom descobrir que ele foi finalizado com mais prós do que contras — ainda que exista muito espaço para melhorar. 

Para os recém-chegados, Halo Infinite é um jogo de tiro em primeira pessoa e exploração. Você controla Master Chief, um soldado modificado geneticamente que está numa missão acompanhado de um piloto e uma inteligência artificial, e que precisa lidar com um exército inteiro de alienígenas de uma facção chamada de Os Banidos

Enquanto desbrava uma área aberta em um mundo sintético em formato de anel, Chief destrói bases inimigas, liberta aliados e coleta itens. E, ainda que a campanha como um todo tenha deixado a desejar em alguns aspectos, não é exagero nenhum dizer que este é o melhor Halo de todos quando o assunto é gameplay.

A melhor e mais divertida jogabilidade em toda série

Parte da mágica dos primeiros Halo, que foram desenvolvidos pelo estúdio Bungie, estava no conceito de sandbox, algo que foi se perdendo nos Halos recentes. Sandbox nada mais é do que o elemento criativo de gameplay que dá ferramentas para que o jogador se sinta livre para realizar suas missões com abordagens diferentes ou apenas para brincar e fazer loucuras no mundo.

Em Halo, isso se traduz em como você tem acesso às armas e veículos, na interação com NPCs aliados inimigos, nas estruturas destrutíveis ou explosivas e por aí vai. E existem coisas novas no design de Infinite que dão uma injeção desse tipo de liberdade, a começar pelo arpéu

O arpéu é o coração do jogo. Ele representa a melhor e mais significativa nova mecânica na franquia desde de Halo 2. Com ele, você não apenas tem acesso a um tipo de exploração vertical inédita na série, mas também pode fazer várias outras atividades. 

Roubar veículos, pegar armas à distância, evadir de um tiroteio e atacar inimigos. Tudo fica mais divertido com o arpéu e daqui pra frente eu acho impossível imaginar um novo Halo sem ele.

O arpéu integra também as habilidades do Master Chief que podem ser aperfeiçoadas. É inédita na franquia esse tipo de árvore de habilidades que contempla recursos ativos, como propulsores, e passivos, como mais resistência no escudo da armadura. Algo que motiva a busca por upgrades e não é complexo demais ao ponto de deixar Halo com cara de um RPG, por exemplo.

Outra coisa deliciosa de usar são as bobinas explosivas. Elas já estavam presentes na franquia há um tempo, mas só agora passou a ser possível segurá-las e jogá-las contras os inimigos.

As bobinas entregam mais possibilidades de ataque, servindo como armas quando você está com pouca munição ou criando reações em cadeia para atingir inimigos escondidos. O dano e o raio de explosão das granadas foram nerfados provavelmente para dar espaço às bobinas.

Halo Infinite trouxe de volta os fuzileiros e agora, além de serem mais resistentes a dano do que em versões passadas, eles também podem ser resgatados e funcionam como recurso de defesa perto das bases aliadas.

Teria sido bem mais interessante se houvesse um jeito de gerenciar melhor a presença deles ou de dar comandos estratégicos, mas mesmo assim eles tornam os enfrentamentos mais dinâmicos e caóticos — no bom sentido.

O inimigo agora é outro (mas não muito)

Existe variedade de inimigos em classes e dificuldades diferentes, o que é muito bom, mas essa teria sido também uma boa oportunidade para incluir algo completamente novo em vez de praticamente os mesmos alienígenas do exército Covenant. 

Foi incluída apenas uma nova raça chamada de “skimmers” entre os Banidos, que são quase uma cópia dos Buggers de Halo 2. A história chega a prometer um tipo de inimigo novo, mas isso acaba ficando para a sequência.

Porém, uma novidade interessante são os inimigos procurados. Existem 15 minichefes que consistem alguns dos bandidos mais perigosos da galáxia segundo a UNSC. Eles precisam ser caçados, derrotados e como recompensa por cada um você ganha uma arma modificada, o que funciona como um belo incentivo.

