O sucesso do jogo indie Brothers: A Tale of Two Sons permitiu com que o diretor suíço-libanês Josef Fares abrisse seu próprio estúdio Hazelight em 2014 e entregasse em 2018 o multiplayer cooperativo A Way Out, dessa vez publicado pela Electronic Arts sob o selo EA Originals — projetos de pequenos estúdios independentes que recebem financiamento e publicação da companhia.

A Way Out vendeu muito bem e rendeu melhores condições para o estúdio, que mudou de escritório e agora conta com mais funcionários — cerca de 60 pessoas. 

Sem perder tempo, a Hazelight e seu fundador trazem em 2021 um novo projeto ainda mais ambicioso, mas mais uma vez estritamente co-op: It Takes Two.

O The Enemy foi convidado junto com jornalistas e influenciadores do mundo inteiro para uma entrevista coletiva com Fares e para experimentar as primeiras horas do jogo.

Sobre a EA, Fares reforçou que, apesar de todos falarem mal, a empresa “tem sido boa pra ele” durante o desenvolvimento e que ele não tem reclamações — algo que ele já havia dito durante a produção de A Way Out na famigerada noite do “Fuck the Oscars” no The Game Awards.

E, sobre It Takes Two, o diretor esclareceu várias dúvidas com aquele jeito “sincerão” e engraçado. Você confere abaixo as perguntas que foram selecionadas pela Hazelight — e que foram feitas por vários dos membros da imprensa presentes na sessão, incluindo o The Enemy.

Qual foi sua inspiração para criar uma história de amor de amor vindo de um projeto como A Way Out?

“As pessoas não tentam fazer comédias românticas nos jogos e nós na Hazelight gostamos de tentar o que ainda não foi tentado. É mais divertido fazer algo diferente que ninguém ainda tentou. Uma comédia romântica entre dois jogadores… Nada poderia ser melhor. Mas definitivamente foi um desafio. Combinar a história e a gameplay é uma das coisas mais difíceis de se fazer.”

Este é o seu terceiro projeto tendo cooperação entre dois personagens como um elemento central do design. O que atrai você neste conceito?

“Nós adoramos experimentar histórias juntos — um filme, uma peça de teatro, uma música, etc. Eu acho que existe tanto para explorar em aspectos criativos e narrativos ao projetar uma história para dois jogadores, com dois personagens únicos, e é isso que a Hazelight quer quando nós continuamos a insistir nisso.

Haverá escolhas para fazer durante o jogo que farão mudanças na narrativa?

“Não, de forma alguma. Essa é uma experiência totalmente linear, que não tem a ver com escolhas. Graças a Deus por isso ou a gente demoraria 20 anos para terminar o game [risos]. Em A Way Out, as escolhas não eram feitas na história, mas tínhamos escolhas que criavam cenários diferentes de gameplay. Mas esse tipo de escolha não se encaixa neste game.”

Existe alguma forma de falhar em It Takes Two? Algo como um final ruim? A realidade triste é que existem alguns relacionamentos que são impossíveis de salvar.

“Eu não vou entrar em detalhes sobre o que vai acontecer na história, mas não há escolhas. Você apenas terá aquilo que as comédias românticas normalmente são. Esse jogo é sobre amor.”

Haverá incentivos para rejogar a história com missões paralelas, mudança de perspectivas ou colecionáveis?

“Nós devemos ser cuidadosos para falar de fator replay, todas as estatísticas mostram que as pessoas nem mesmo terminam o jogo. Nós devemos nos focar nas pessoas que estão finalizando nossos jogos. Mas, falando de It Takes Two, sim, você pode rejogar se você quiser, ele sempre vai ter mecânicas diferentes dependendo de com quem você jogar. Mas essa não deveria ser a coisa mais importante de um game. 

A gente sempre recebe essa pergunta, o porquê eu não entendo. Quantas pessoas rejogam um game? Não são tantas quanto você imagina. Falando sobre colecionáveis, eu não sou um grande fã, porque eu prefiro criar um mundo que seja interessante e interativo em vez de apenas coisas para coletar. Então nós não temos nenhum colecionável em It Takes Two, que é algo do qual nós nos sentimos muito orgulhosos.”

