Que a Sega já tentou de tudo para emplacar jogos do Sonic the Hedgehog no mercado, não há dúvidas.

Contudo, a frase acima não é exatamente uma constatação - está mais para estimação. Afinal, não é todo dia que se vê uma empresa tão... disposta? (na falta de termo melhor) a encarar diferentes gêneros e fórmulas tantas vezes, tudo para tentar fazer com que o ouriço azul mais veloz dos videogames se mantivesse relevante.

Em retrospecto, a própria concepção de Sonic seguiu um pouco deste modus operandi. Em resumo, o Borrão Azul foi criado pelo programador Yuji Naka e pelo artista Naoto Ohshima e, desde o princípio, o ouriço foi designado para competir com o Mario e a Nintendo, substituindo Alex Kidd como o próximo grande mascote da Sega.

Dentre os conceitos descartados de Sonic está um tatu, um cão e até mesmo um coelho e, vale apontar, antes de ganhar o sonoro nome que hoje o ouriço tem, ele era chamado de “Mr. Needlemouse”. Em pesquisas públicas, os desenhos de uma espécie de porco-espinho chamavam mais a atenção e o design do Borrão Azul como conhecemos atualmente tomou forma; sendo posteriormente escolhido como o novo mascote da Sega.

Em oposição ao design “infantil” e “família” dos jogos do principal mascote da Nintendo, o mascote da Sega por sua vez nasceu para ser “descolado” e “rebelde”. Sua cor azul reflete o logo da companhia e seus sapatos vermelhos são inspirados em Michael Jackson. Sua personalidade foi baseada no slogan da campanha presidencial de Bill Clinton em 1992, que dizia “Faça acontecer!”.

Por fim, o Borrão Azul também foi inspirado em um piloto fictício da Segunda Guerra que, ao guiar seu avião em altas velocidades, terminava com os cabelos espetados, lembrando um ouriço - um símbolo que ele usava em seu avião e em sua jaqueta.

Imagem do trailer de pre-order de Sonic Mania
Sega/Reprodução

Na história, quando o piloto se aposenta e se casa com uma escritora de livros infantis, ela escreve uma obra baseada em seu marido, intitulada “Sonic the Hedgehog” - cujo enredo se tornou o mesmo do primeiro game da franquia. A maior comprovação dessa influência é o símbolo com o emblema de asas em que Sonic aparece no título de seus jogos.

Além disso, o background é reforçado pelos loopings das fases do ouriço, uma vez que o movimento lembra as manobras executadas pelos aviões. Existem ainda detalhes bizarros de sua concepção, como o fato de que ele teria uma banda e que foi cogitada uma namorada humana, de nome Madonna, para Sonic.

Em termos mais técnicos e menos conceituais, as origens de Sonic também provém de uma demonstração criada por Yuji Naka quando ele desenvolveu um algoritmo até então nunca antes visto, o qual permitia que os objetos na tela se movimentassem de maneira suave quando em curvatura.

O objetivo inicial do programador era, afinal, criar um game de plataforma onde um personagem pudesse se mover rapidamente pelo cenário, como uma bola em uma máquina de pinball - por isso Sonic pode assumir a forma de uma bola quando está em alta velocidade, por exemplo.

Vale ainda apontar que os games do ouriço tinham que ter, acima de tudo, uma jogabilidade simples. O ideal era que o jogador pudesse apertar apenas um botão do joystick para executar as ações do personagem. Portanto, Sonic apenas pula e se move para os lados, direita e esquerda, inicialmente. Fácil.

Todos esses conceitos e ideias exemplificam perfeitamente como a Sega sempre esteve disposta a tentar de tudo - e mais um pouco - quando se trata de seu principal mascote. E, para o bem ou para o mal, acabou dando certo.

Imagem de Sonic the Hedgehog (1991)
Sega/Reprodução

O ritmo do sucesso

Em jogos de plataforma clássicos, o jogador quase sempre consegue estudar os cenários e responder a eles usando as mecânicas que o game oferece. Os obstáculos que surgem no caminho de forma inesperada também devem ser superados seguindo esta lógica e, muitas vezes, quando isso ocorre, toda a experiência está tentando ensinar algo novo ou fazer com que o gamer use de maneira rápida e eficiente, tudo o que lhe foi ensinado até então.