Essas armas podem ser acessadas quando você quiser em qualquer das bases aliadas. É isso, mesmo Halo agora tem bases, que são uma novidade muito bem-vinda e que servem para fazer viagens rápidas pelo mapa ou para se preparar para uma batalha pegando novos veículos e armamento. 

O que é que eu vou fazer com essa tal liberdade?

E, como dito anteriormente, este é um Halo de mundo aberto. O design de level não é nada tão livre quanto um Skyrim ou Breath of the Wild, mas traz seções que o jogo vai liberando e que podem depois serem acessadas por meio de viagem rápida. A principal e maior área do jogo pega várias inspirações de Halo: Combat Evolved.

Seja na área aberta de florestas e montanhas, nas bases brute ou nas instalações forerunner subterrâneas, o playground de batalha funciona e muito bem.

Mas enquanto a introdução de um ciclo dinâmico de dia e noite e da verticalidade do terreno com pilares artificiais tornam esse mundo muito mais interessante de desbravar, é triste ver que vários ambientes mostrados no primeiro teaser de 2018 não sobreviveram à versão final. Existiam biomas e fauna variados, mistérios em cavernas e até algum tipo de exploração aquática.

Uma quantidade imensa de material parece ter sido descartada nesses últimos e conturbados anos de desenvolvimento. Halo Infinite tem basicamente três tipos de ambientes e nada mais.

Onde estão os trechos de neve, os pântanos, os desertos? Mesmo o multiplayer traz lugares diferentes como áreas urbanas… E nada disso aparece na campanha. A Microsoft diz que quer incluir conteúdos em Infinite por vários anos, será que algo disso vem no futuro?

Saudade da história que a gente não viveu

A história de Halo Infinite é o ponto mais doce-amargo para mim. Master Chief fica desacordado por seis meses que se passam entre a cena inicial e os primeiros momentos de gameplay. E, ironicamente, é nesse período que os eventos realmente emocionantes do enredo acontecem e você não tem a chance de jogar nenhum deles. 

Sobra para o jogador um modo história cheio de missões principais mundanas, como destruir pistões em bases e acionar terminais que às vezes resultam em discursos longos de um general brute que adora monólogos.

Bom, os dois jogos anteriores trouxeram um enredo desnecessariamente complicado envolvendo os prometheans, o manto da responsabilidade, os guardiões, a Recuperação, Cortana genocida galáctica e tantos outros elementos. E, não que eu sinta saudade de coadjuvantes desinteressantes como o time Osíris — ou de qualquer das decisões narrativas do último jogo — , mas é muito bizarro pensar que Halo 5 terminou em um gancho, quando toda a gangue está finalmente reunida, e que nada daquilo resultou em um desfecho minimamente aceitável nessa continuação. 

Pois é, todos os personagens de Halo 4 e 5 estão ausentes e alguns são apenas mencionados em registros de áudio colecionáveis que estão espalhados pelo mapa. É a coisa mais frustrante sobre a campanha desse jogo. Afinal, Infinite é Halo 6, uma sequência direta que praticamente descarta tudo que foi construído antes sem uma conclusão razoável e sem oferecer algo satisfatório em troca. 

É uma história que não fala com nenhum público. Quem nunca jogou Halo não vai entender direito do que se trata os flashbacks holográficos que tentam explicar o que aconteceu nesses seis meses; quem jogou os anteriores, mas não jogou o spin-off Halo Wars 2, vai se perguntar sobre quem diabos é o vilão Atriox e os Banidos; e quem jogou tudo vai acabar com dúvidas de qualquer jeito porque o game não é muito eficaz em contar uma história que está conectada com o que veio antes.

Os problemas durante o desenvolvimento de Halo Infinite ficam evidentes também na falta de cenas mais elaboradas — que sempre foram presentes na narrativa dos jogos da série. Isso sugere que muita coisa da trama foi mudada de última hora.

Todas as cenas usam a mesma técnica de plano sequência, o que causa uma sensação intimista muito legal em certos momentos, mas torna tudo mais repetitivo visualmente.

