Los Angeles, 16 de junho de 2010, 13h. Um dia que viverá em infâmia.

Esse dia está marcado na minha memória como o dia no qual eu presenciei a maior vergonha alheia em toda minha vida. O dia em que aconteceu a última coletiva de imprensa da Konami em uma E3. 

E eu estava lá. Isso não é algo de se dizer com orgulho, definitivamente. 

Ou será que é?

Antes de chegar a esse ponto, porém, é preciso dar um pouco de contexto: Essa era a primeira E3 que estava cobrindo presencialmente. E, com essa inexperiência, o sonho de cobrir o evento estava se esvaindo. Quase não assisti o evento da Microsoft por não ter convite, já tinha passado pelo turbilhão de Ubisoft, Sony e EA, e estava frustrado por ter ficado de fora da apresentação da Nintendo

A conferência da Konami era meu último compromisso e as expectativas eram altas - assim como o cansaço.

Lembro que cheguei um pouco atrasado, pois não sabia me localizar no LA Convention Center. Quando finalmente encontrei o local onde seria realizada a conferência, Shinji Hirano, presidente da empresa na época, já estava em cima do palco e lia seu discurso no púlpito, dando uma visão geral do que iríamos ver naquele dia.

Esbaforido e ainda meio perdido, encontrei um canto na sala de conferências e liguei meu notebook para anotar o que era dito para mais tarde escrever uma matéria. No telão já estava rolando um vídeo que mostrava o que nos aguardava. 

A “abertura” com o Konami Code para destrancar o “cofre de novidades” já dava sinais do espetáculo nefasto que nos aguardava naquela 1h40 de apresentação. No catálogo estavam games que não me interessavam muito - como PES 2011, Lucha Libre: Héroes del Ring, Deca Sports 3 e Adrenaline Misfits - mas também algumas promessas intrigantes, incluindo Castlevania: Lords of Shadow, Lost in Shadow, Metal Gear Solid: Peace Walker e Metal Gear Solid: Rising.

Konami/Reprodução

Konami Code abriu o 'cofre" com as principais novidades para o evento

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Hirano continuou a falar sobre as novidades. Era um tempo mágico no qual a gente pensava na Konami como uma das grandes publisher de games, com portfólio para preencher um calendário inteiro com lançamentos de peso. 

(Claro, precisamos lembrar que em 2010, os ciclos de produção e de qualidade eram outros).

E, aos poucos, a conferência da Konami foi se desdobrando diante dos meus olhos  - e de outra dezena de pessoas - de uma forma estranha. 

Logo, veríamos que os jogos acabariam por se tornar um pano de fundo para… outra coisa. Algo profundamente insano.

A Konami estava mergulhada no sucesso de seus jogos musicais, e o primeiro game do gênero a dar as caras foi Def Jam: Rapstar, que tinha uma ideia de ser um jogo "permanentemente conectado”, anos antes de jogos como serviço ou mesmo de um Xbox One. 

A promessa era de que os jogadores poderiam colocar nos servidores os vídeos de suas performances com o sonho de se tornarem famosos, e tinha o endosso de Russell Simmons, fundador do conceituado selo de hip hop que dava nome ao jogo. 

Rapstar teria integração com as redes sociais para que o público do game definisse quem sairia como vencedor nas disputas. Era um reality show transportado para sua sala de estar. 

Até então, um jogo com potencial, e até ideias a frente de seu tempo, mas que não chamou muita atenção.

Foi logo depois disso, porém, que o primeiro selo se partiu.

Do nada, três lutadores de Lucha Libre surgiram para divulgar Heroes del Ring. Este foi o momento exato em que eu percebi que as coisas estavam se encaminhando para algo que se tornaria um marco na história das coletivas de imprensa das E3 - mas certamente não do jeito que a Konami gostaria. 

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Os contenders para o título de 'Campeão de Luta Livre da E3 2010' 

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Mas sério: imagine você, de frente com três pessoas que começam a se estapear (literalmente) pelo título de “Campeão de Luta Livre da E3 2010”, com direito a inclusive a “agredir” o apresentador do game e depois arrastá-lo para fora do palco. Foi o que aconteceu a meros metros de mim. 

Foi engraçado, super encenado (como qualquer luta livre) e vergonhoso, porém, vendo como um todo e com o devido distanciamento aquilo foi até ok.

Mas este seria só um prelúdio. As apresentações foram escalando gradualmente em diferentes níveis de "vergonha alheia”.