O jogo terá crossplay?

“Não terá crossplay. Talvez possamos ter no futuro, mas eu preciso ver com os programadores se é possível.”  

E quanto aos recursos exclusivos do PlayStation 5, especificamente com o DualSense?

“No PS5, o jogo terá uma resolução melhor, uma taxa de quadros melhor, mas nada além disso. A questão é que a nova geração chegou muito tarde para nós, nós não tivemos tempos de fazer isso. Pode chegar depois com updates, mas agora são apenas melhor resolução, framerate e tudo que vem com os consoles mais potentes.”

Você planeja lançar o jogo no Switch ou outras plataformas?

“Nós não temos planos para lançamento no Switch. É preciso entender que nós não somos um time muito grande. Nós precisamos verificar se é possível. E, se for possível, por que não? Eu não vejo problema. Como eu disse, eu sou um grande fã da Nintendo, então… Eu posso ver isso acontecendo. Mas não há planos para isso agora.”

E quanto a DLCs ou coisas do tipo?

“Nós tínhamos planos antes, mas agora eu sinto que nós devemos nos focar no próximo projeto. Então, agora, nós não temos planos para DLC, estamos nos focando no nosso próximo jogo.” 

Você foi inspirado por filmes da Pixar? Há definitivamente algumas semelhanças.

"Ah, obrigado pelo elogio. Nós certamente fomos. A Pixar é extremamente boa no que ela faz e ficamos felizes em ver as pessoas pensando isso. Mas, sim, há várias inspirações em como eles contam as histórias, na aparência dos personagens… Eu tenho o mais alto respeito pela Pixar."

Em quais comédias românticas It Takes Two se inspirou?

“Para ser sincero, não existem tantas comédias românticas realmente boas por aí. Você apenas tenta encontrar o tom, personagens carismáticos e elementos para aquecer o coração. Mas não houve um filme específico. É apenas divertido tentar coisas novas em videogames, afinal essa ainda é uma indústria muito jovem, de uma perspectiva criativa. Há muito para se testar, nós apenas riscamos a superfície.”

 Qual é a sua comédia romântica preferida?

“Eu vou ter que dizer que é ‘Harry e Sally: Feitos Um Para o Outro”. É extremamente bem escrito, bem interpretado e tem um tom muito único. Uma sensação retrô que até hoje eu adoro. 

E tem uma outra comédia romântica que eu adoro, que é mais uma comédia de ação: ‘True Lies’, do James Cameron. É uma comédia romântica com momentos de ação, é um filme muito lindo. Eu adoro o James Cameron, sou um grande fã de ‘Avatar’, ‘Titanic’ e todos esses filmes também.”

Os personagens são baseados em pessoas reais? Experiências reais que você teve?

“Não, eles não são baseados em pessoas reais. Os atores que fizeram as capturas de movimento são pessoas reais e nós nos inspiramos visualmente na aparência dos seus pais na vida real. Mas a inspiração vem de todos os relacionamentos por aí que precisam de um pouco de amor. Este é um game sobre amor e você vai sentir o amor dos desenvolvedores. Nós temos algumas cenas muito lindas preparadas para vocês — e algumas meio desconfortáveis também.”

Do ponto de vista do design, a história conduz o game design ou é mais o gameplay que molda como a história é construída?

“Na verdade, é uma combinação. Nós sempre tentamos fazer o game design e a história andarem de mãos dadas. É claro que existem muitos games em que o design e a história não se conversam e é quase como se fossem dois games diferentes. Nós estamos tentando casar ambos o máximo possível. 

It Takes Two é muito mais responsivo e interativo que A Way Out foi, por exemplo. Às vezes nós conseguimos fazer isso muito bem e às vezes fazemos de forma metafórica. Para nós é importante encontrar um design que se encaixe no momento da história. 

Eu sei que algumas vezes meu time de desenvolvedores fica um pouco bravo comigo porque fazemos uma grande cena que leva muito tempo e só aparece por um minuto ou dois, mas eu acho que é importante, se a gente vai seguir por esse caminho de tentar combinar essas duas coisas.“

Você pode dizer momentos específicos de A Way Out que inspiraram você a ir em uma direção completamente diferente com It Takes Two?

