Fale o que quiser da trajetória da história de Kingdom Hearts, mas o fato da série seguir uma única linha fixa desde o primeiro jogo tem benefícios inegáveis. Destes, talvez o maior seja a consistência e a coesão da trilha sonora da franquia, que teve a oportunidade de crescer e mudar ao lado de Sora e companhia.

Encabeçado pela genial Yoko Shimomura, o esforço de mesclar as músicas clássicas da Disney aos tons que esperamos de um RPG japonês resultou em uma das mais diversas e amadas trilhas sonoras da história dos games.

Melody of Memory é uma celebração dos 18 anos de melodias marcantes que a série Kingdom Hearts já rendeu. O jogo rítmico encerra o que é chamado de 'primeiro arco' da franquia em tom de festa, ao mesmo tempo em que oferece uma pequena provocação sobre o que virá a seguir.

Divulgação/Square Enix

O game é uma produção dos japoneses da indieszero, conhecidos no mundo dos jogos de ritmo por causa da linha Theatrhythm, que já celebrou as trilhas de Final Fantasy e Dragon Quest de maneira similar ao que acontece aqui.

Diferente dos trabalhos anteriores do estúdio, porém, Melody of Memory foge das amarras de um jogo de ritmo tradicional ao substituir os botões coloridos que denotam os comandos por inimigos que Sora e seus amigos devem derrotar. Compare com Guitar Hero: em vez de saber qual botão você deve apertar com base na cor do círculo que se aproxima da tela, você deve observar o tipo e o posicionamento do inimigo que está a caminho.

É uma escolha marcante, que não apenas remete às batalhas pelas quais Kingdom Hearts é conhecido, mas também separa Melody of Memory do resto do gênero.

A mecânica obriga até mesmo veteranos de ritmo a passarem por um período de aclimatação, mas rende bons frutos; por depender de elementos visuais complexos para guiar o jogador, o game alterna constantemente entre a gentileza e a crueldade. É preciso estar sempre atento a truques e viradas repentinas nas músicas.

Divulgação/Square Enix

Melody of Memory conta com uma leve dose de elementos de RPG, apoiando-se na herança de Kingdom Hearts, mas sem mergulhar de cabeça na personalização como fazia Theatrhythm Final Fantasy. Os trios de personagem ganham pontos de experiência que aumentam, por exemplo, a quantidade de notas que o jogador pode errar antes de falhar em uma música. Eles também podem obter itens diversos, como poções de restauração de vida ou materiais para a criação de novas músicas ou colecionáveis.

A progressão básica do game acontece no modo aventura, que separa as músicas por mundos e em ordem cronológica. A jornada começa com as músicas do Kingdom Hearts original, e termina com o épico Kingdom Hearts III (que vem acompanhado de um epílogo de história com cerca de 15 minutos de cenas inéditas, que dão pistas da história do próximo jogo da série).

Além das fases de combate tradicionais, Melody of Memory também tem fases mais simples chamadas de Memory Dives, que costumam acompanhar clipes com cenas da série ao fundo, e alguns poucos estágios de batalhas contra chefes, que são confusos e estranhamente punitivos em comparação com o resto do jogo.

Há ainda um modo de seleção livre de músicas (que também esconde a opção 'performance', que adiciona firulas às fases comuns e torna tudo ainda mais difícil), e um divertido modo multiplayer online que é importantíssimo para a longevidade da experiência.

Divulgação/Square Enix

No aspecto que realmente importa, é difícil criticar Melody of Memory. São mais de 140 músicas de todos os jogos da série, com um foco principal nas composições originais mas com pitadas de músicas Disney, como "Under the Sea", "Circle of Life" e "Let It Go".

É uma lista completa ao ponto de tornar a experiência obrigatória para qualquer fã de Kingdom Hearts. Ao longo da aventura, pude relembrar os melhores momentos da série através das músicas, além de redescobrir faixas que tinham ficado esquecidas em algum canto do meu cérebro, mas que merecem o destaque que recebem em Melody of Memory.

Há ausências previsíveis (nenhum sinal da trilha de Phil Collins para Tarzan) e outras estranhas ("Face My Fears", a abertura de Kingdom Hearts III, não está no jogo - talvez por causa do Skrillex?), mas as músicas que estão lá são uma amostragem grande o suficiente para provar a potência da trilha sonora da série.

Mas Melody of Memory tem um ponto fraco marcante: o trecho focado em Kingdom Hearts III. Ficaram faltando muitas as faixas mais importantes desta trilha, que é um problema que não ocorreu nem mesmo com jogos menos importantes como Chain of Memories. E praticamente todas as fases representativas de KH3 são do estilo Memory Dive - muito menos envolventes do que as fases de ação comuns.

A impressão que fica é a de que a reta final do game foi pensada após o orçamento secar... ou até mesmo que eles planejam lançar o conteúdo como DLC posteriormente.

Em todo caso, Melody of Memory é uma merecida homenagem às trilhas de Kingdom Hearts - uma série que sempre colocou suas músicas em primeiro plano de importância. Quando você coloca as incríveis melodias dos games lado a lado deste jeito, dá para entender o porquê de tamanho respeito.

Nota do crítico