Ratchet e Clank já se provaram muito mais resistentes ao tempo que Jak, Sly e todos os seus demais contemporâneos, carimbando presença em todas as plataformas da Sony desde o PlayStation 2. E agora, com o PlayStation 5 disponível, a dupla de heróis da Insomniac Games retorna mais uma vez para estrelar Ratchet & Clank: Em Uma Outra Dimensão.
À beira da celebração de seu vigésimo aniversário, a série deixa o reboot de PS4 de lado para continuar a história original, que passou uma geração de consoles inteira esquecida após os jogos de PlayStation 3.
Apresentado pelo marketing da Sony como o grande exemplo do que o SSD do PS5 pode proporcionar, o novo Ratchet & Clank é um espetáculo visual e uma aventura empolgante, mas que não consegue recapturar o nível de criatividade dos melhores jogos clássicos da série.
Em Uma Outra Dimensão começa justamente onde o título indica, sob a perspectiva da nova heroína Rivet. Diferente de Ratchet e Clank, que venceram inúmeros desafios lado a lado e hoje vivem em uma época de paz, a Lombax deste outro universo é uma guerreira solitária que se vê derrotada vez após vez pelo Imperador Nefarious, que reina com punhos de aço.
Na dimensão que nos é familiar, Ratchet e Clank estão sendo celebrados em um desfile quando seu próprio Nefarious rouba o Dimensionador – um aparelho capaz de abrir fendas na realidade rumo a outros universos – e coloca os dois Lombaxes em rota de colisão.
Ao longo da jornada, o jogador alterna entre controlar Ratchet e Rivet, e logo descobre que os dois formam um par interdimensional: até mesmo a loja de armas reconhece ambos como a mesma pessoa, permitindo que o progresso do arsenal seja compartilhado entre os heróis.
A história trata de temas como amizade e destino, e mantém o mesmo tom de filme da Sessão da Tarde que permeia toda a franquia. A surpresa é que Rivet e uma outra nova personagem conseguem igualar o nível de carisma de Ratchet e Clank, que estão acostumados a tratar ameaças à existência do multiverso com humor e sarcasmo.
Em linha com a tradição de Ratchet & Clank, o jogo tem como foco tiroteios caóticos pontuados por leves elementos de plataforma. O jogador tem uma enorme chave inglesa para golpes corpo-a-corpo (ou um martelão, no caso de Rivet), mas sua real força reside no uso de armas espalhafatosas como um lança-foguetes, uma metralhadora de repetição e um borrifador que transforma inimigos em arbustos.
As cenas de combate costumam envolver diversos tipos distintos de inimigos atacando de maneira simultânea. Para que o jogador possa lidar melhor com tais situações, Em Uma Outra Dimensão acrescenta ao repertório de técnicas dos heróis as habilidades de esquivar em qualquer direção e de utilizar fendas dimensionais espalhadas pelo cenário para atravessar rapidamente o campo de batalha.
O combate repaginado é o destaque no jogo: algumas das cenas mais intensas são de tirar o fôlego, e forçam o jogador a gastar toda a munição de suas mais de 15 armas para que as ameaças desapareçam. E com as novas ferramentas de locomoção, jogadores habilidosos podem fazer tudo isso sem nunca serem atingidos.
Dada a enorme quantidade de armas presente, é comum acostumar-se a focar no uso de três ou quatro delas e deixar as restantes apenas situações específicas. Mas o jogo recompensa quem diversifica suas táticas de batalha, já que as armas sobem de nível e ficam mais fortes com o uso constante.
Ainda que muitas das armas mais úteis sejam resgates de títulos anteriores da série, Em Uma Outra Dimensão ganha destaque na maneira como elas são utilizadas. Os gatilhos adaptáveis do DualSense são utilizados de maneiras práticas e criativas: é possível, por exemplo, mirar a trajetória de um explosivo com um leve pressionar do botão R2, e realizar o arremesso acrescentando um pouquinho mais de força ao gatilho. Já com o rifle de precisão Caça-Cabeça, pressionar o L2 de leve aciona a mira, e colocar mais força faz com que o tempo passe mais devagar por alguns instantes para facilitar o disparo.
