Primeiro projeto da Sucker Punch depois de Infamous Second Son e First Light, ambos de 2014, Ghost of Tsushima traz um mundo aberto excelente, repleto de uma natureza que serve como pano de fundo para a história de Jin Sakai, samurai que sobreviveu à batalha na praia de Komoda contra a invasão mongol.

O confronto - que, vale citar, é um fato histórico - dizimou praticamente toda a ordem samurai que vivia na ilha de Tsushima. Apenas Jin e seu tio, o lorde Shimura, conseguiram sair com vida; mas mesmo para eles o preço foi alto.

Jin assistiu enquanto seu tio, o governante de Tsushima, era capturado por Kotun Khan, chefe da invasão mongol. O protagonista ainda ficou em estado grave de saúde e só sobreviveu graças aos esforços de Yuna, jovem ladra que se provará uma aliada importantíssima na jornada do lorde Sakai.

O enredo gira, inicialmente, em torno do resgate de Shimura e, é claro, da eliminação do líder mongol, mas isso é apenas a primeira das camadas de Ghost of Tsushima. A honra samurai, a natureza local e outras histórias paralelas também são essenciais para a ambientação do game.

Antes de tudo, é importante mencionar que testei o game no modelo básico do PlayStation 4 e não tive grandes problemas técnicos. As quedas de framerate perceptíveis aconteciam em alguns poucos momentos, mas nada que afetasse a experiência de maneira significativa. Ainda em quesitos técnicos, o jogo traz telas de loading bem rápidas para os padrões atuais.

À la Ubisoft

Depois de finalizar as primeiras missões de campanha e entrar no loop central do game, o jogador é apresentado à vastidão de Tsushima. A ilha é dividida em três regiões e, logo de cara, já possui marcadores mostrando pontos de controle mongol - extremamente similar aos que vemos em Far Cry e outros títulos da Ubisoft.

Conquistar esses pontos estratégicos tirará um pouco da “névoa” que encobre a área ao seu redor, revelando locais de interesse próximos. A densa fumaça aparece tanto no desenho do mapa quanto no próprio gameplay, trazendo alguma apreensão para a exploração de locais desconhecidos.

Aos poucos, o jogador aprende sobre todos os elementos que fazem parte do mapa. Conforme já havia sido mostrado anteriormente em trailers, o vento é o principal guia de Sakai pelo mundo aberto - esse detalhe, inclusive, possui uma ótima integração com a história do protagonista.

Seguir a brisa é o instrumento mais utilizado para completar objetivos e chegar em lugares escolhidos do mapa, mas não é a única maneira de explorar Tsushima. O game recompensa jogadores que se permitem desviar do caminho do vento, chamando sua atenção com pássaros dourados, raposas e borboletas.

Cada um desses animais indica locais de interesse para o jogador: as raposas levam a altares Inari, que desbloqueiam espaço para power ups; os pássaros dourados trazem destinos mais amplos, e mostram o caminho para colecionáveis, cosméticos, missões, entre outros; as borboletas costumam se acumular ao redor de um item cosmético, normalmente um novo chapéu para Sakai.

Além dos altares Inari, o mundo aberto de Tsushima reserva mini games de composição de Haiku, tradicional poesia com apenas três versos; santuários que fornecem power ups; mini games de cortar bambu; e fontes termais que aumentam a barra de vida do protagonista.

A exploração de todos esses elementos pode ser feita tanto a pé ou a cavalo. Logo nos momentos iniciais, Sakai escolhe seu próprio alazão para acompanhá-lo em sua aventura, em uma cena que lembra bastante a escolha de um Pokémon inicial.

Além de decidir quais dos cavalos será seu companheiro, o jogador também possui três opções de nome para o animal, e escutará Sakai falando a alcunha escolhida em vários galopes.

Vale citar que o cavalo é, talvez, o único elemento que há de sobrenatural em todo o game (alerta de piada). Não importa o quão distante Sakai esteja de sua montaria, basta um assovio para que o animal apareça em questão de segundos, como mágica.

Para quem não quer repetir percursos ou prefere não explorar tudo que Tsushima tem a oferecer, o recurso de viagem rápida é desbloqueado desde o início do game, e qualquer ponto de interesse já visitado está a apenas um botão de distância.

Minha recomendação pessoal, entretanto, é se aventurar em qualquer cantinho possível. Não foram poucas as vezes que abandonei uma missão da campanha para seguir um pássaro dourado ou uma raposa, e certamente não tenho nenhum arrependimento por ter feito isso.

