Já faz um tem que jogos dublados se tornaram muito mais comuns no Brasil. Diablo II: Resurrected, por exemplo, chegou totalmente localizado em português depois de Diablo III também ter sido lançado com vozes no nosso idioma. Isso se estende para muitas outras franquias, como The Last of Us e God of War.

O The Enemy teve a oportunidade de conversar com alguns dos principais nomes envolvidos na dublagem de Diablo II: Resurrected: os diretores Christiano Torreão e Marcelo Figueiredo, o dublador Duda Espinoza (que você talvez conheça como a voz atual do Capitão América) e Mario Jorge Andrade (conhecido, dentre outros trabalhos, por ser a voz do Eddie Murphy no Brasil).

É evidente que, no atual contexto em que vivemos, alguns desafios atingiram o cenário brasileiro da dublagem em cheio. Afinal, atores tiveram de se adaptar para que gravassem das próprias casas. Ainda bem que esse obstáculo, aparentemente, não inviabilizou completamente o trabalho da melhor dublagem do mundo (convenhamos, a dublagem brasileira é imbatível).

"Vou te dizer que dois meses foi um pouquinho puxado. Principalmente, porque foi gravado online. Né? Gravação online tem suas vantagens de logística, mas também tem suas desvantagens de logística", disse Marcelo Figueiredo. "É importante que toda a equipe de produção esteja dentro de um quadro que seja salubre nesse sentido."

Capa de Diablo II.

Não bastasse essa realidade particularmente desafiadora, estamos falando de uma mídia (games) que se diferencia das demais vertentes do audiovisual de inúmeras maneiras. Naturalmente, essa pergunta veio à tona durante nossa conversa.

"Acho a gravação de game muito mais interessante, porque me lembra mais radioteatro", afirmou Duda Espinoza. "Apesar de você ter a referência também do original no seu ouvido, durante o ensaio, você tem um tempo diferente da dublagem. Até porque, geralmente, são áudios que não têm labial; que não tem boca. Né? Então, você fica mais à vontade. O 'ficar mais à vontade' também me deixa mais à vontade como ator, de poder ir mais no meu ritmo, criar um pouco mais."

Portal em Diablo II.

Mario Jorge Andrade não afirmou ter uma preferência, especificamente, e apontou que o trabalho com jogos é apenas diferente do trabalho com outras mídias mais tradicionais do audiovisual.

"Você dublar um filme e dublar um game, fazer um game... Eu concordo com o Duda quando ele fala que você tem uma chance maior de criar, de usar o seu lado ator", afirmou. "Na dublagem, você tem que fazer bem feito o que alguém já fez. Não que o game ninguém tenha feito, mas é que o game é diferente. Você sente uma coisa diferente."

Luta em Diablo II.

Quando falamos em dublagem no sentido tradicional, ou seja, uma voz em cima da imagem de outra pessoa ou desenho cuja boca estamos enxergando, é importante que o dublador esteja agindo sempre de acordo com o tempo daquele personagem e não fuja muito, em termos de tom, do sentimento que aquele rosto transmite.

Em um jogo como Diablo II: Resurrected, durante a maior parte do tempo, é praticamente impossível ver o rosto de cada personagem em detalhes. Com exceção das cutscenes que rolam na transição entre os atos, vemos apenas o modelo do personagem e ouvimos as vozes deles sem que tenhamos acesso às expressões que fazem, por causa da perspectiva isométrica. Logo, os dubladores podem falar com mais liberdade e criar, como disseram Duda e Mario.

Magia em Diablo II.

Isso significa que a improvisação está liberada e geral pode fazer o que bem entender?! Calma lá.

"É uma experiência muito cuidadosa no sentido de: eu sempre tive, ao meu lado, alguém da Blizzard pra me dar um suporte, me dar respostas e propor mudanças. Inclusive na tradução, durante as gravações", contou Christiano Torreão. "O tempo inteiro, quando pintava alguma sugestão de mudança de texto, alguma coisinha, a gente tinha alguém ali que podia nos guiar e apostar ou não na mudança. Então, foi muito tranquilo nesse quesito. A gente tem liberdade, sim. Obviamente que dentro de um contexto e com acompanhamento do cliente, que é fundamental, na minha opinião."

Comparativo Diablo II.

"Essas alterações, elas são inerentes ao processo", adicionou Marcelo Figueiredo. "Inclusive, tu tem que dar liberdade para que os próprios atores, muitas vezes, façam sugestões. E eles sempre trazem alguns inputs, que são muito legais, de fazer alterações no texto para deixar mais natural pros personagens."

Apesar do trabalho em Diablo ter sido bastante tranquilo, de acordo com os artistas com quem conversamos, Duda Espizona disse que chegou a trabalhar em projetos que não permitiam quaisquer mudanças.

"Eu já trabalhei com outros games, enfim, e, às vezes, você não pode trocar uma vírgula. Você não pode trocar uma palavra", contou. "Sempre é muito bom trabalhar em conjunto e encontrar uma palavra melhor, que caia melhor para aquele personagem, de acordo com a personalidade dele. Enfim, acho muito melhor. Nesse jogo, a gente teve essa liberdade também."

Deserto em baixa e alta qualidade.

Mario Jorge Andrade acrescentou: "eu tenho dado muita sorte nesse ponto. Tanto os filmes dublados quanto os games, eu tenho tido a chance ou a oportunidade de trocar e deixar sempre melhor pra mim. Sabe? Com mais conforto pra mim tanto na dublagem quanto no game."

De acordo com Mario, inclusive, houve um período em que as dublagens em São Paulo eram muito mais rígidas do que no Rio de Janeiro, no sentido de que não existia tanta liberdade para alterar as palavras. Depois de um tempo, com o intercâmbio entre as práticas dos dois estados, São Paulo acabou aprendendo que não tinha problema permitir maior liberdade e, hoje, Mario afirma que troca tudo que pode.

Diablo II: Resurrected está disponível com localização em português do Brasil para PS5, Xbox Series, PS4, Xbox One, Nintendo Switch e PC. Para mais sobre o jogo, confira o review do The Enemy. Inclusive, recomendamos que você jogue com as vozes no nosso idioma. O trabalho realizado realmente ficou sensacional.