Uncharted 4: A Thief's End é um grande ponto final na saga de Nathan Drake. O jogo, lançado em 2016 pela Naughty Dog, encerra com maestria a jornada do personagem que havia protagonizado a série até então. Para muitas pessoas, ele deveria encerrar, também, a franquia como um todo.

Mas a Naughty Dog decidiu que havia pelo menos mais uma história que valia a pena ser contada naquele mundo. Com Uncharted: The Lost Legacy, ela trouxe de volta Chloe Frazer, que teve um grande papel em Uncharted 2 e apareceu rapidamente em Uncharted 3, e Nadine Ross, antagonista de A Thief's End. O que começou como um DLC virou um jogo inteiramente novo. Resta saber se ele será, de fato, o final da franquia, ou se isso é apenas o início de uma nova fase.

Jogando Lost Legacy, fica claro que a presença de Drake não é necessária para conduzir uma história de Uncharted. Como apontamos em nosso review, o relacionamento de Chloe e Nadine funciona muito bem, e a química entre as duas personagens - fortalecida pelos excelentes diálogos do roteiro e pela captura facial de ponta da Naughty Dog (combinada com belíssimas atuações de Claudia Black e Laura Bailey) - é mais do que suficiente para manter a campanha interessante. Não é a toa que essa dupla superou todas as outras ideias que a desenvolvedora teve.

"A forma como chegamos nessa história foi meio que explorando muitas outras opções," disse Kurt Margenau, em entrevista ao The Enemy. "Não é como se no primeiro dia nós falamos 'vai ser a Chloe e Nadine, é isso!' Pensamos no Sam e Sully, isso era o que a maioria esperava, ou um flashback com o Sully, ou algo com a Elena, Cassie. Exploramos todas essas opções, mas o que fez mais sentido foi a história de Chloe, e depois encontrar alguém pra ser sua parceria. Nós gostamos da Nadine - haviam histórias que eram só a Nadine - então esse pra surgiu de um processo de eliminação que envolvia outras histórias."

Chloe e Nadine são, em muitos sentidos, opostos. A primeira é mais relaxada, solta algumas piadinhas (muito menos que o Drake, mas ainda há humor) e não se preocupa muito com disciplina. A segunda é rígida, séria e temperamental. Não é preciso pensar muito para ver que juntá-las cria um potencial narrativo totalmente diferente dos outros jogos da série. O resultado final é palpável. Lost Legacy é, talvez, o Uncharted mais bem escrito até agora. Tanto em cenas da história quanto na conversa que as duas jogam fora enquanto dirigem pelas Gates Ocidentais, na Índia, vemos como a dinâmica entre elas começa, evolui, é testada por dificuldades e diferenças, e, no fim das contas, se torna uma forte amizade.

Uncharted: The Lost Legacy
Sony

Cada passo dessa progressão é merecido. O roteiro do jogo acerta justamente por construir ambas mulheres de forma individual, e depois colocá-las em rota de colisão. Quando uma reage às ações e falas da outra, nunca há um sentimento de que o enredo está nos forçando a aceitar isso. Se a parceria entre elas vai virar um laço de amizade, não será por falta de tribulações na jornada. Há uma verdadeira sensação de crescimento na forma como Chloe e Nadine se tratam.

Ao final do jogo, não restavam dúvidas na minha mente de que a Naughty Dog pode continuar fazendo Uncharted mesmo que o Drake nunca mais apareça. Já conhecida por construir ótimos personagens, a desenvolvedora merece a confiança dos fãs, independente de quem esteja na capa. Pelo que o estúdio nos disse, eles parecem cientes disso. "Há outras histórias que podem ser parte do futuro," afirmou Shaun Escayg, diretor criativo e roteirista. Nós não temos planos para o futuro no momento, mas, você sabe, tem sempre mais. A história do Sullivan, a história do Sam, a história do Cutter, a história da Nadine, da Cassie. Todas essas são ideias que nós consideramos."

A própria Chloe já se mostra uma líder em potencial para a franquia, mas Shaun não descarta outras opções."Eu acredito que (a Chloe consegue ser a protagonista), com certeza. Nós não temos planos pra isso, mas eu acho que ela é um personagem com muita profundidade," ele nos disse. "Muitos personagens podem seguir direções diferentes. O mundo é grande e os temas que Uncharted nos permite explorar - ação e aventura, descobertas, uma narrativa mais realista, eu acho que isso pode servir muitas histórias diferentes. Da Sully, da Nadine, Sully, Sully jovem, Cassie. Quem sabe?"

Além de mudar o protagonismo, The Lost Legacy também apresenta diferenças em relação aos outros jogos da série no desenvolvimento. Não foram anos de trabalho, foram apenas meses. "Foi aproximadamente um ano. Foi intenso," admite Shaun. "Como o Kurt disse, nós fomos diretos, preparamos um plano e o executamos. Fizemos poucas mudanças nesse plano. Foi assim que conseguimos terminá-lo. O time apoiou o jogo 100%, essa foi a outra razão pela qual conseguimos terminá-lo. E eu acho que as limitações foram o que criaram e poliram esse jogo, e nos forçaram a focar no que estava à nossa frente e no que podíamos fazer com o tempo que tínhamos. E você está vendo os resultados disso."

Uncharted: The Lost Legacy
Sony

O tempo menor de desenvolvimento significou menos custos por parte da Naughty Dog e Sony, dona da franquia. Como resultado, temos um jogo que sai mais barato. Nos EUA, The Lost Legacy custa US$ 40, abaixo dos US$ 60 tradicionais. No Brasil, o novo Uncharted tem preço oficial de R$ 150, mas não é difícil encontrá-lo por R$ 130 ou R$ 120, basta uma rápida pesquisa para encontrar preços cada vez menores do que os R$ 180 que normalmente acompanham os exclusivos da Sony no mercado nacional.

O nome Uncharted não precisa mais ser atrelado a Nathan Drake

Todas as peças estão ali. Se Lost Legacy for rentável, a Naughty Dog já tem a estratégia perfeita para continuar explorando Uncharted sem transformar a franquia em um caça-níquel.

O nome Uncharted não precisa mais ser atrelado a Nathan Drake. A marca pode se transformar no título de uma série que simplesmente coleciona boas histórias de ladrões e caçadores de tesouro. Este pode ser um selo que da à Naughty Dog a chance de explorar diferentes personagens, diferentes dinâmicas e diferentes temas no mundo que ela criou. Se a Sony for esperta, o modelo de menos de tempo de desenvolvimento e um preço mais baixo não se limitará a Lost Legacy.

Em resumo, Uncharted pode ser algo semelhante às revistas pulp de aventuras lançadas nos anos 40 e que serviram de inspiração para a série. Elas tinham nomes genéricos - Weird tales, True Crime, All-Detective - e não se prendiam a um personagem ou história, abraçando qualquer narrativa que seguisse o tema geral do seu título. Uncharted significa cenas de ação espetáculares, diálogos divertidos e bons protagonistas, não importa se eles se chamam Nathan Drake, Chloe Frazer ou Nadine Ross.