Diferente do que os trailers possam indicar, Stranger of Paradise: Final Fantasy Origin tem muito mais a oferecer do que apenas memes.

Por trás de uma camada de tosqueira de espessura praticamente inconcebível, este RPG de ação esconde momentos de brilhantismo em um sistema de combate que tem uma identidade própria, mas ainda esbanja referências ao legado de Final Fantasy.

E ele também esconde o choque de descobrir que a cena em que o protagonista encerra uma discussão tocando Limp Bizkit no celular não é nem de perto o momento mais bizarro da história.

Divulgação/Square Enix

Interpretado a partir dos trailers como um Souls-like - o que deve ser um pesadelo para o jogo, que foi lançado praticamente junto ao monstruoso Elden Ring -, Stranger of Paradise bebe não apenas da fonte da From Software, mas também de jogos como Ninja Gaiden, Devil May Cry e, claro, Final Fantasy.

O jogador controla Jack Garland, um guerreiro a serviço do rei que caça monstros com enorme brutalidade, e é auxiliado por até dois companheiros controlados pela inteligência artificial, que têm o importante papel de distrair os inimigos em momentos de dificuldade.

Tanto Jack quanto seus companheiros imitam protagonistas de jogos clássicos de Final Fantasy, podendo transitar livremente entre vários ‘jobs’ - diferentes classes de combatentes como Warrior, Dragoon e Black Mage. As classes têm árvores de progressão separadas, assim como habilidades especiais únicas.

O toque de Devil May Cry em Stranger of Paradise existe na maneira como Jack consegue alternar livremente entre duas classes durante o combate, quase como Dante mudando de uma arma para outra. O jogador pode, por exemplo, utilizar uma magia de eletricidade para paralisar um inimigo no lugar e na sequência trocar para a classe Berserker e desferir ataques corpo-a-corpo consecutivos sem represálias.

Tal sistema de progressão de classes é o maior trunfo do RPG. Ele garante ao jogador enorme liberdade na hora de moldar o protagonista a vários estilos de jogo distintos, ao mesmo tempo em que presta homenagem a várias das classes mais marcantes da história de Final Fantasy.

Divulgação/Square Enix

As as batalhas lembram bastante a ação de Nioh e Dark Souls visualmente, mas Stranger of Paradise tem o próprio ritmo. Jack tem muito mais ferramentas a seu dispor do que o protagonista comum de um Soulslike, e, nas mãos de um jogador que entende os sistemas do jogo, consegue atravessar cenários destroçando inimigos sem grandes dificuldades.

Tanto Jack quanto seus oponentes têm uma barra de postura à la Sekiro. Ataques consecutivos causam impacto na barra, e quando ela fica completamente vazia, o alvo torna-se suscetível ao soul burst – um ataque fatal que faz com que a barra de MP de Jack cresça.

Com mais MP, o herói ganha mais flexibilidade para usar magias e habilidades especiais, e assim progredir pelas fases. Às vezes, realizar um soul burst ainda cria uma onda de impacto que fragiliza inimigos próximos e abre espaço para combos muito satisfatórios de finalizações brutais.

Caso o jogador morra, é justamente o progresso da barra de MP que Jack perde. Desta maneira, o jogo privilegia quem avança pelas fases de maneira agressiva, tornando o protagonista progressivamente mais forte ao longo de uma fase em que ele está dominando seus oponentes. Morrer logo antes de um chefe e perder valiosos pontos de MP é uma punição cruel – mas não tão cruel quanto perder pontos de experiência acumulados, como acontece em jogos Soulslike.

A barra de postura ainda é utilizada de maneira engenhosa em parceria com a mecânica de soul shield – um poderoso bloqueio que pode ser conectado a contra-ataques e que também é capaz de absorver certos feitiços utilizados pelos inimigos. Ao segurar o botão de soul shield, Jack fragiliza a própria postura, mas torna-se capaz de usar a própria força de seus oponentes contra eles mesmos.

