Existem muitos estúdios indie que trabalham na indústria da venda de sonhos. Tentando preencher o vácuo deixado para trás por empresas grandes, que se recusam a ou não conseguem dar continuidade a séries e gêneros amados do passado, eles apelam para um público carente, que muitas vezes deposita confiança em projetos que parecem à altura dos clássicos de outrora, mas que na realidade não passam de imitações vazias dos grandes.

Que nervoso deu essa introdução, né? Pode ficar na paz: Sea of Stars é um exemplo do exato contrário do que eu acabei de descrever. Sim: é um jogo que existe especificamente para seguir os passos de RPGs clássicos do Super Nintendo. Mas ele também tem ideias únicas e prova ser valioso por muitos motivos além do mero apelo nostálgico.

A Sabotage Studio conseguiu criar um jogo que mistura Chrono Trigger e Breath of Fire, a profundidade de conteúdo de um RPG da era de ouro do PS1 e um combate com sensibilidades modernas – tudo isso envelopado por uma pixel art e melodias apaixonantes.

Divulgação/Sabotage Studio

Milhares de anos antes dos eventos de The Messenger, o adorado metroidvania criado pelo mesmo estúdio, dois jovens Guerreiros do Solstício deixam sua vila natal para realizar uma missão que só pode ser cumprida por eles, que são abençoados por poderes mágicos da Lua e do Sol. É o velho papo de “destino” que RPGs adoram, mas apresentado por diálogos que, logo de cara, deixam claro que talvez este seja um destino que mereça ser subvertido.

Valere e Zale ocupam bem os postos de protagonistas em Sea of Stars. Esquisitos socialmente por terem ficado 10 anos de sua infância isolados em treinamento, eles dependem de companheiros que encontram pelo caminho, como o afável Garl, para interagir com o mundo ao seu redor. Misturando-se com esses outros personagens controláveis, eles crescem e desenvolvem personalidades mais fortes diante do jogador de uma maneira envolvente.

A história de Sea of Stars não chega a patamares tão altos como as dos jogos que a inspiraram, mas a força dos personagens e a excelente construção de mundo tornam a narrativa cativante do início ao fim.

Cada nova área a ser visitada no jogo traz consigo surpresas, como o enorme dragão que poderia destruir o mundo, mas é mantido em um sono constante pela melodia que o vento gera ao passar pelas falhas da montanha onde ele adormeceu. São coisas capazes de gerar um fascínio irresistível ao jogador – principalmente por serem retratadas em um estilo gráfico 2D irretocável, cheio de detalhes minuciosos nos cenários e nas animações.

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E a linda apresentação visual de Sea of Stars não existe apenas para o nosso deleite visual: ela também é usada de maneira inteligente para criar áreas satisfatórias de explorar.

Os mapas que os heróis atravessam são cheios de passagens ocultas, escaladas e quedas, subidas e descidas. São firulas visuais: olhando de maneira fria, a exploração em Sea of Stars é simples e muito linear – mas você raramente chega a um objetivo simplesmente andando em linha reta, o que torna o mero caminhar do ponto A ao ponto B algo engajante.

Quebra-cabeças envolvendo o ambiente também são uma constante em Sea of Stars. Blocos a serem empurrados, plataformas a serem movidas, atalhos a serem desbloqueados – o jogo tem um quê de Golden Sun na maneira como cada nova caverna ou masmorra vai mudando e evoluindo na medida em que é explorada pelo jogador.

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E toda essa sensação positiva causada pela exploração é auxiliada pelo fato de que, como em Chrono Trigger, os combates acontecem no cenário que você está visitando, sem passarem por telas de transição quando começam.

Os personagens controláveis em Sea of Stars atacam com diferentes atributos. Valere, por exemplo, consegue desferir dano com os aspectos lunar e de impacto, enquanto Zale machuca oponentes cortando-os ou com o poder do Sol. Naturalmente, a outra metade da equação também existe: inimigos têm diferentes fraquezas e resistências a esses atributos.

Cada novo oponente encontrado oferece uma espécie de quebra-cabeça a ser resolvido. Certos ataques serão extremamente eficazes, enquanto outros serão inúteis. Às vezes, quando os inimigos se preparam para realizar ataques poderosos, uma lista de ‘travas’ aparece sobre suas cabeças: caso o jogador o golpeie com todos os atributos representados pelos ícones, ele consegue impedir tal ataque de acontecer.

Apesar dos conflitos se desenrolarem em turnos, eles cobram envolvimento constante do jogador por ter mecânicas de ritmo à la Super Mario RPG: um pressionar de botão no momento exato fortalece um ataque, ou então aumenta a resistência dos heróis a um golpe sofrido.

Certos ataques têm áreas de efeito, e é possível reposicionar inimigos na área de ação para que mais deles sejam atingidos por tais habilidades de uma só vez.

Similar a Chained Echoes, Sea of Stars também encontra maneiras inteligentes de obrigar o jogador a diversificar suas ações em combate. Os heróis recuperam MP ao usar ataques básicos, e com o MP sendo um recurso escasso, é preciso sempre alternar entre magias e golpes mais fracos. Há ainda uma mecânica que transforma a energia gerada por ataques básicos em um recurso consumível que fortalece comandos subsequentes, além de combos que unem as forças dos heróis de maneiras explosivas.

Divulgação/Sabotage Studio

No quesito combate, tudo em Sea of Stars é muito bem pensado... tirando o fator repetitividade. A obtenção de novas habilidades por parte dos personagens é um processo lento, e os inimigos se repetem muito, o que significa que, uma vez identificadas todas as fraquezas de um oponente, você precisa repetir cenas idênticas de combate várias vezes enquanto explora uma área.

Apesar de se debruçar sobre todos os RPGs clássicos do Super Nintendo como sua base de inspiração, Sea of Stars também olha uma geração adiante, em direção ao PS1, no quesito duração da aventura.

Trata-se de um RPG relativamente longo, complementado por atividades paralelas como side-quests e a busca por tesouros opcionais, como novos combos e receitas de itens consumíveis. O jogo também tem minigames, como pesca e o incrível Rodas – um jogo de tabuleiro mecânico que usa miniaturas colecionáveis e que ocupa na aventura um espaço similar ao Triple Triad de Final Fantasy VIII.

Em um ano de pouquíssimas decepções, este é mais um jogo que não quebra a tendência. Para quem respirava RPGs nos anos 1990, Sea of Stars é verdadeiramente um sonho – daqueles que você não quer ver acabar.

Nota do crítico