Vítimas do próprio sucesso, os RPGs Tales of passaram praticamente duas décadas apenas retrabalhando as ideias que deram certo em Symphonia, de 2003. A tática rendeu alguns bons resultados, mas deixou a série estagnada.

Por cinco anos, a Bandai Namco deixou a franquia descansando – e agora, com um novo jogo disponível também para a nova geração de consoles, ela descarta algumas tradições em uma tentativa drástica de romper a mesmice.

Tales of Arise é um trunfo em termos de apresentação, narrativa e combate, e um claro passo na direção certa para a renovação. Mas as mudanças bruscas também surtiram efeitos negativos que impedem o jogo de ultrapassar de uma vez só todos os que o precedem.

Divulgação/Bandai Namco

Conflito e desigualdade são constantes no universo de Tales of Arise. Nosso protagonista, um misterioso jovem mascarado sem memórias e incapaz de sentir dor, começa a história como um escravo em um dos inúmeros campos de concentração espalhados por Dahna. É uma realidade comum, compartilhada por praticamente todos os habitantes do planeta, que há 300 anos são subjugados pelos invasores do planeta vizinho, Rehna.

O que parece ser só mais um dia de sofrimento para o jovem acaba sendo o início de uma aventura em busca da libertação do povo de Dahna quando ele encontra Shionne. A garota, que machuca todos os que a tocam por conta de uma maldição, é de Rehna – mas ela parece igualmente interessada em derrubar o regime podre de dominação sustentado pelos próprios compatriotas.

A narrativa de Tales of Arise é a primeira e mais evidente ruptura com as tradições da série, que costuma girar em torno de heróis hobbitianos, habitantes de pequenos vilarejos inóspitos que vivem em paz até que os problemas do resto do mundo batem à porta. Aqui, não: dor, morte e conflito são o ponto de partida da história, que descarta parte da leveza dos jogos anteriores em busca de um tom mais sóbrio e contemplativo.

Elementos de fantasia ainda estão por todos os lados, mas são meros coadjuvantes perto das motivações e aspirações dos personagens. A nova perspectiva mantém os heróis com os pés no chão, evitando que eles se transformem em estereótipos de anime ambulantes – um pecado comum entre os piores capítulos da série.

Talvez por conta da nova direção de tom para a história, muitos dos diálogos mais sérios parecem desengonçados. A dificuldade dos roteiristas é mais evidente durante a apresentação dos heróis, que parecem unir forças simplesmente porque o jogo precisa começar. Com mais tempo de desenvolvimento, porém, a trama se desenrola de maneira envolvente, movida por um grupo central de personagens que crescem muito ao longo da jornada.

Divulgação/Bandai Namco

Felizmente para Tales of Arise, os tropeços da história nas primeiras horas da aventura não chamam tanto a atenção quanto a estética do jogo. Para quem é veterano da série, é difícil não se distrair com os belos gráficos, a interface simples e os menus ligeiros do novo jogo.

A franquia finalmente virou gente grande em termos de apresentação.

Comparável a Dragon Quest XI em qualidade, o visual do jogo mistura a estética tradicional de anime a um traço aquarelado certeiro. Em comparação a títulos anteriores da série, os personagens demonstram muito mais emoção em suas feições durante diálogos, e os cenários têm uma quantidade a mais de detalhes digna de um salto entre gerações.

Com poucas exceções (como a existência de dois comandos distintos para a troca de líder do grupo – uma para exploração, e outra para batalha – em menus diferentes), a interface de Tales of Arise também representa grandes avanços para a série por ser leve e pouco intrusiva.

Pela primeira vez desde os tempos do PlayStation 2 um jogo Tales of não parece estar atrasado em aspectos técnicos – uma novidade que se deve em grande parte à transição para a Unreal Engine 4, que foi utilizada no lugar do velho motor gráfico proprietário responsável pelos títulos anteriores.

Divulgação/Bandai Namco

As melhorias na apresentação se estendem também para as batalhas do jogo. Os confrontos brilham em explosões de todas as cores, mesmo quando o jogador foca em utilizar apenas as técnicas mais simples para investir contra os oponentes. Minha recomendação, porém, é aproveitar todas as oportunidades para soltar habilidades especiais, nem que seja só para ver as belas animações.

Para veteranos da série, as lutas de Tales of Arise serão familiares. A ação ocorre em um espaço 3D, e o jogador fica a cargo do controle direto de um dos heróis, enquanto outros três lutam de acordo com comandos estratégicos ou automaticamente nas mãos do computador. A seu favor, o herói tem ataques comuns e um acervo de seis Artes – magias ou habilidades com diferentes usos, que devem ser costuradas em meio a combos de ataques para serem mais eficazes.

Os embates lembram os de jogos de ação como Bayonetta, mas são muito mais travados: o protagonista mascarado, por exemplo, consegue dar poucas espadadas consecutivas antes de precisar de alguns instantes para recuperar a postura. Para escapar de perigos em momentos assim, é preciso utilizar a esquiva no momento certo, ativando um modo de câmera lenta momentânea para revidar o ataque evitado.