Do rei do carisma ao ‘show’ de Glee

Outro ponto marcante - e memético, a este ponto -  foi a aparição de Tak Fuji, produtor de Ninety-Nine Nights II dotado de seu carisma, espontaneidade e bom-humor. Para quem não se lembra de N3II é um jogo similar a Samurai Warriors e Dynasty Warriors, no qual o jogador controla um herói que precisa enfrentar uma legião de inimigos usando poderes especiais e habilidades poderosas. 

O jogo em si, porém, tornou-se secundário comparado ao que Fuji trouxe à apresentação, usando seu carisma para enfatizar que, durante o jogo você iria encontrar tropas gigantescas com a icônica frase “One million troops. WOOOOW”.

Você pode conferir esta performance, em toda a sua glória, abaixo:

Agora, 11 anos depois, é possível ver que Fuji foi uma das pessoas mais incríveis daquele dia justamente porque sabia que o público estava prestes a presenciar momentos ainda mais memoráveis, porém negativamente. Ele sabia que nada, absolutamente nada, seria pior do que estaria por vir. 

Por isso, utilizou-se de seu carisma e tempo de palco para falar descontraidamente de seu projeto.

E saiu aplaudido.

Naoki Maeda, produtor de Dance Masters, também tinha uma confiança e carisma incomuns para produtores japoneses. Dominou o palco lendo o teleprompter, rindo até fazer bico. Honestamente, ele estava muito animado. 

Ou melhor dizendo: “bery bery excited”. 

Konami/Reprodução

Naoki Maeda estava muito animado

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Porém, ao lembrar que logo na sequência dessas duas apresentações “positivas”, veio também a memória mais marcante de todas, a que está cravada no meu cérebro: o show de Karaoke Revolution: Glee

Entenda: na época, o seriado musical estava em seu auge de popularidade, virou notícia em todos os cantos do mundo por usar e abusar do autotune na dramédia colegial, e agora estava ao lado da Konami, no ápice dos jogos musicais. 

Claro que teria um espetáculo.

Christine Catle fez sua apresentação com cortes de uma reportagem de um grupo de coral do colégio John Burroughs que apareceu em uma reportagem da ABC e no programa da Oprah. No fim do videotape, uma pessoa que estava a algumas cadeiras de distância se levantou e começou cantar “Somebody To Love”, música tema da série. Logo, o auditório foi tomado por dezenas de estudantes cantando, fazendo passinhos coreografados. 

E, assim como na série, a música parecia interminável. Mas admito que, no meio deste frenesi de insanidade, eu aplaudia loucamente o espetáculo de vergonha alheia na minha frente.

Havia claramente um tipo de sinceridade e vontade naquele momento, mas de uma forma tão bizarra e inapropriada para o local, que só coisas como The Room conseguiram alcançar.

A conferência da Konami ainda teve mais momentos estranhos e memoráveis como a apresentação de Neverdead com um “truque de mágica” fajuto, a revelação de Metal Gear Rising - antes de ter sido reformulado e “revengenciado” pela Plantinum Games -, a presença de Koji Igarashi falando sobre Castlevania Harmony of Despair e Dave Cox da Mercury Digital mostrando Lords of Shadow.

E essa foi a última apresentação da Konami em uma E3. E é possível entender porque.

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Koji Iagarashi representou os raros momentos de sanidade dentro da conferência da Konami

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Depois disso, a empresa apenas participou como convidada de outras conferências. Aos poucos foi deixando de produzir tantos jogos, com vários de seus produtores e desenvolvedores deixando a companhia ou perdendo seu espaço criativo.

Certamente, em termos financeiros a Konami está melhor, mais centrada. Mas para alcançar esse status deixou de fazer apostas e jogar no certeiro: Pro Evolution Soccer. Mobile. Pachinko.

E a paixão, que se por lado criou este ode ao cringe também levou a Metal Gear e Castlevania, parece ter se esvaído da empresa.

Hoje, 11 anos depois, lembro dessa apresentação E3 e me pergunto se o mundo estaria aberto para uma empresa como aquela Konami, que abriu espaço para muita vergonha alheia, uma line-up recheada de jogos fracos e alguns medianos e apenas dois ou três jogos AAA... 

… E chego à conclusão que não. Esse bonde da história dos games passou e ficou no passado e, assim como quase tudo que vive no mundo das memórias, é melhor que continue lá.

Mas, ao mesmo tempo, tenho um pouco de saudade do que aquela Konami, em seus melhores momentos, podia apresentar.