Em meio à enxurrada de remakes que têm marcado a indústria dos games nos últimos anos, há basicamente três formas como produtoras têm encarado a tarefa de recriar jogos clássicos para a atual geração de consoles e computadores.

A primeira é usar o jogo original como guia e como inspiração, mas construir algo completamente novo, reinventando o game através do remake – ao que tudo indica, esse deve ser o estilo do novo Final Fantasy VII, por exemplo. A segunda, mesclar inovações com elementos tradicionais da jogabilidade e da história do título original; como fez o ótimo remake de Resident Evil 2.

Por fim, há a opção de se apoiar completamente no jogo antigo para atualizá-lo da forma mas fiel possível. Essa opção foi, de forma geral, a escolha de jogos como Crash Bandicoot N. Sane Trilogy e Spyro Reignited TrilogyMediEvil se encaixa exatamente aí.

Lançado em outubro deste ano para o PlayStation 4, o remake do jogo de ação e aventura é tão fiel ao material de origem que seria possível utilizar um detonado de MediEvil escrito em uma revista de games dos anos 90 como referência para atravessá-lo. E como estamos falando de um jogo com mais de 20 anos, lançado já saideira do ciclo de vida do PlayStation original, não é nenhuma surpresa que essa decisão tenha resultado em alguns altos e baixos.

Uma nova chance

Reprodução/Other Ocean Interactive

Desenvolvido pela Other Ocean Interactive, o remake de MediEvil, curiosamente, segue o mesmo caminho do enredo do próprio jogo – uma segunda chance para um título que, apesar de carismático, nunca figurou entre as séries mais populares da Sony

Metaforicamente, a história é bem parecida com a de Sir Daniel Fortesque, caricato protagonista do jogo que é celebrado como o grande herói póstumo de Gallowmere, responsável por “derrotar” o vilão Zarok e suas hordas de mortos-vivos. A realidade, no entanto, é bem diferente: no embate contra o feiticeiro, Fortesque foi atingido pela primeira flecha disparada no campo de batalha, caindo morto antes mesmo do combate começar.

Cem anos depois do ocorrido, Zarok ameaça novamente o reino de Gallowmere. Ressuscitado na forma de um esqueleto, Sir Dan volta ao combate para derrotar de vez o feiticeiro, na tentativa de fazer justiça à lenda criada ao redor de seu nome. É uma premissa simples, mas envolvente – e um dos pontos mais fortes de MediEvil.

Recheado de personagens bizarros e cartunescos que poderiam ter saído diretamente de um filme de Tim Burton, MediEvil não precisa de muito para encantar o jogador com seus cenários “halloweenescos“, que vão de cemitérios e mausoléus infestados por zumbis e demônios à fazendas e milharais mal-assombrados.

Cenários, aliás, que foram recriados com uma fidelidade absurda pela equipe da produtora Other Ocean, transportando o jogo original para a alta definição com uma atenção aos detalhes que vai desde o posicionamento de inimigos aos itens e segredos escondidos pelos cantos de Gallowmere.

Reprodução/Other Ocean Interactive

Onde MediEvil deixava à desejar em sua versão original por conta das limitações técnicas do PlayStation de primeira geração, no entanto, o remake torna mais denso e complexo, com novas animações e detalhes de cenários, inimigos redesenhados e uma trilha sonora completamente regravada que dá uma nova vida ao jogo – mas sem deixar de lado o sentimento nostálgico de se estar com um título clássico em mãos.

Não há como negar o excelente trabalho que o remake de MediEvil faz para atualizar o game para a atual geração, que aliado ao ótimo senso de humor que já estava presente no original, deixa tudo muito mais palatável para jogadores modernos. A exceção à essa palatabilidade é a jogabilidade de MediEvil.

Esqueleto no armário

Reprodução/Other Ocean Interactive

Assim como com cenários, inimigos, animações e trilha sonora, a jogabilidade foi de MediEvil foi retrabalhada, mas ainda é, essencialmente, a mesma. Na prática, isso se traduz em um jogo bastante frustrante para boa parte do público atual, “mimado” por maravilhas modernas como checkpoints e ângulos de câmera minimamente funcionais.

MediEvil nunca foi conhecido por seu excelente combate. Apesar de ter o hack-and-slash como um de seus elementos centrais, o jogo foi infame, já em sua versão original, por ter uma ação mais confusa do que tática, mais atrapalhada que metódica. Isso continua sendo verdade no remake.

Equipado com diferentes espadas, martelo de combate, arco-e-flecha e adagas, Sir Dan é mais um boneco de posto do que propriamente um cavaleiro medieval, atravessando os cenários balançando os braços de forma desajeitada contra inimigos em batalhas que são difíceis de compreender – seja pelo ângulo de câmera ou pelas animações de personagem, nem sempre é claro quem está acertando quem e de onde o dano tomado está vindo.

Os ângulos de câmera de MediEvil, aliás, estão entre os piores inimigos do jogador ao longo da ação. Hora fixos, hora livres para serem controlados pelo analógico do controle, os ângulos são raramente funcionais e mais atrapalham a visualização de inimigos e obstáculos do que ajudam o jogador. Nem mesmo a adição de uma câmera em “terceira pessoa”, que pode ser acionada em alguns pontos da aventura para acompanhar o protagonista sobre seus ombros, ajuda muito.

Reprodução/Other Ocean Interactive

Também não facilitar a vida do jogador do fato de que MediEvil não conta com checkpoints ao longo de suas fases – algo que não mudou no remake do jogo. Enquanto a decisão de manter o título sem checkpoint é compreensível pela fidelidade à dificuldade do material original, essa seria uma mudança que poderia aproximar o jogo de títulos mais modernos. Até Darks Souls tem algum tipo de checkpoint, sabe?

No entento, MediEvil continua “morreu, volta no início”, o que torna missões como a da Caverna das Formigas extremamente frustrantes.

Isoladas, nenhuma destas características tornam o remake de MediEvil um jogo ruim, mas minam a paciência do jogador aos poucos, e são, frequentemente, um atrito desconfortável que entra no caminho da diversão.

Na prática, ainda que MediEvil tenha voltado à vida com uma camada de verniz que o deixa muito mais agradável para jogadores modernos, boa parte de sua jogabilidade continua ultrapassada. Seus acertos e erros são exatamente os mesmos do jogo original. É uma segunda chance que encanta e diverte, mas que não redime MediEvil por completo.

Nota do crítico