Apesar de todos os avanços feitos pela Insomniac no quesito combate, Em Uma Outra Dimensão se mostra incapaz de igualar a criatividade de capítulos anteriores da série nos demais aspectos.
Na tentativa de resgatar elementos dos jogos clássicos, os desenvolvedores miraram no que é “familiar,” mas acabaram acertando no “previsível.”
A série Ratchet & Clank não precisa de mais um planeta povoado por piratas espaciais, nem de mais uma arena de combate administrada por um robozinho sarcástico – mas Em Uma Outra Dimensão faz questão de apostar nessas e em outras figurinhas repetidas para povoar as 10 horas da aventura.
Até mesmo o conceito de portais interdimensionais que se abrem de maneira repentina, ricocheteando Ratchet e Rivet de um planeta para outro com a velocidade do SSD do PlayStation 5, não é aproveitado de maneira tão interessante. A graça da novidade desaparece rápido, assim que o jogador percebe que apenas planetas que já são encontrados ao longo da aventura normal aparecem nesses trechos caóticos.
Talvez Em Uma Outra Dimensão tenha criatividade o suficiente para agradar um jogador novato da série, mas não a fãs de títulos como Going Commando e A Crack in Time, que eram incessantes em seus esforços para surpreender. E o próprio jogo de PS5 convida a comparação com esses capítulos clássicos da série, por exemplo, ao apresentar quebra-cabeças estrelados por Clank que não passam de confusas imitações dos engenhosos trechos com o robô nas fendas temporais de A Crack in Time.
O próprio conceito da perspectiva dividida é algo que A Crack in Time fez melhor. No jogo de PS3, as trocas de bastão entre Ratchet e Clank eram mais marcantes porque os personagens tinham poderes e capacidades distintas. A dinâmica entre Ratchet e Rivet tem grande impacto na narrativa, mas não afeta a ação de maneira perceptível.
Felizmente, o jogo tem alguns momentos de destaque que o separam dos capítulos menos inspirados da série.
O ponto mais alto é a breve jornada de Ratchet pelo planeta Cordelion, na qual o herói é obrigado a usar cristais para viajar entre duas versões de uma fábrica de armas submersa em dimensões distintas. Uma delas é dominada por tropas hostis, enquanto a outra está abandonada e abriga um monstro aterrorizante. O instigante trecho mistura referências à melhor fase de Titanfall 2 e pitadas do terror que alimenta Alien: Isolation.
A sequência de ação final, com um ritmo estonteante e uma enorme escala, também deixa uma impressão positiva forte.
Vale mencionar também como o esmero técnico da produção torna impressionantes até mesmo os momentos mais previsíveis da aventura. Pegue Sargasso, por exemplo: um planeta pantanoso que já foi visto antes na série, mas nunca com tamanha clareza e quantidade de detalhes.
A maior parte do meu tempo com o jogo foi com ele rodando a 30 quadros por segundo no modo fidelidade, que tem alta resolução e ray-tracing ativado, pois a atualização habilitando os modos de 60 quadros por segundo (com ray-tracing ou com foco em resolução) só chegou dois dias antes da publicação desta análise. Seja a 30 ou 60 quadros por segundo, a recomendação é deixar o ray-tracing ligado: de maneiras diferentes, todas as fases do jogo usam os efeitos de iluminação avançados para criar um deleite visual.
Ratchet & Clank: Em Uma Outra Dimensão cumpre a difícil missão de resgatar um legado de quase 20 anos e sustentar todo esse peso com as próprias pernas. É uma aventura linda e viciante, e uma ótima porta de entrada para novos jogadores – o que significa que o jogo repetiu o feito do reboot de PS4, mas sem precisar cortar as amarras com toda a história que veio antes.
Para fãs antigos da série, o gostinho que fica é agridoce: a aventura decepciona por não alcançar o mesmo patamar de A Crack in Time, mas dá passos importantes para iniciar uma nova fase da franquia. Fase que, desde que assuma mais riscos, pode fazer com que Ratchet e Clank alcancem novas alturas.
O jogo está totalmente dublado e legendado em português, e é exclusivo para o PlayStation 5.
- Lançamento
11.06.2021
- Publicadora
Sony Interactive Entertainment
- Desenvolvedora
Insomniac Games