A única ressalva é a falta de um marcador para o mapa. Por vezes, o jogador poderá avistar algum ponto de interesse ao longe que gostaria de visitar apenas mais tarde, e não há qualquer ferramenta para lembrá-lo daquele local. Um recurso como o “binóculo” de Breath of the Wild caberia muito bem em Ghost of Tsushima, visto que possui uma quantidade enorme de lugares para conhecer.

Nada de Souls

A temática samurai traça comparações com Sekiro: Shadows Die Twice quase imediatamente, mas é fácil perceber que são dois jogos completamente distintos. O combate de Ghost of Tsushima passa longe dos tons metódicos que o gênero Soulslike oferece, aproximando-se muito mais de títulos como o último God of War. Pois é.

Antes da carnificina, Jin pode ter a opção de duelar com seus adversários, dando início a uma espécie de mini game. Frente a frente com um vilão, o jogador deve esperar o ataque inimigo para soltar o botão triângulo e acertar um golpe mortal; posteriormente, os duelos podem ser estendidos para eliminar até cinco oponentes de uma vez.

A mecânica é bem simples de ser utilizada no início do jogo, mas ao passo que adversários vão ficando mais fortes, os duelos ficam mais difíceis. Os inimigos passam a utilizar fintas e aplicam golpes muito velozes, dificultando a vida do jogador.

Nas lutas generalizadas, o grosso do combate é feito com a sua katana. O game não é totalmente punitivo com jogadores que prefiram esmagar botões em busca de acertar seus golpes, mas recompensa quem possui o mínimo de paciência para esperar as janelas de ataque.

Golpes pesados são essenciais para atordoar seus inimigos e deixá-los vulneráveis. Basta observar a barra branca que há acima de cada um para saber o quão perto você está de desarmá-lo. Recorrer apenas aos ataques rápidos normalmente resulta em batalhas mais longas, pois mesmo os inimigos mais fracos não são nada bobos quando a questão é defender os golpes de Jin.

Aos que preferem uma aproximação ainda mais defensiva, aguardar o ataque dos inimigos para executar um parry - a tradicional defesa no tempo correto, traduzida para o português com o verbo “aparar” - também é uma das opções mais viáveis, abrindo a guarda inimiga por alguns instantes. Há ainda as deflexões perfeitas, que resultam em um momento em câmera lenta para executar um contra-ataque poderoso.

Adicionando um pouco mais de profundidade às lutas, há também as variações de posturas utilizadas por Sakai. Conforme derrota inimigos poderosos, o samurai aprende novos estilos de combate que são mais adequados para enfrentar diferentes adversários. A Postura da Pedra, por exemplo, é ótima para aniquilar espadachins, enquanto a da Água é melhor para furar o bloqueio de inimigos com escudo.

Para os fãs do combate à distância, o arco e flecha também é uma opção no arsenal de Sakai, mas que não é tão encorajada assim. O equipamento não é muito viável em combates corpo a corpo, e fica escanteado para abates específicos.

Observando de maneira mais ampla, as lutas giram em torno da Determinação de Jin. Representada por bolinhas que ficam acima da barra de vida, a Determinação é uma espécie de mana, que serve tanto para se curar quanto para executar ataques mais poderosos.

Essencial para sobreviver, a Determinação pode ser melhorada nos mini games de cortar bambu ou conforme o jogador progride nas missões.

Dito tudo isso, o combate pode soar bastante metódico, tal qual os games da FromSoftware. De fato, o início do game requer um pouco de paciência para o jogador, já que Sakai ainda é bastante fraco - ainda assim, nada que chegue no nível de memorizar padrões de golpes adversários. Depois de inúmeros upgrades em sua habilidade, o samurai vira uma máquina de guerra e corta todos seus adversários sem muitos problemas.

A progressão para um personagem poderosíssimo passa longe de ser ruim. No início, o jogador sente as dificuldades de ser um guerreiro samurai em ascensão; mais próximo do end game, seu poder é recompensado com inimigos que ficam aterrorizados e simplesmente fogem do combate, garantindo alguma satisfação mesmo em lutas fáceis.

Satisfação, inclusive, é uma boa palavra para definir o combate de Tsushima como um todo. As câmeras lentas ao acertar um parry e o atordoamento dos inimigos são bem prazerosos.

O Fantasma

Ghost of Tsushima faz um excelente trabalho de misturar seu gameplay com outros elementos do jogo. A exploração do mundo aberto, por exemplo, também é uma ode à cultura japonesa, mencionando seus deuses e algumas tradições artísticas.

A maior dessas misturas é, com certeza, a ascensão da persona Fantasma dentro de Jin Sakai.

