Dançante e sombrio, Felix The Reaper retrata a jornada de Felix, um ceifador de almas, em busca de uma dança com sua paixão platônica, Betty The Maiden, que trabalha no Ministério da Vida. O conflito é quase como uma releitura de Romeu e Julieta - como podem pessoas com funções tão distintas ficarem juntas?

Em meio a esse amor impossível, Felix precisa continuar exercendo sua profissão: organizar os eventos de forma que determinadas pessoas morram, assim como qualquer ceifador. O que diferencia o protagonista é seu vício por dançar; ele está sempre com seu par de fones e fazendo seus passos durante todo o game.

Brincando com a sombra

O gameplay tem uma proposta bastante simples: cada fase é um puzzle onde você deve posicionar objetos da maneira correta. Sua principal inimiga é a luz solar, que queima sua pele e impede que você se movimente, portanto, é obrigatório andar pela escuridão.

Para manipular os trechos acessíveis de cada cenário, o jogador pode reposicionar objetos, usando-os como uma maneira de criar sombra, ou mudar a angulação do próprio Sol, direcionando a escuridão para diferentes lugares. Em cada fase, são duas opções disponíveis para essa angulação, permitindo que o jogador “rode” a luz em noventa graus.

Não sou nenhum gênio dos puzzles, mas Felix The Reaper se mostrou bastante desafiador em diversos momentos, algo que funcionaria muito bem caso o game te recompensasse à altura de seu esforço.

Para ser justo, os cenários são cheios de recursos visuais que te dão alguma alegria por chegar em determinado ponto do puzzle: trechos de música aparecem escritos na tela ao alcançar um chekpoint (inclusive, na versão legendada em português, essas músicas são clássicos brasileiros), e o mapa vira uma pista de dança ao completar o desafio.

O que fica marcado, entretanto, é o “placar” que surge após cada fase. Uma tabela contabiliza cada uma das suas ações durante aquele estágio: quantos blocos você percorreu, o número de ações tomadas e quantas vezes você foi queimado pelo Sol, por exemplo.

Abaixo de suas próprias estatísticas, o game fornece os números que seriam “aceitáveis” para terminar aquela fase, e te premia com uma inútil caveira caso você os tenha cumprido. O problema nisso é que é praticamente impossível de alcançar qualquer um dos parâmetros sem ter uma noção prévia de como terminar aquele quebra-cabeça; no fim das contas, a tabela só faz com que você se sinta um péssimo jogador.

A discussão sobre dificuldade nos games não é de hoje: Dark Souls e outros títulos da FromSoftware estão aí para provar isso. A grande questão é fazer com que todo o sofrimento do jogador para matar um chefão seja compensado de maneira agradável, algo que os próprios Soulslike e até mesmo Celeste fazem com maestria; Felix The Reaper, por outro lado, falha nesse aspecto.

Dance!... Mas discretamente

Assistindo a um trailer pela primeira vez, imaginei que Felix The Reaper seria algo como o filme Baby Driver, onde a trilha sonora é combinada perfeitamente com o que está acontecendo na tela. Ao invés de fugas automotivas, entretanto, as músicas seriam sincronizadas com a dança e a resolução de puzzles.

O que o jogo oferece é bem distante do que esperava. Por mais que a trilha se destaque em poucos momentos, as músicas são bastante repetitivas e, de certa forma, irritantes em meio a todo esforço mental para dançar pelas sombras.

Os passos de dança seguem o mesmo tom, sendo extremamente bem feitos mas ficando em segundo plano enquanto você se concentra em um mapa apertado e que possui comandos por vezes imprecisos no Nintendo Switch.

Conteúdos “escondidos”

Muitas coisas acontecem de maneira bastante discreta em Felix The Reaper: mecânicas novas de jogo, como objetos móveis, são introduzidos por ilustrações em telas de loading, por exemplo.

Outra incidência é a trilha sonora: é possível trocar a faixa que está tocando no menu de pause, algo que demorei bastante tempo para perceber.

O que mais chama a atenção dentre esses itens discretos são os longos textos que antecedem cada capítulo. Felix The Reaper possui capítulos que acontecem em diferentes momentos da história, e é possível se contextualizar quanto ao significado da morte para a sociedade daquela época.

Lembra do Romantismo, que seu professor de Literatura tanto falava no Ensino Médio? A segunda fase dessa escola literária tem relação bem próxima com a morte, algo que está muito bem descrito dentro do game. A Danse Macabre, gênero artístico que mistura morte e vida, também é amplamente abordada no jogo.

Por mais que seu gameplay seja cansativo, é nítido que Felix The Reaper foi feito com extrema atenção. Sua direção artística possui um alto esmero para os detalhes e em construir um ambiente que envolva o jogador, infelizmente, esse esforço é quase apagado pelo formato que o game se apresenta.

Caso haja uma sequência, seria de bom tom dar mais foco ao protagonista, colocando a câmera mais próxima dele para que seus passos de dança ganhem o destaque que merecem. Por enquanto, o jogo apenas desperdiça muito potencial de uma premissa divertida.

Nota do crítico