Lançada em dezembro do ano passado, a Epic Games Store desembarcou no PC e macOS com a ambiciosa promessa de tornar o mercado de lojas virtuais mais competitivo.

Afinal, apesar das dezenas de lojas third party existentes, como Nuuvem e GOG.com, e de uma boa quantidade de lojas das próprias publishers de games, há anos que o cenário de distribuição de jogos digitais no PC é, virtualmente, dominado pelo Steam – plataforma da Valve que foi pioneira do modelo de distribuição de jogos digitais no PC.

A batalha contra a Valve, é claro, não seria nada fácil. Com mais de 15 anos de existência, o Steam é, para muitos, a "loja padrão" para a aquisição de jogos no PC, e a opção mais cômoda para se construir uma biblioteca de títulos digitais.

O desafio à hegemonia do Steam, no entanto, foi recebido como uma ótima notícia: uma forma não só de dar mais escolha aos jogadores, mas também de forçar a Valve a se reinventar e resolver uma série de problemas internos – incluindo o uso do Steam para a distribuição de jogos contendo discurso de ódio e a divisão de receitas problemática do Steam, vista como injusta por muitos desenvolvedores de jogos.

Ainda assim, passados doze meses, é difícil medir se o saldo total da Epic Games Store é positivo ou não para o ecossistema. Vamos aos porquês.

Largada com o pé direito e primeiras polêmicas

Reprodução/Supergiant Games

Embalada pelo sucesso de Fortnite, fenômeno do gênero Battle Royale que rendeu bilhões à Epic Games e liquidez suficiente para empresa apostar em novas iniciativas, a Epic Games Store foi oficialmente lançada em 06 de dezembro com uma boa dose de euforia.

De cara, a Epic quis mostrar que a nova loja era uma aposta séria da empresa, e usou diferentes estratégias para atrair consumidores e desenvolvedores de uma só vez. Por um lado, a aposta seria no conteúdo exclusivo, com jogos como Hades, da Supergiant Games, e Journey no PC, que só poderiam ser comprados por usuários com uma conta da Epic Games Store; já para desenvolvedores, o atrativo ficou por conta de uma divisão bem mais generosa de receitas – 88% para o desenvolvedor e 12% para a Epic, contra a divisão de 70% e 30% do Steam.

Ao longo das semanas seguintes, Tim Sweeney, CEO da Epic Games, defenderia as estratégias como algo positivo para a indústria, na tentativa de gerar marketing positivo para sua plataforma e de colocar a responsabilidade nas costas da rival, a Valve, de fazer o mesmo.

Divulgação/Epic Games

Os primeiros atritos com jogadores, no entanto, não demoraram a aparecer. Em janeiro deste ano, a Epic revelou seu primeiro grande título AAA exclusivo, The Division 2, que deixou alguns fãs do primeiro título do multiplayer online da Ubisoft irritados com a impossibilidade de adquirir o jogo na plataforma que desejavam – nominalmente, no Steam.

A situação se agravou no mês seguinte, quando a publisher Deep Silver revelou que Metro Exodus, um dos shooters mais aguardados do primeiro semestre, também seria vendido exclusivamente na Epic Games Store.

Tomada após o início da pré-venda do jogo no Steam, a decisão acabou inflamando boa parte dos jogadores, que acusaram a Epic de atitudes anti-consumidor Ao invés de dar mais opções aos consumidores, a Epic estaria usando de seu poder ecônomico para fechar o ecossistema com exclusivos, argumentaram alguns jogadores. A Valve, é claro, aproveitou a polêmica para jogar lenha na fogueira, classificando a decisão da Deep Silver como “injusta” em uma pronunciamento através da página do jogo no Steam – ainda que a publisher tivesse garantido que jogadores que já haviam comprado o título na loja da Valve teriam acesso ao jogo através do Steam desde o lançamento.

A situação tomou proporções ainda maiores após uma fala de um desenvolvedor anônimo da 4A Games, produtora de Metro Exodus, contra um boicote proposto por um grupo de jogadores ao título. Frustrado com a situação, o produtor foi até os fóruns do Gameru.net para afirmar que a empresa não lançaria mais jogos da série Metro no PC caso qualquer boicote se efetivasse.

Também não ajudou em nada um pronunciamento de Tim Sweeney após o ocorrido, exaltando o lançamento de sucesso de Metro Exodus teve na Epic Games Store e afirmando que gamers é que "não entendiam" que a estratégia da empresa seria positiva para indústria.

A comoção, no entanto, não fez a Epic desistir da estratégia: ao longo do ano, mais títulos exclusivos, como The Outer Worlds, Control, Ancestors: The Humankind Odyssey e Shenmue III, chegaram à loja virtual da empresa.

Divulgação/Glumberland

Alguns lançamentos específicos ainda causariam atrito com jogadores, como a exclusividade de Borderlands 3, que gerou um bombardeio de reviews negativas por fãs contrariados na página de Borderlands 2 no Steam. Mas nenhum se compararia ao episódio de Ooblets, jogo considerado uma mistura de "Pokémon" com um simulador de fazenda e cidades.

Um dos dois desenvolvedores que integram a Glumberland, produtora do jogo, Ben Wasser fez um post em seu blog oficial explicando os motivos porque a empresa resolveu aceitar o contrato de exclusividade da Epic – citando, em especial, a estabilidade financeira que o contrato proporcionaria ao estúdio, justificativa frequente entre desenvolvedores independentes que aceitaram a parceria com a Epic Games.