“Não houve momentos específicos. Nós apenas soubemos que queríamos levar a experiência cooperativa para outro nível. Nós queríamos testar ideias diferentes desde o início. E, sobre a EA, nós literalmente fizemos o que queríamos com essa propriedade intelectual, sem interferências. Nós pudemos fazer tudo da forma que queríamos. 

Quer dizer, A Way Out foi um sucesso enorme. Eu acho que até hoje vendeu mais de 3,5 milhões de cópias. Então seria fácil fazer uma sequência e blablablá, mas quisemos fazer algo diferente. 

E o próximo jogo será diferente também. Eu não estou dizendo que nunca vamos fazer uma sequência. E sobre It Takes Two, essa é também uma carta de amor à Nintendo e vocês vão ver isso. Nós também escondemos alguns easter-eggs em que vocês definitivamente vão ver inspiração em alguns dos meus jogos preferidos.”

A quantas sessões de terapia de casal It Takes Two é equivalente?

“[risos] Na verdade, esse Dr. Hakim é um personagem cafona, sim, mas também o que ele diz é verdade. Clichês são clichês por uma razão. Não se trata apenas de saber, se trata de entender — são duas coisas diferentes. 

Esse sujeito é brega e óbvio, mas se você ouvir o que ele diz com atenção, se você realmente entender, então com certeza será equivalente a uma sessão de terapia. Eu não sei quantas, mas vamos dizer que algo na duração do jogo — que pode durar de 12 a 14 horas, dependendo de como você jogar. Vamos dizer 14 sessões de terapia.”

It Takes Two parece trazer uma tonelada de gameplay assimétrico. Qual estilo de jogabilidade foi mais divertido de fazer?

“É difícil dizer. Esse é o problema com isso. Quando você cria mecânicas únicas como essas, você precisa encontrá-las e poli-las. Todas elas têm seus desafios, nós fazemos um monte de testes internos. Nós não ajustamos nossos games para que o público nos diga o que ele quer jogar. Em vez disso, nós ajustamos nossos games para que o público entenda o que nós queremos dizer com nossos games. É difícil dizer qual foi a mecânica mais divertida de fazer, mas posso dizer que houve desafios diferentes dependendo das mecânicas. Algumas, obviamente, tomaram mais tempo e outras menos. Mas não existe uma específica que é mais divertida que outra. Existem algumas cenas ou chefes no jogo que levaram um ano, um ano e meio para finalizar, e você como jogador vai jogá-los por três minutos. Mas valeu a pena.”

Às vezes o parceiro não está acostumado a jogar videogames. O quão difícil It Takes Two é para os recém-chegados? 

“Se o seu parceiro não está acostumado a controlar uma câmera em terceira pessoa com o analógico, acho que vai ser difícil. Mas, tente. Você vai se divertir de qualquer jeito.”

O seu irmão [Fares Fares] foi uma boa parte de A Way Out. Ele tem um papel neste game?

“Não, ele não tem um grande papel neste game. No entanto, eu tenho um easter-egg com ele em algum lugar do jogo. E se vocês conseguirem encontrar, acho que vocês vão gostar.”

O quão diferente é a história na versão final do jogo em comparação ao conceito original?

“Existem algumas diferenças mas, olhando para os storyboards hoje, nós fizemos algumas mudanças. Mas eu diria que houve menos mudanças do que entre o primeiro rascunho de um roteiro de filme e sua versão final — que costuma ter entre 10 e 15 rascunhos diferentes. Eu não posso contar detalhes sem estragar a história, obviamente.”   

Existem momentos no jogo que fizeram você rir ou chorar, não importando quantas vezes você os viu?

“Existem momentos no jogo que aquecem o coração e tem momentos que fazem você… argh… Mas, em geral, essa é uma história bem leve. É claro que eu tive uma conexão especial também, porque eu, na verdade, fiz a captura de movimentos do Dr. Hakim — mas eu não faço a voz dele, porque meu inglês é bem ruim.”

It Takes Two chega em 26 de março com versões para PS4, PS5, Xbox One, Xbox Series e PC. Como dito anteriormente, nós jogamos as primeiras horas do jogo e nossas impressões você pode conferir aqui.