Lorde Shimura é o responsável por apresentar o código dos samurai a Jin: enfrente seus inimigos olhando em seus olhos, pois apenas um covarde ataca pelas sombras. Para vencer uma guerra, entretanto, o protagonista precisa utilizar recursos que quebram seus princípios, e os golpes furtivos passam a fazer parte da jogatina.

Em determinadas missões, o jogador é obrigado a se esconder dos mongóis para cumprir seu objetivo, colocando zero escapatória para Jin. O samurai é forçado a quebrar o seu código e virar um guerreiro que mistura os caminhos da honra e das sombras, eventualmente gerando a sua alcunha de Fantasma, além de algumas surpresas para o jogador e um inevitável conflito ideológico com seu tio.

Por sinal, não são apenas os abates pelas costas que fazem parte da mecânica Fantasma. Ferramentas “trapaceiras” como bombas de fumaça, granadas que grudam nos adversários e as facas kunai são algumas das outras opções desonrosas que o jogador terá à disposição.

O único momento de exceção para as trapaças está nas lutas contra chefões. Durante essas batalhas, o game mantém a aura de um duelo justo e impede que o jogador use qualquer recurso que não seja sua habilidade com a katana, um detalhe simples mas que contribui para o charme do jogo.

O sistema de stealth é divertido e complementa bem a intensidade dos confrontos comuns, mas poderia ser um pouquinho mais sincero na percepção dos inimigos. É bem fácil se esconder de adversários mesmo que eles tenham uma linha de visão direta para Sakai, e até o barulho de seus passos não é tão influente em sua furtividade.

Fica a decepção por não haver algum sistema similar ao de Red Dead Redemption 2, onde as escolhas do jogador contribuem para uma moral positiva ou negativa de Arthur Morgan. De qualquer forma, a história do jogo é construída de maneira que não dá muito espaço para múltiplos finais ou coisa do tipo.

Ainda assim, seria interessante que o game pegasse um pouco do medo dos inimigos e o colocasse em alguns cidadãos de Tsushima. Essa narrativa até aparece em uma side quest específica, mas não afeta de maneira profunda a experiência do jogador.

Muitos upgrades

Praticamente todos os itens que Jin utiliza são passíveis de melhorias. Sua katana, armadura, arco e outros acessórios podem receber upgrades em vendedores. Além de precisar de Mantimentos - o “dinheiro” do jogo - para realizar os aperfeiçoamentos, Jin também precisará acumular alguns itens específicos.

Para melhorar a espada, por exemplo, ferro, aço e ouro são alguns dos elementos necessários; para o arco, bambu e tipos especiais de madeira; para a armadura, linho e seda, e assim em diante.

A progressão de Sakai também vem por meio de várias árvores de habilidade. Ao completar missões e derrubar locais de controle inimigo, o protagonista vai engrossando o caldo de sua lenda, eventualmente chegando ao status de Fantasma de Tsushima. Nesse percurso, o jogador recebe pontos de habilidade para desbloquear novos aspectos do gameplay.

Os pontos podem ser utilizados de diversas maneiras: há duas árvores para habilidades defensivas dos samurai - esquiva e parry; uma progressão para cada Postura desbloqueada; progressão para as habilidades Fantasma, como eliminações furtivas múltiplas; e árvores para os acessórios Fantasma, como kunais adicionais.

Para quem quer explorar todos os cantos do mapa, também é possível usar os pontos para desbloquear novas “habilidades” para o vento que guia Sakai. Dessa maneira, o jogador poderá direcionar a brisa para altares Inari e outros locais de interesse que ainda não foram descobertos.

Correndo por fora dos pontos, o game também traz a velha mecânica de Amuletos para adicionar algumas habilidades passivas, como aumento de vida, dar mais dano nos inimigos ou melhorar a capacidade furtiva. No total, são seis amuletos que podem ser equipados por Jin, e os espaços para eles são desbloqueados em altares Inari.

Contos de um samurai

Ghost of Tsushima não esconde, desde sua tela de configurações iniciais, que é inspirado profundamente em obras do cinema samurai. Segundos após ligar o jogo pela primeira vez, o jogador já é apresentado ao Modo Kurosawa, que aplica um filtro preto e branco mimetizando as produções do aclamado diretor japonês.

O destaque para a opção de dublagem japonesa também entra como uma referência cinematográfica, mas com um notável problema na sincronização das vozes. As bocas dos personagens se movem de acordo com as falas inglês, criando uma leve sensação de filme dublado para aqueles que optarem pelas vozes japonesas.

Claro, a Sucker Punch certamente priorizará o público norte-americano que, tradicionalmente, não é dos maiores fãs de legendas, mas ainda assim é impossível não considerar essa escolha como um ponto negativo, principalmente em um game que se presta a homenagear a cultura japonesa acima de tudo.