A postagem, no entanto, foi considerada condescendente por alguns jogadores por conta do tom irônico usado por Wasser para justificar a decisão, o que levou a uma enxurrada de ameaças direcionadas ao estúdio por jogadores descontentes. A Epic sairia em defesa da Glumberland após o episódio, denunciando a onda de difamação contra vários de seus parceiros de exclusividade – levando muitos a ponderarem sobre a dimensão que o assédio contra desenvolvedoras estava tomando.

Cadê meus achievements?

Divulgação/Gearbox Software

Além das polêmicas envolvendo os contratos de exclusividade com jogos, o primeiro ano da Epic Games Store foi marcado pela falta de recursos da própria loja – que ainda tem cara de mal acabada, mesmo doze meses após seu lançamento.

Diferente de competidores já estabelecidos no mercado, a Epic Games Stores ainda não conta com uma série de funções consideradas essenciais por jogadores para uma loja virtual, incluindo recursos básicos como carrinho de compras, reviews de usuários para jogos e a opção de presentear games a outros usuários. Até mesmo troféus, parte integral de games modernos, ainda não estão disponíveis na loja.

A falta de recursos levou a loja a um episódio particularmente complicado em maio deste ano, durante a Epic Mega Sale, primeira série de promoções promovida pela loja virtual da empresa, que levou usuários a serem bloqueados da loja após ativarem o sistema antifraude da loja ao comprarem vários jogos em sequência. O problema, é claro, vinha do fato de usuários serem obrigados a comprar vários jogos na sequência porque a loja não oferecia um carrinho de compras, o que permitiria a aquisição de vários jogos de uma só vez.

Na tentativa de apaziguar os ânimos de usuários reclamando sobre a falta de recursos da loja, a Epic liberou planejamento de funcionalidades a serem adicionadas à loja publicamente em março deste ano.

Reprodução/Trello

Na ocasião, a empresa estabeleceu projetos de curto, médio e longo prazo dentro de um documento público no Trello, listando deadlines em meses para a entrega funções que então ainda estavam indisponíveis na loja – como o tão requisitado Cloud Saving.

A política de transparência, no entanto, durou pouco. Após atrasar uma série de entregas, em setembro, a Epic modificou o documento, estabelecendo apenas funções descritas como "próximos lançamentos" e "desenvolvimento futuro", removendo as expectativas de tempo.

A mudança foi vista por alguns usuários como falta de comprometimento por parte da Epic, piorando a percepção de jogadores em relação à loja e à implementação de recursos mais procurados pela comunidade.

E 2020?

Divulgação/Team Meat

Apesar de tropeços ao longo do caminho, é importante reconhecer que a Epic teve alguns acertos para garantir mais dinamismo para o mercado de lojas virtuais desde sua chegada.

O episódio do bombardeio de reviews negativos em Borderlands 2 citado acima, por exemplo, levou a Valve a consertar o problema de review bomb que afetava o Steam há anos.

Vale ressaltar também que, pouco antes da chegada da Epic, a Valve também decidiu reduzir sua “mordida” na divisão de receitas de grandes lançamentos na plataforma, já em antecipação à chegada da nova concorrente.

Além disso, a empresa promoveu uma estratégia agressiva e positiva de distribuição de jogos gratuitos para seus usuários, começando com um título graça a cada duas semanas e acelerando para dois jogos por semana. O modelo para a atração segue firme e forte – neste fim de ano, a Epic deu um jogo gratuito por dia para usuários para as comemorações de fim de ano, com games como Celeste, Hyper Light Drifter e Ape Out na lista.

De forma geral, as parcerias de conteúdo também beneficiaram pequenas desenvolvedoras independentes, que tiveram mais garantias financeiras tanto ao lançar seus jogos na Epic de forma exclusiva por períodos determinados de tempo, quanto pela fatia menor retirada pela companhia das receitas com jogos.

Ainda assim, a Epic Games Store ainda está longe de ser a grande competidora do Steam que prometeu ser há doze meses.  Isso porque apesar crescimento impressionante da Epic Games Store, que já registra mais de 85 milhões de contas ativas segundo dados da própria Epic, o próprio Steam também teve um ano excelente.

Um dos maiores exemplos do sucesso continuado da loja da Valve é a recente parceria com a Microsoft, que rendeu a chegada de jogos como Gears 5 e a série Halo ao Steam – Halo: Reach, aliás, teve um pico de 161.024 jogadores em seu primeiro dia de lançamento.

Divulgação/Microsoft Game Studios

A loja da Valve também contou com o retorno de jogos da EA à plataforma, uma das primeiras a optarem por uma plataforma própria de distribuição de jogos, a Origin. Star Wars Jedi: Fallen Order, Apex Legends, The Sims 4 e Battlefield V, jogos importantes que já estão ou estarão na loja da Valve.

Envolvida com uma série de polêmicas e deslizes que irritaram usuários ao longo de 2019, a Epic Games Store teve uma lua de mel relativamente curta com jogadores e tem muito a provar em 2020 se quiser, de fato, fazer frente à popularidade da plataforma da Valve – especialmente se quer crescer em cima da base de jogadores do Steam.