Não apenas não há batalhas megalomaníacas em Infinite, como derrubar um scarab ou usar grandes veículos aéreos, como o senso de escala desaparece quando todas as cutscenes são assim, sem planos abertos, sem contraplanos ou outras perspectivas.

Não seria muito mais legal jogar e acompanhar de fato esses acontecimentos chocantes se desenrolando em vez de apenas ouvir falar deles em áudios? Ou pelo menos assistir cutscenes mais elaboradas de flashback em vez de hologramas simples e desinteressantes visualmente?

Mas, para não ser injusto, a narrativa acerta em alguns pontos. Existe muito fan service com menções de frases dos jogos anteriores e easter-eggs.

A nova inteligência artificial que acompanha o Chief e, que é chamada apenas de “Arma”, é extremamente carismática e tem uma química tão boa com o protagonista quanto a que ele tinha com Cortana — com muito mérito dos atores Jen Taylor e Steve Dawnes que interpretam a dupla no áudio original.

Os diálogos entre os dois são sólidos e quase sempre muito divertidos. Assim como as interações com os fuzileiros e grunts rendem várias risadas, com frases que são cheias de personalidade e às vezes entregam coisas inéditas sobre a mitologia da serie. 

Por outro lado, o novo personagem, o piloto Echo 216, tenta trazer uma perspectiva mais humana da guerra, mas acaba soando mais como um personagem irritante durante a maior parte da história.

Algo que também ficou faltando na versão de lançamento foi a possibilidade de acessar capítulos do jogo. Não é possível selecionar missões e refazê-las como todos os outros games da franquia. 

Lindo de ver e ouvir

Porém, quando o assunto é apresentação, em visual e som, Halo Infinite é puro sucesso. A parte musical foi elaborada por um trio de compositores, que conta com Gareth Coker — que compôs para a franquia Ori — e Joel Corelitz — de Death Stranding —, e que fazem um trabalho maravilhoso. 

Existem desde releituras e homenagens aos temas da era Bungie, compostos por Marty O’Donell, até melodias completamente novas que foram lindamente arranjadas com a riqueza dos timbres incomuns que caracterizam Halo: cordas, batuques tribais, marchas bélicas, cantos de corais e até sintetizadores. 

Na parte visual, a direção de arte encontra um meio termo entre o fotorealismo de Halo 4 e 5 e o aspecto mais cartunesco dos jogos da Bungie. O mesmo acontece com armadura do Master Chief, que volta a lembrar mais o visual tradicional com superfícies mais “clean” e é praticamente igual a versão da minissérie Forward Unto Dawn. Para mim, este é a melhor aparência do personagem até hoje.

O mesmo princípio é aplicado na apresentação dos inimigos, dos veículos eda própria arquitetura das construções forerunner, que retornam às silhuetas do game original, só que com mais texturas e melhor iluminação luz.

De forma geral, a estética do jogo é mais minimalista e traz cores mais suaves. É como se a 343 tivesse dado um passo atrás e encontrado o perfeito equilíbrio entre o clássico e o atual, resultando no melhor dos dois mundos.

Quando a primeira demonstração da campanha de Halo Infinite foi exibida mundialmente, houve uma preocupação geral com a parte gráfica do jogo que não parecia lá muito polida. Com o adiamento do lançamento em um ano, a 343 aparentemente conseguiu entender melhor seu novo motor gráfico Slipspace, feito exclusivamente para Infinite, e reverter o problema. 

O jogo roda com desempenho diferente entre as plataformas e eu não testei em todas. Mas no Series X, que foi onde eu joguei, existem dois modos. Um se foca em quadros por segundo, chegando aos 120 fps em resolução dinâmica, que pode variar entre os 1440p e até mesmo abaixo dos 1080p.

Eu optei por jogar a campanha no modo qualidade, que me parece muito melhor. Ele oferece resolução 4K e 60 fps, rodando bem lisos. Muito mais estáveis do que os 120 fps. Isso surpreende pelo fato da maior parte do game se passar em uma área aberta, com milhares de itens sendo renderizados em tempo real, o que poderia ser um problema, mas que o jogo consegue dar conta.

