Os Guardiões da Galáxia: personagens que menos de uma década atrás habitavam a terceira divisão dos heróis dos quadrinhos, mas que agora têm a missão de salvar o universo que os Vingadores quase destruíram.

Depois de decepcionar o mundo com Marvel’s Avengers, cuja ambição descabida era igualada apenas pela própria mediocridade, a Square Enix aposta as fichas restantes em uma aventura para um único jogador estrelando Peter Quill e companhia.

Para a sorte da produtora, deu certo.

Marvel’s Guardians of the Galaxy não tem personagens via DLC ou passes de temporada. O jogo da Eidos-Montréal prefere focar em coisas mais mundanas, como narrativa, combate e personagens envolventes – peças do quebra-cabeça que formam uma das aventuras mais surpreendentes do gênero desde Uncharted 2.

Divulgação/Square Enix

Doze anos após o término da Guerra Galáctica, durante a qual as grandes civilizações do universo conhecido foram capazes de impedir os Chitauri em seus anseios destrutivos, cinco figuras problemáticas se juntam para formar um grupo de heróis mercenários.

As versões de Peter, Gamora, Rocket, Drax e Groot imaginadas pela Eidos-Montréal não são tão distantes em personalidades daquelas popularizadas pelo cinema. Por conta da Guerra, porém, eles trilharam caminhos completamente diferentes antes de unirem forças.

O jogo usa o conhecimento prévio que o público tem dos heróis com muita sagacidade. Apesar de ser uma história de origem, o roteiro se dá ao luxo de pular a apresentação básica dos personagens. Ele não perde tempo, por exemplo, explicando que Rocket tem uma relação muito mais próxima com Groot do que com os outros membros da equipe – afinal, o jogador provavelmente já sabe disso.

Em vez disso, a história concentra esforços em usar o mesmo conhecimento prévio dos Guardiões contra o público, subvertendo as expectativas dos rumos que a jornada toma de maneira dramática logo na primeira hora. Quem assistiu aos filmes e entra no jogo achando que trilhará caminhos familiares provavelmente ficará em choque com quão rapidamente suas previsões são jogadas pro espaço.

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Mas o sucesso da trama de Guardians of the Galaxy não se resume apenas a surpresas.

Assombrados por seus passados, os protagonistas crescem de maneiras muito satisfatórias ao longo da aventura. Eles retêm o carisma e o humor de suas versões cinematográficas, mas são forçados a enfrentar conflitos internos inéditos, ganhando ainda mais profundidade.

Certas mecânicas do jogo facilitam o desenvolvimento dos heróis, como o sistema de colecionáveis: certos itens encontrados em caminhos opcionais pelos mundos visitados desbloqueiam tópicos de conversa entre os membros da equipe, que podem ser explorados em longos diálogos dentro da nave entre missões. Tais cenas são muito reveladoras, e motivam o jogador a revirar as fases de cima para baixo atrás dos itens.

O DNA de Deus Ex do time criativo da Eidos-Montréal também pode ser sentido na existência de escolhas de diálogo, que podem alterar levemente o rumo da história.

Caso Peter seja bom de lábia e obtenha a confiança da jovem cadete Gold no segundo capítulo do jogo, por exemplo, ele é recompensado com uma chave de segurança que facilita muito o progresso e garante acesso a itens extras várias horas mais tarde. Nenhuma escolha de diálogo é capaz de mudar dramaticamente o que acontece, mas elas conseguem fazer com que o jogador sinta que está causando um impacto, em vez de apenas ser conduzido pelos eventos na tela.

Peter, Rocket, Gamora e Drax se beneficiam muito desse foco na narrativa, extrapolando os limites do que vimos nas telonas. A triste exceção é o Groot, que tem pouco destaque e acaba tornando-se mais um acessório para o desenvolvimento do Rocket por conta de sua limitação linguística.

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Sendo Guardians of the Galaxy um jogo associado a quadrinhos e filmes, é natural dar toda essa importância à experiência narrativa. Mas o fio condutor que possibilita que a história e os personagens floresçam e o real ponto forte do game é a exploração.

Vou direto ao ponto, sem meias-palavras: Guardians of the Galaxy tem alguns dos cenários mais visualmente impressionantes e criativos que eu já vi em qualquer videogame.