A influência do cinema não fica apenas no visual e nas vozes. O próprio enredo de Ghost of Tsushima adota um formato que pode lembrar o de Os Sete Samurais, a obra máxima de Kurosawa.

Ao olhar o mapa de Tsushima pela primeira vez, fica evidente que a história do jogo é dividida em três atos, cada um deles com um objetivo muito claro desde o princípio. O primeiro, por exemplo, é o resgate do lorde Shimura. Os atos são subdivididos em Contos - nome dado a todas as missões do game, sejam elas parte da campanha ou não.

Seguindo a estrutura de Kurosawa, o caminho de cada ato até o seu clímax é mais lento, explorando personagens que se juntam à causa de Jin e mostrando os preparativos para o grande confronto daquele arco.

Apesar da homenagem, as reviravoltas da trama se tornam bem previsíveis. Os acontecimentos em si podem até surpreender, mas o jogador já sabe quando esperar uma grande revelação ou um progresso significativo no enredo. O game poderia se aproveitar mais do espaço entre atos para trazer surpresas ao jogador, quebrando suas expectativas com maior frequência.

Por outro lado, Contos que não fazem parte da jornada de Jin são interessantíssimos e podem ser um bom desafogo para jogadores que querem algo mais profundo nos intervalos da campanha.

Os Contos de Tsushima são as tradicionais side quests, que podem envolver cidadãos aleatórios em perigo ou até mesmo aprofundar a personalidade dos aliados fiéis de Jin.

A guerreira Masako Adachi, por exemplo, junta-se ao protagonista após ter sua família massacrada por assassinos misteriosos. Depois de recrutá-la, o jogador é apresentado a uma série de missões que prometem desvendar a chacina do clã Adachi. O mesmo vale para Ishikawa Sensei, um mestre arqueiro cuja aluna prodígio está, supostamente, treinando o exército mongol.

Contos que se aprofundam nos aliados de Jin são muito bons, e revelam facetas inesperadas de cada personagem, chegando a ter mais carga emocional do que a própria campanha, por vezes. As outras missões podem não ter o mesmo impacto no jogador, mas são tão simples e rápidas de se resolver que acabam compensando serem feitas.

Há ainda os Contos Míticos, que exploram histórias mitológicas da ilha de Tsushima e trazem recompensas parrudas, como habilidades ou armaduras poderosíssimas.

Arte e visual é tudo

O filtro Kurosawa é uma adição extremamente charmosa e criativa para o game, mas recomendo que os jogadores encontrem um equilíbrio entre o preto e branco e o colorido. A ilha de Tsushima é belíssima, com cenários que surpreendem o jogador e podem deixá-lo de queixo caído.

O ambiente como um todo é deslumbrante e um prato cheio para os fãs do Modo Fotografia, que certamente encontrarão excelentes cliques pelo mundo aberto. A câmera fotográfica, inclusive, é repleta de recursos para deixar as imagens próximas à perfeição. O jogador poderá alterar desde a distância focal até a velocidade e direção do vento, tendo todas as ferramentas necessárias para uma foto muito bonita.

A variação cromática também está presente nos visuais de Jin, que possui uma infinidade de cosméticos a serem equipados. Sua katana pode ser colocada em bainhas de diferentes colorações, formas e texturas; o mesmo vale para as armaduras do samurai, que também possuem várias opções de cores.

Mesmo o cavalo de Jin pode ser customizado com selas que são liberadas ao coletar bandeiras Sashimono, símbolos de clãs samurai espalhados pelo mapa. Ainda na pegada artística, o protagonista consegue tocar diversas músicas com sua flauta e até mudar o tempo com elas, transformando um dia chuvoso em ensolarado e vice-versa.

Também vale citar a direção de cutscenes. As animações cinematográficas não devem nada a outros jogos que tentam se aproximar dos filmes (alô, Hideo Kojima), e são essenciais para a construção sentimental de cada momento no jogo.

Apesar de ter tantos recursos e mecânicas, Ghost of Tsushima consegue convencer pela simplicidade. Missões paralelas curtas e objetivas, combate acessível e fast travel desbloqueado são apenas alguns dos elementos que tornam o game bastante amigável a qualquer um, sem perder um pingo de charme por isso.

O game acumula pequenos defeitos que até chegam a incomodar, mas nada que afete de maneira ampla o jogo como um todo. Ótimo projeto da Sucker Punch, que conseguiu definir uma identidade própria para o tão explorado gênero do mundo aberto.

Tirando ingredientes de Breath of the Wild, Horizon Zero Dawn e da fórmula Ubisoft, a desenvolvedora misturou tudo isso em um jogo que soa bastante original.

Nota do crítico