Muita gente parece esperar ouvir que Pokémon Scarlet e Violet são bons ‘primeiros passos’ em direção a um futuro melhor para a franquia – a primeira tentativa de algo maior, que renderá frutos daqui a muitos anos, em uma ou duas gerações.

Era o que eu esperava também. Mas os novos jogos não são meros passos em direção a algo; eles já chegaram lá.

Scarlet e Violet representam um salto triunfal para Pokémon. Limitado em aspectos técnicos, o mundo aberto criado pela Game Freak ainda tem muito a melhorar. Mas ele consegue recapturar o prazer da descoberta, que os jogos principais da série perderam na medida em que foram ficando progressivamente mais engessados.

A nona geração das aventuras Pokémon coloca no pedestal tudo aquilo que faz de Pokémon apaixonante: os mistérios, as surpresas, a sensação de liberdade – e o resultado é uma dupla de jogos que, caso evitemos por um instante as armadilhas da nostalgia, provavelmente sagram-se como os melhores de toda a série.

Divulgação/The Pokémon Company

Estudante de uma escola assustadoramente permissiva, o protagonista de Scarlet e Violet deve explorar a região de Paldea como parte de um estudo independente para descobrir suas verdadeiras paixões. E assim que ele deixa para trás os portões da cidade de Mesagoza, onde fica a escola, ele é livre para procurar tais paixões onde quiser.

Uma breve caminhada a partir deste ponto é o suficiente para deixar claro que Paldea é um cenário completamente diferente dos demais já vistos na franquia. Dos detalhes dentro e fora da casa do protagonista à quantidade de NPCs que andam de um lado para o outro, tudo trabalha para criar a sensação de um mapa com uma escala realista.

Chega de cidadezinhas compostas por duas construções e uma piscina, e também de casas que são dez vezes maiores por dentro do que por fora. O mapa é 80% mundo selvagem, mas pontuado por vilarejos e trechos urbanos com temas visuais únicos e até mesmo razões para existir dentro do universo do jogo – como Zapapico, que é uma cidade mineradora na encosta de uma montanha, ou o centro comercial de Porto Marinada.

A transição natural de um bioma para o próximo em diferentes áreas da ilha é outro exemplo de sucesso alcançado pela equipe que criou o mapa do jogo. Saindo de Medali a leste, o jogador começa a subir uma ladeira até chegar a uma caverna com escaladas bem íngremes. A vegetação lentamente desaparece no caminho, até que, ao fim da escalada e do outro lado da passagem, a paisagem fica esbranquiçada por causa da neve da Montanha de Glaseado. Ainda mais ao leste, o gelo derrete e forma uma queda d’água que alimenta a densa Floresta Tagtree abaixo.

Um mundo aberto coeso assim é algo que só soa impressionante em um review de Pokémon. Se estivéssemos discutindo qualquer outro jogo, eu provavelmente nem perderia tempo com uma explicação dessas. Mas isso é algo emblemático de Scarlet e Violet: de uma vez só, os jogos tiraram Pokémon do atraso, e colocaram a série em linha com o que se espera de um jogo do estilo em 2022.

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A comparação direta com Sword e Shield é brutal. Apesar de estarem na mesma plataforma, os jogos de 2019 agora parecem relíquias de um passado longínquo. No lugar dos corredores ornamentados de Galar, Paldea oferece a verdadeira liberdade – liberdade, inclusive, para que você termine a narrativa principal do jogo sem visitar várias áreas únicas, que só os exploradores mais assíduos vão encontrar.

Em retrospecto, é claro que Scarlet e Violet são evoluções naturais para a fórmula de Pokémon. Afinal, Pokémon Red e Blue eram praticamente jogos de mundo aberto, apenas limitados pelo que era possível fazer no Game Boy.

O Game Boy logo ficou para trás, mas as limitações de seu pequeno processador 8-bit continuaram morando na cabeça da Game Freak, que passou décadas contente em apenas recauchutar a velha fórmula. Como um jogador de boliche que tem medo de tirar as proteções das canaletas, eles temiam que a experiência de Pokémon não se sustentasse com tamanha liberdade.

Eles estavam errados. E agora, estamos livres.