Segundo Raph Koster em seu livro sobre game design A Theory of Fun, um cenário é bem executado (em termos de design) quando ele ensina algo ao jogador, apresentando as ferramentas (ou mecânicas) com as quais será possível superar os desafios que surgirem no caminho.

De forma bem generalizada, a princípio Sonic representa o estilo, o visual e o conceito; Mario, enquanto isso, representa a forma, a execução e o prático. A principal temática do ouriço azul é a sua velocidade, enquanto que a do encanador vermelho são suas acrobacias. Ambos usam, primariamente, essas ferramentas para superar os desafios.

A velocidade sempre foi uma constante na concepção e histórico de Sonic. Tanto é que até as músicas de seus jogos são, de forma geral, rápidas. Em uma canção, geralmente tem-se instrumentos de diferentes dimensões (ou tipos) mantendo a melodia e a harmonia. E existem ainda os instrumentos usados para manter a seção rítmica das músicas.

Em todos esses elementos, as canções compostas para os jogos de Sonic geralmente marcam mais a memória do jogador por conta de sua seção rítmica rápida: a melodia e a harmonia possuem tempos diferentes, claro, mas elas conversam entre si para gerar uma sensação de pulso rítmico dinâmico, que combina com os cenários e a velocidade do ouriço azul.

Faça o teste: ouça a música acima e preste atenção na melodia. Tente acompanhar o ritmo com diferentes partes do corpo (cabeça, dedos e pés), designando cada um para diferentes instrumentos da música.

Nos 3 primeiros jogos de Sonic the Hedgehog, em particular, embora a velocidade do ouriço seja sua principal arma, ela é difícil de ser controlada a princípio; e por isso, muitos jogadores acabam achando que o design de fases é ruim ou mal feito. Até porque, se é um jogo de velocidade, porque existem tantos obstáculos pelo caminho e, sobretudo, caminhos e plataformas?

A sensação que fica é que a velocidade é mais uma recompensa em pontos específicos das fases, do que uma habilidade propriamente dita. Todavia, é nesse elemento que os games de Sonic verdadeiramente brilham: a forma como o jogador utiliza a velocidade a seu favor em meio aos obstáculos, dominando as distâncias entre as plataformas e o tempo de lançamento do ouriço sobre os inimigos.

E então, o jogador percebe que, Sonic, na verdade não pode ser controlado, não em sua totalidade ao menos. Na realidade, ele tem que ser direcionado. Afinal, se deixar levar pelo impulso certamente vai frustrar a experiência: o ouriço vai acabar sendo atingido por espinhos ou por inimigos, poderá cair em um grande buraco e morrer ou até mesmo perder velocidade em uma rampa.

No fim das contas, tudo se resume a repetição. Basta observar e calcular bem. Em uma instância, porém, isso pode ser confuso, afastando os gamers da verdadeira experiência. Ainda assim, em um game 2D (ou ainda 2.5D) a fórmula funciona. Sonic e sua velocidade conquistaram milhares de fãs, seja por seu carisma, sua atitude ou sua jogatina simples e divertida. Mas, e quando a indústria mudou e tudo se transformou em 3D…?

A malfadada fase 3D

Imagem de Sonic Adventure 2 Battle
Sega/Reprodução

Apesar de toda a reputação que viria a seguir, um dos pontos altos da franquia de Sonic foi na era 3D. Sim, até houve uma tentativa prévia com Sonic 3D Blast anteriormente, mas foi Sonic Adventure e a sequência Sonic Adventure 2 que tiveram a importância e sucesso indiscutível para a saga do ouriço.

Ambos ajudaram a consolidar a série na nova fase 3D do mercado de videogames, além de estruturarem bem como veríamos os games de Sonic daquele ponto em diante, sendo um ponto de partida diferente, mas que ainda mantinha todos os conceitos básicos do personagem: A atitude descolada, a jogabilidade simples, o excesso de velocidade (seja no gameplay ou nas músicas), as plataformas e obstáculos… tudo ainda estava lá.

O problema maior foi a maneira como tudo foi executado quando transportado para o 3D.