Apesar de ter a mesma linearidade de um Uncharted, o jogo tem um quê de Mass Effect: ao longo da jornada, os Guardiões visitam inúmeros cenários alienígenas bizarros, que capturam a atenção do jogador pelo fascínio. Cogumelos gigantes que parecem feitos de miojo em meio a uma tempestade interminável; destroços de uma batalha espacial colados uns aos outros por uma resina rosa-choque; a nave-mãe de um culto religioso que é banhada inteiramente a ouro – coisas assim.

E cada cenário surrealista desses traz consigo hordas de oponentes igualmente inesperados, como os Gelacos, que são basicamente sobremesas gigantes de geleia que querem te matar.

Ao longo de suas mais de 20 horas de duração, Guardians of the Galaxy nunca para de impressionar no aspecto visual. Quando o jogador pensa que já viu de tudo, a aventura encontra uma maneira de superar tudo o que veio antes – uma sequência de surpresas que culmina com o espalhafatoso grande final, cujos detalhes merecem ser preservados.

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Ainda que seja protagonizado por uma trupe de cinco heróis, Guardians of the Galaxy só tem um personagem que é controlado diretamente pelo jogador: Peter Quill, o Star-Lord.

Tanto em trechos de exploração quanto no combate, Peter consegue dar ordens específicas para seus companheiros. Groot, por exemplo, pode estender os galhos de seu corpo para criar pontes ou erguer plataformas, e também usar suas habilidades específicas para imobilizar inimigos durante o combate. Pontos de experiência podem ser usados para desbloquear mais técnicas de combate para os Guardiões.

Os quebra-cabeças que impedem o progresso do jogador raramente requerem muito raciocínio para serem resolvidos, mas servem como bons momentos de pausa na ação para que os heróis tenham interações engraçadas e conversem sobre o que está acontecendo.

No combate, porém, o jogador tem mais liberdade para flexionar seus músculos criativos.

Além de ativar as habilidades dos Guardiões, que ficam prontas para reuso com o passar do tempo, também é possível dar ordens situacionais para os companheiros. Gamora pode derrubar coisas penduradas em guindastes em cima de inimigos despercebidos, por exemplo, enquanto Rocket consegue plantar armadilhas explosivas em certos pontos nas arenas. Na prática, a sensação é a de que você está controlando a equipe toda de uma vez.

Em situações de emergência, o jogador pode depender de uma barra que enche com o tempo para chamar seus companheiros para uma reunião de estratégia. Nessas cenas, é preciso selecionar uma opção de diálogo com base no que seus colegas de equipe estão dizendo. Caso Peter diga a coisa certa e consiga levantar os ânimos, todos os aliados ganham um bônus temporário de força e recuperam pontos de vida.

Perto do final da aventura, a escalada violenta na quantidade de inimigos por sala de combate acaba escancarando a natureza repetitiva das cenas de tiroteio. Felizmente, como o jogador tem muitos comandos distintos à disposição, Peter precisa sempre estar se mexendo, atirando, ativando armadilhas e dando ordens – o que torna difícil ficar entediado, até mesmo nas sequências de ação mais longas.

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Apesar de toda a beleza dos cenários encontrados na aventura, Guardians of the Galaxy não é imune a problemas técnicos. Ao longo do meu tempo com o jogo, já com a atualização de dia 1 instalada no PlayStation 5, encontrei uma série de bugs visuais, incluindo cenas em que as armas dos heróis ficavam desembainhadas fora de hora ou outras em que certas texturas do cenário sumiam.

Outro ponto da experiência digno de ressalva é a dublagem para português do Brasil, que apesar de competente e de ter as mesmas vozes do cinema, não transmite a mesma emoção dos diálogos originais em inglês. Felizmente, o jogo dá a opção de misturar livremente os idiomas entre áudio e legendas.

De qualquer maneira, os pequenos tropeços de Guardians of the Galaxy não chegam a manchar a experiência construída pela Eidos-Montréal: uma montanha-russa de surpresas que não podia estar mais distante da monotonia de Marvel’s Avengers.

Se antes eu não me importava, agora torço para que a Square Enix consiga produzir mais jogos da Marvel. Com sorte, agora eles sabem quais caminhos tomar.

Nota do crítico