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Todos os aspectos tradicionais de Pokémon se encaixam bem no mundo aberto de Scarlet e Violet. Pokémon selvagens estão por todos os lados, e cabe a você interagir com eles no seu próprio tempo, ou não. O mesmo vale para treinadores, que não são mais pedágios para seu progresso. Dá pra passar o jogo inteiro sem enfrentar nenhum deles: mas quem o faz é recompensado, já que o jogo premia quem derrota todos os rivais em cada região do mapa.

Objetivos como Ginásios e esconderijos do time de arruaceiros da vez, o Team Star, são muito mais convincentes quando podem ser enfrentados na ordem que o jogador quiser.

Certas áreas do mapa abrigam Pokémon de níveis mais altos – o que serve como um indicador orgânico da dificuldade apresentada por aquela região. Mas um jogador com um time de Pokémon nível 35 pode adentrar o território de monstrinhos nível 45 quando quiser, o que torna possível criar situações mais desafiadoras para si mesmo. Por isso, mesmo sem um pareamento dinâmico de níveis em batalhas de Ginásio, senti Scarlet e Violet como jogos mais difíceis do que os padrões da série.

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Mas o aspecto clássico de Pokémon que brilha mais intensamente no mundo aberto em comparação com o passado da série é o da descoberta de novas espécies de monstrinhos.

Ver uma silhueta inesperada no horizonte e andar até ela, lentamente compreendendo o que é que você está vendo até que o nome da nova criatura finalmente aparece na tela após o primeiro contato é uma maneira muito mais recompensante de conhecer um novo Pokémon.

Sabendo disso, a Game Freak povoou Paldea com o maior número de novos Pokémon em uma única geração desde Black e White, ao lado de uma seleção de centenas de monstrinhos que retornam de todas as oito gerações anteriores. Ao longo de toda a aventura, é difícil passar mais de 15 minutos sem encontrar alguma coisa completamente nova no caminho.

A qualidade dos novos Pokémon não é tão consistente quanto nas levas de inéditos de Alola e Galar, com algumas figuras novas remetendo aos momentos mais baixos de Unova, mas também existem enormes acertos, incluindo criaturinhas que eu já coloco entre as minhas favoritas de todas as mais de 1000 espécies conhecidas.

Os próprios Miraidon e Koraidon, companheiros-montaria que são Pokémon inéditos, são muito úteis na busca de novos monstrinhos. Cumprindo certos objetivos, o jogador desbloqueia novas maneiras de atravessar o mapa através de power-ups para eles. Ao fim da jornada, eles são capazes de saltar mais alto, correr, escalar quaisquer paredes e até planar por grandes distâncias.

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Em um mundo pós-Legends: Arceus, as batalhas lentas de Scarlet e Violet frustram por sabermos que elas poderiam ser mais rápidas. Não há mais a necessidade para longas animações pontuando, uma por uma, reduções no Ataque, na Defesa e na Velocidade de um Pokémon.

Mas mesmo em um contexto de maior liberdade, o formato clássico das batalhas Pokémon ainda afirma a própria versatilidade. Novas combinações de tipos entre os monstrinhos inéditos provam que as batalhas por turno ainda são capazes de surpreender, assim como a engenhosa mecânica Terastalize, que aumenta exponencialmente o número de estratégias possíveis com um único time ao permitir que um de seus Pokémon mude de tipo uma vez por batalha.

Há fãs de Legends: Arceus que gostariam que a linha principal de Pokémon deixasse o foco nas batalhas para trás, permitindo, por exemplo, que monstrinhos sejam capturados sem a obrigatoriedade prévia de um embate. Estes ficarão decepcionados em saber que Scarlet e Violet não apenas não fazem isso, como também prova que a mudança não é necessária para que Pokémon flua bem em um mundo aberto.

A mecânica Let’s Go, que permite que um único Pokémon lute automaticamente contra outras criaturas ao redor do jogador, facilita a caçada por itens de crafting específicos e o processo de subir o nível de times mais fracos, e pode aplacar um pouco o anseio dos fãs de Legends: Arceus por uma ação mais acelerada. Mas ela ainda funciona de uma maneira um pouco truncada e imprecisa, e tem muito espaço para melhoras.