O início da fase moderna de Sonic foi desengonçada, na falta de um termo melhor. O 3D oferecia um grande leque de possibilidades em termos de design de fases e de movimentação, já que agora não era preciso apenas controlar Sonic nas quatro direções típicas dos jogos 2D.

Por outro lado, como incorporar a alta velocidade de Sonic em uma ambientação totalmente em 3D? Uma das respostas foi o posicionamento de câmera, aperfeiçoada e apresentada apenas em Sonic Unleashed alguns anos depois.

Isso porque, deste jogo para frente, a câmera passou a ser um ponto quase sempre fixo atrás do ouriço, ao invés de oferecer movimentação livre. Com a nova perspectiva, era possível mover o personagem primariamente para frente ou para trás. 

Imagem de Sonic Unleashed
Sega/Reprodução

Além disso, foram adicionados novos elementos de gameplay, como o Boost e o Homing Attack, movimentos que faziam com que Sonic sempre acumulasse mais força e velocidade, independente de precisar pular em plataformas ou executar inimigos em seu caminho.

Com estes elementos, era possível sentir novamente que o jogo era realmente rápido e que Sonic podia ser apenas direcionado e não controlado em sua totalidade. Ele agia mais no cenário do que respondia a ele. Além disso, os cenários ganharam segmentos em 2.5D para atiçar a veia nostálgica dos jogadores mais antigos.

Mesmo assim, foi também em Sonic Unleashed que o ouriço começou a enfrentar uma verdadeira crise de identidade. A fórmula das fases de dia, não eram o suficiente: o jogo também recebeu mecânicas de ação e hack ‘n slash quando o personagem se transformava em lobo durante as fases de noite; sem contar a exploração ao estilo de JRPG.

Em outros jogos, em especial nos spin-offs, como Shadow the Hedgehog (que trouxe armas de fogo), Sonic Riders (que era um jogo de corrida sobre pranchas voadoras) e até Sonic Boom (que trouxe uma nova proposta e pesou a mão na exploração e no combate), a Sega também tentou de tudo, fazendo de Sonic o seu laboratório. A franquia sofreu reinvenção atrás de reinvenção já que não encontrava uma fórmula satisfatória em termos de gameplay, que agradasse fãs novos e antigos.

Em determinado ponto, a solução foi apelar para a nostalgia no aniversário de 20 anos com Sonic Generations, que combinava o melhor de dois mundos: os elementos que deram certo nos jogos 3D de Sonic e as fases repaginadas (e a volta) do ouriço clássico e barrigudinho dos games antigos.

A balança final

Imagem de Sonic: O Filme
Paramount Pictures/Reprodução

A mensagem que fica é a de que, embora a Sega (e o próprio Sonic) tenham percorrido um longo e tortuoso caminho até aqui; o aprendizado e a experiência também contam bastante, em especial para que os erros do passado não se repitam.

Novamente, exaltar a disposição e coragem da Sega em experimentar tanto com uma única franquia pode ser uma maneira ingênua de enxergar toda a situação. Mas não é como se todos os resultados que eles produziram até aqui tenham sido ruins. A maioria dos games de Sonic entrega uma experiência satisfatória e bastante fiel ao seus conceitos básicos.

Mais recentemente, as aventuras da Sega com a franquia de Sonic alcançaram um novo patamar com o live-action. A adaptação conta com Ben Schwartz dublando o ouriço na versão em inglês, James Marsden e Jim Carrey na pele do vilão Dr. Ivo Robotnik. O filme também passou por muita polêmica por conta do redesign do personagem principal.

Pessoalmente falando, toda a mudança no visual, por mais que tenha sido polêmico, ajudou a ver a adaptação com outros olhos. A aceitação do ouriço azul parece mais amigável, mas ele ainda mantém o espírito jovem e descolado em suas ações, alcançando uma combinação perfeita.

Quanto aos jogos, resta esperar para ver a Sega não irá, novamente, experimentar com Sonic, ou ainda se irá se apoiar novamente na nostalgia. Apesar de Sonic Mania ter sido excepcional em todos os aspectos, seria interessante ver o que mais pode sair do laboratório da produtora, quando se trata do Borrão Azul.