Quando o jogador pega o ritmo dos combates, eles vão de terapêuticos (contra inimigos fracos) a divertidamente punitivos. As batalhas contra chefes são cruéis e empolgantes, e cobram o uso de itens e das assistências especiais de cada personagem – comandos de oportunidade que devem ser ativados pelo jogador para todos os heróis, incluindo, por exemplo, a técnica de Finwell para interromper e roubar a energia de oponentes magos que estiverem conjurando um feitiço.

Divulgação/Bandai Namco

Mas nem tudo são flores no que toca os combates de Tales of Arise. Para obter novos feitiços e bônus de atributos, o jogador precisa colecionar títulos para os personagens. Cada título adquirido garante acesso a novos poderes, que devem ser desbloqueados com pontos obtidos em combate.

O problema é que esse novo sistema não explica ao jogador como obter a maioria dos novos títulos. No caso dos poucos que têm os critérios de obtenção explicados, é impossível saber quais poderes eles renderão – se eles serão úteis, ou não. No lugar de uma árvore de habilidades, Tales of Arise tem uma linha de progressão completamente arbitrária. Isso acaba fazendo com que o jogador abra o menu de tempos em tempos não com um objetivo específico em mente, mas sim para ver se vale a pena investir seus pontos em algo, ou então esperar pelo próximo título, que pode vir a qualquer momento.

Talvez os tropeços na progressão dos heróis sejam apenas mais uma vítima da mais drástica mudança apresentada por Tales of Arise: o foco absoluto na linearidade. Sem muito espaço para a exploração, o sistema de títulos de jogos Tales of antigos dificilmente poderia ser recriado da maneira mais consistente que existia antes.

Sabendo dos riscos que o invocar deste nome traz, digo-lhes: Tales of Arise é, em aspectos de exploração, o Final Fantasy XIII da série da Namco.

No lugar de um mundo coeso que os jogadores podem explorar e aproveitar, Tales of Arise tem uma sucessão de corredores interligados. Os corredores representam tudo: selvas, calabouços, vilarejos e cidades. Os heróis atravessam o jogo como os passageiros de um trem, que são conduzidos sem grande esforço de sua parte em direção a uma sequência óbvia de novos destinos.

Diferente de como era em Final Fantasy XIII, os jogadores têm liberdade para usar um sistema de viagem rápida e retornar a cenários antigos para buscar objetivos opcionais e tesouros. Mas é algo fútil: o level design dos estágios é simples ao ponto que uma breve espiada no mapa deixa claro quais desvios na rota levam a baús logo na primeira travessia. Sabendo disso, os desenvolvedores têm o costume de colocar chefes de nível altíssimo em áreas de nível baixo, que engatilham comentários como “Ainda não conseguimos lutar contra ele com nossa força de agora. Vamos voltar depois” da parte dos heróis, que apenas fingem ignorar a arbitrariedade de um monstro nível 60 em meio a vários níveis 10.

A exploração, que era um dos grandes prazeres de jogar títulos como Tales of Symphonia e Tales of the Abyss, aqui se resume a curtir as belas vistas a cada nova área visitada.

Divulgação/Bandai Namco

O foco na linearidade ainda acrescenta um outro problema à experiência: o ritmo da aventura é muito travado, pois o progresso do jogador é interrompido constantemente por longas cutscenes. Não é como se Tales of Arise tivesse mais cutscenes; mas como os caminhos a serem tomados são sempre evidentes, elas basicamente não param.

Isso fica bem claro quando uma área nova é descoberta e uma sequência de quatro ou mais conversas opcionais torna-se disponível de uma só vez. Quer ouvir tudo o que os heróis têm a dizer? Prepare-se para largar o controle por 10 minutos antes de começar a curtir o novo cenário ao qual você chegou. Em jogos antigos, tais conversas opcionais eram mais espaçadas simplesmente porque havia mais espaço.

Sacrificar exploração em prol de melhorias em todos os outros aspectos do jogo. Essa foi a conta feita pela Bandai Namco na criação de Tales of Arise. É uma equação que muitos fãs da série podem lamentar, mas que faz todo o sentido para o atual momento de renovação da franquia.

Tales of Arise é um jogo que faz bem tudo o que se propõe a fazer, da narrativa ao combate. E alguns, como quem não tem o costume de jogar RPGs japoneses, podem até preferir o jogo assim, descomplicado por conta de sua linearidade.

Os textos do título estão traduzidos para o português do Brasil. A localização é boa, mas como tantas outras traduções PT-BR, parece ter sido escrita por profissionais que não tinham acesso ao contexto do jogo. Isso causa alguns desconfortos: um exemplo marcante gira em torno do nome do protagonista, que o próprio herói só lembra após algumas horas de jogo. Apesar do nome ser desconhecido para todos os personagens no início da aventura, as legendas em português fazem alusão direta a ele em conversas opcionais e cutscenes obrigatórias.

Disponível para PC e consoles PlayStation e Xbox com versões para a velha e a nova geração, Tales of Arise é um ótimo recomeço para a série de RPGs da Namco, que agora está livre das amarras do passado e pode almejar coisas maiores.

  • Lançamento

    09.09.2021

  • Publicadora

    Bandai Namco

  • Desenvolvedora

    Bandai Namco

  • Censura

    14 anos

  • Gênero

    RPG

  • Testado em

    PlayStation 5

  • Plataformas

    PC PlayStation 5 Xbox Series X

Nota do crítico