O jogo brinca com isso de maneira inteligente em certas situações. Um chefe logo no início da jornada, por exemplo, tem metades de fogo e água, que lutam de maneira separada. Jack pode absorver os ataques da metade de água e usá-los para apagar o fogo do outro inimigo com facilidade.

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Além do sistema de combate, há um outro elemento de Stranger of Paradise que rouba os holofotes. Todos os aspectos da narrativa deste bizarro spin-off, das conversas que os heróis têm durante as fases às cutscenes finais, são espetacularmente terríveis.

Ao longo de toda a jornada, tentei constantemente discernir se os absurdos que os personagens falavam eram a obra de um time de roteirista que, de propósito, tinha abraçado a missão de inventar a narrativa mais incompreensível já vista em um videogame, ou se faltaram recursos, tempo ou conversas com seres humanos reais o suficiente para a criação de uma história que fizesse sentido.

Não consegui chegar a uma conclusão.

De qualquer modo, o desenrolar da narrativa de Stranger of Paradise é fascinante de contemplar. É como ver um acidente na beira da estrada: por mais que você saiba que não deve, é difícil desviar o olhar. Às vezes, personagens parecem mudar completamente sua visão de si e do mundo ao redor mais de uma vez durante uma única conversa. Aquela fala foi uma piada, um comentário irônico ou uma das revelações mais dramáticas de toda a história? Não dá pra saber.

Junto à simplicidade de Jack, que se importa tão pouco com a história que parece estar pulando as cutscenes do próprio jogo, este caos narrativo é estranhamente envolvente. Por todos os motivos errados, eu sempre aguardava ansiosamente pela próxima cena de término de fase.

Divulgação/Square Enix

Se a história é tão ruim ao ponto de ficar boa, há certos pontos de Stranger of Paradise que são apenas ruins mesmo.

Visualmente, o jogo é uma bagunça. Os cenários se confundem em sequência de corredores idênticos repletos de texturas borradas e com uma estranha aparência de umidade que remete aos tempos do PlayStation 3. Não é raro perder o caminho simplesmente por achar que uma área inédita já tinha sido visitada antes.

As fases tornam-se ainda mais decepcionantes depois que o jogador percebe que a intenção dos desenvolvedores era homenagear diferentes jogos Final Fantasy numerados em cada uma delas. Textos nas telas de carregamento revelam tais alusões, que são impossíveis de identificar apenas olhando para os cenários, que parecem genéricos demais para conter qualquer tipo de motivação do tipo. Um exemplo é o confuso pântano de Refrin Wetlands, que supostamente foi inspirado pela Sunleth Waterscape de Final Fantasy XIII – uma referência que só transparece na música-tema da área.

Assim como Nioh, da mesma equipe de desenvolvimento, Stranger of Paradise inunda o inventário dos jogadores com toneladas de peças de equipamento de todas as raridades, cores e tipos – 99% delas completamente inúteis. É um sistema cheio de números detalhados de atributos e minúcias que simplesmente não vão interessar a ninguém exceto os fãs mais assíduos. Para o jogador médio, a opção de otimização automática de equipamentos basta, mas até mesmo essas pessoas precisam lidar com inventários rotineiramente lotados.

Com uma atualização, a Square Enix mitigou o problema ao adicionar uma opção que descarta automaticamente equipamentos abaixo de certas métricas determinadas pelos jogadores, mas até esta adição levanta a questão do propósito por trás da existência de tantos itens desinteressantes.

Divulgação/Square Enix

Pouco ambicioso, claramente indeciso e confuso, e sem qualquer chance de bater de frente com o maior Soulslike contemporâneo, Stranger of Paradise é o spin-off ideal: uma experiência familiar o suficiente para confortar o fã de Final Fantasy, mas também estranho o bastante para instigar a curiosidade.

A bizarra jornada de Jack provavelmente está fadada a ficar presa em notas de rodapé na história de Final Fantasy, mas a mera existência de um herói assim no panteão da lendária franquia estranhamente a torna um pouco mais preciosa.

Nota do crítico