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E essa frase é a deixa perfeita para adentrarmos o triste território da análise técnica de Scarlet e Violet. Deixo claro logo de cara: passadas algumas horas, a maioria dos jogadores deve se acostumar com as limitações visuais, que são contrabalanceadas por fatores como a forte direção de arte e as distrações da ótima trilha sonora.

Mas o Switch sofre muito para entregar a experiência completa de Scarlet e Violet, seja por limitações próprias do hardware, ou da equipe de desenvolvimento da Game Freak. Glitches visuais como objetos que surgem e desaparecem repentinamente são constantes, assim como as quedas na taxa de quadros por segundo. Você vai adentrar uma floresta densa, ou então sair para explorar o alto mar? É bom torcer para que não comece a chover, porque senão parece que o jogo liga o modo bullet time.

A câmera de batalha manual é outro aspecto técnico da experiência que deixa muito a desejar: muito próxima da ação e desengonçada, ela raramente faz justiça à ação na tela, mostrando Pokémon em ângulos nada favoráveis a todo momento. Isso quando ela não simplesmente atravessa a geometria do cenário, revelando coisas que não deveriam ser vistas.

Melhorias em relação a Legends: Arceus, como a iluminação em cavernas e a resolução da ação na água, são palpáveis – o que tem seu valor, dado que aquele jogo tinha um mundo separado em várias áreas, e não um mundo aberto. Mas ainda estamos falando de limitações técnicas que são um desserviço para o jogo como um todo. Um exemplo: as animações de combate são muito melhores que as de Sword e Shield, mas é muito mais difícil vê-las sob um ângulo bom.

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O novo multiplayer cooperativo, anunciado logo de cara e depois ocultado ao longo de toda a campanha de marketing do jogo até o lançamento, é outro elemento decepcionante de Scarlet e Violet.

Ele permite que jogadores andem lado a lado no mundo aberto, cumprindo os objetivos de suas respectivas campanhas independentemente – mas só isso. Disputas e trocas entre jogadores ainda precisam ser iniciadas por meio de um menu dedicado. Batalhas alheias não podem ser observadas, com treinadores que estão em conflito ativo aparecendo para os outros jogadores como se estivessem parados e não fazendo nada. Ambientes interiores como Ginásios também não são compartilhados; só é possível ver os amigos no mundo aberto.

É um multiplayer ‘pra inglês ver’: funciona e pode constar na campanha de marketing, mas ainda está muito longe de ser uma verdadeira experiência de Pokémon compartilhada.

Curiosamente, o outro aspecto cooperativo da experiência foi muito melhorado em relação a Sword e Shield: as Tera Raid Battles, que usam uma versão modificada do sistema de batalhas e permitem que jogadores realizem ataques no próprio ritmo, são muito mais ágeis e satisfatórias do que eram nos jogos anteriores.

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Felizmente, é difícil imaginar alguém jogando Pokémon Scarlet e Violet e sentindo que os problemas técnicos causam uma sombra grande o suficiente para cobrir as conquistas da Game Freak. No salto para o mundo aberto, eles conseguiram reacender em mim a vontade de explorar um mundo Pokémon em busca do simples prazer de uma nova descoberta, como fazia quando era criança.

A jornada orgânica do jogador por Paldea é uma experiência narrativa marcante por si só, que sequer precisaria de uma história tradicional a acompanhando para ser justificada. Mas a história tradicional também existe, e é indiscutivelmente a melhor e mais envolvente de toda a franquia, completa com personagens com arcos de desenvolvimento convincentes e relações memoráveis entre si.

Movido por essa mesma história, adentrei o épico epílogo do jogo com um fascínio que não sentia em Pokémon desde a vez que subi o Monte Silver no final da minha primeira jornada por Johto.

Pokémon Scarlet e Violet fazem Sword e Shield parecerem jogos de duas gerações atrás, e por causa de seu porte, também faz Legends: Arceus parecer o que ele é: um spin-off. Chega de ficar sempre esperando pela terra prometida do amanhã – o futuro de Pokémon é agora.


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  • Lançamento

    18.11.2022

  • Publicadora

    The Pokémon Company

  • Desenvolvedora

    Game Freak

  • Gênero

    RPG

  • Testado em

    Nintendo Switch

  • Plataformas

    Nintendo Switch

Nota do crítico