A tecnologia de qualidade de imagem variável inevitavelmente deixa elementos distantes com muito menos detalhes. A chamada distância de desenho (draw distance), funciona muito bem pela escala do mundo aberto, mas o sombreamento dos elementos desaparece a longa distância e os pop-ins são notáveis quando você se aproxima de objetos.

De perto, a qualidade das superfícies dos elementos, das as texturas de objetos metálicos até a terra com pedras no chão, é impressionante — pelo menos na minha experiência com o Series X.

É importante notar que Halo Infinite foi lançado sem o recurso de traçado de raios (ray tracing), que é a tecnologia que aumenta consideravelmente o realismo da iluminação, sombras e reflexos.

A promessa é que isso chegue mais tarde, por updates, assim como outras coisas que ficaram faltando, como o multiplayer cooperativo de tela dividida que também está em falta nesta versão 1.0 do jogo.

Acessibilidade e localização brasileira

Por fim, vale mencionar também que existem muitas opções de configuração no menu — mais do que em qualquer jogo da franquia. Tem desde uma profunda personalização dos controles até várias opções de customização gráfica e, felizmente, também uma seção de acessibilidade. Ali é possível alterar a interface, tamanho e cores do texto, entre outras coisas que vão deixar o game jogável para mais pessoas.

Também é possível escolher o idioma da voz e da legenda separadamente. Mais uma vez, um novo Halo é localizado em português do Brasil, mas sinto que desde que isso começou a acontecer em Halo 3, poucos dos problemas foram corrigidos. A começar pela parte da tradução. 

O time da Microsoft responsável por isso aqui no Brasil é muito inconsistente ao definir nomes próprios no roteiro. Algumas coisas são traduzidas para português, outras ficam em inglês, outras aparecem em inglês ou português dependendo do jogo.

E não há necessidade alguma de manter certos nomes em inglês, como aconteceu com o Didact (que poderia ser “Didata”), o Warden Eternal (que poderia ser algo como “Guarda Eterno”) e agora a nova vilã “Harbinger”, que poderia ser facilmente traduzida para “Mensageira” ou “Anunciadora”. Enfim… é tudo muito incongruente.

Na parte das vozes, Wendel Bezerra, o eterno Goku, é o que entrega a melhor performance no papel do Piloto, mas o Master Chief do Sergio Fortuna e a Arma da Helena Fruet soam completamente deslocados em relação ao que aparece na imagem e, em vários momentos, como se estivessem lendo no modo automático. 

Eu não sei como foi feito o processo de gravação, o quanto de acesso eles tiveram às cenas ou o quanto de suporte eles receberam dos diretores de dublagem, mas eu não posso dizer que eu recomendo essa versão. Se possível, opte pelo áudio original em inglês com legendas em português.

Vale a pena?

Depois de muitos feedbacks negativos ao longo da última década, o estúdio 343 prometeu que seu terceiro jogo seria um Halo mais próximo das origens e a promessa foi cumprida. Infinite consegue ser familiar e inovador, nostálgico e fresco. 

Apesar de uma história insatisfatória e de pouca variedade de cenários, existe aqui a base para uma campanha excelente: uma apresentação fantástica em visual e música e principalmente uma jogabilidade estupidamente divertida que me deixou engajado durante cerca de 20 horas. 

Claro que é preciso cobrar e esperar pela tela dividida, pelo ray tracing, por uma melhor conclusão da história que termina em gancho,   por uma seleção de capítulos e pelos vários ajustes no multiplayer — que não estamos resenhando aqui, mas que é também ótimo e está gratuito.

A 343 entende que conseguiu criar um dos combates de FPS mais divertidos já feitos e entrega essa experiência aos montes na campanha. Se um longo suporte de atualizações for dado, como ainda é dado à coletânea The Master Chief Collection, este pode se tornar um jogo à altura dos antecessores que fizeram a franquia famosa.

Mas neste momento, Halo Infinite é uma joia bruta, que precisa de polimento, e eu mal posso esperar pra vê-la brilhar em todo o seu potencial nessa prometida construção contínua

Nota do crítico